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Por que o etanol está sucateado? Subsídio à gasolina foi uma das causas

Valter Campanato/Agência Brasil
Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

16/06/2018 04h00

Após quase uma década em crise, o setor sucroalcooleiro sofre com o sucateamento das usinas e a estagnação da produção de cana-de-açúcar, apesar do bom momento para o mercado de etanol. Uma das razões para a crise do setor, que teve fechamento de dezenas de usinas, foi o subsídio para a gasolina no governo Dilma, segundo especialistas.

Nos últimos meses, a alta do preço da gasolina deu um alívio ao setor, com mais procura pelo etanol. Isso aconteceu porque ficou mais em conta para o consumidor. Sempre que o litro fica abaixo de 70% do preço da gasolina, vale a pena encher o tanque com o combustível feito de cana.

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Safra de cana deve diminuir 10%

Entretanto, a maioria das usinas continua com dívidas elevadas e sem recursos para investir em equipamentos ou na renovação dos canaviais. O resultado será uma queda de cerca de 10% no volume de cana processada na próxima safra (2018/19) em relação à atual (2017/18), que foi de 640 milhões de toneladas no país.

A luz no fim do túnel para o setor é o RenovaBio, programa do governo federal que pretende ampliar a participação de biocombustíveis na matriz energética brasileira até 2030. Em processo de regulamentação, o programa só deverá entrar em vigor em 2020.

“Vamos ter que sobreviver até lá”, disse Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Entenda qual é a situação atual da indústria sucroalcooleira brasileira.

80 usinas de etanol fecharam em dez anos

Nos últimos dez anos, 80 usinas de açúcar e etanol fecharam as portas, e outras 70 entraram em processo de recuperação judicial. Atualmente, 367 usinas estão em atividade, a maior parte (297) localizada no Centro-Sul do país, segundo dados da Unica.

Entre as causas da crise que abateu o setor, estão longos períodos de preço baixo do açúcar no mercado internacional, o congelamento do preço da gasolina no Brasil durante o governo de Dilma Rousseff e o forte encolhimento da economia do país em 2015 e 2016.

Subsídio da gasolina e excesso de açúcar causaram crise

“Houve um excesso de otimismo no setor até 2010 por causa do crescimento da frota de automóveis flex. Muitas usinas foram abertas nessa época. Daí veio o congelamento da gasolina, que tirou a competitividade do etanol. Além disso, no mercado internacional, a oferta de açúcar cresceu muito, derrubando os preços. Muitas empresas ficaram em situação difícil”, afirmou Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP em Ribeirão Preto (FEA-RP/USP).

“O setor está praticamente estagnado. Não há investimentos em aumento de produção das usinas nem em renovação dos canaviais. Muitas empresas fecharam. As que continuam em atividade estão endividadas e com pouca capacidade de investir”, disse Tamar Roitman, pesquisadora da FGV Energia.

Etanol está custando em média 65% da gasolina

Nakabashi afirmou que o mercado de açúcar apresentou melhora em 2016 e início de 2017, após um período de cinco anos de preços baixos. “Mas foi uma melhora passageira. As cotações voltaram a cair novamente a partir da metade de 2017. Hoje, há excesso de açúcar no mundo.”

O que está mantendo o setor em pé atualmente, segundo o professor da FEA-RP, é a produção de etanol, cujo preço voltou a ser competitivo em relação à gasolina em diversos estados, graças ao fato de a Petrobras ter adotado a política de acompanhar os preços internacionais para o combustível fóssil.

Com a disparada nas cotações do petróleo, o preço da gasolina nas refinarias subiu cerca de 11% apenas no mês de maio. “Por isso, as usinas estão preferindo direcionar a maior parte da produção para o etanol”, disse Nakabashi.

Para o etanol ser vantajoso para o consumidor, ele precisa custar 70% do valor da gasolina ou menos. Esse percentual corresponde à relação energética entre os dois combustíveis. Na prática, se um carro roda dez quilômetros com um litro de gasolina, ele andará sete quilômetros com um litro de etanol.

Levantamento de preços da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mostra que o preço médio do litro do etanol no país estava em R$ 2,98 na semana de 3 a 9 de junho, enquanto o litro da gasolina custava, em média, R$ 4,60. Ou seja, o etanol estava valendo 64,8% do preço da gasolina.

Etanol será mais produzido que açúcar

Segundo Rodrigues, da Unica, mais de 60% da próxima safra (2018/19) de cana será direcionada à produção de etanol. Na safra passada, o biocombustível respondeu por 55% da produção, enquanto os 45% restantes foram destinados à fabricação de açúcar. “As usinas brasileiras têm essa flexibilidade, de virar a torneira do açúcar para o etanol. A próxima safra será predominantemente alcooleira.”

Apesar do reescalonamento da produção, o volume de etanol deverá ficar estável porque a safra de cana deverá encolher cerca de 10% em relação às 640 milhões de toneladas processadas na última safra.

Em 2017, o Brasil produziu 14 bilhões de litros de etanol hidratado (que vai direto para o tanque dos carros flex e a etanol) e 12 bilhões de etanol anidro (que é misturado à gasolina), segundo dados da ANP.

“Como as usinas estão descapitalizadas, a safra será menor porque boa parte do canavial está envelhecida, o que afeta a produção. Além disso, houve alguns problemas climáticos que afetaram o plantio”, disse o diretor técnico da Unica. Depois de um período de excesso de chuvas, em janeiro e fevereiro, as regiões produtoras de cana sofreram com a estiagem em abril.

RenovaBio pode ser salvação, mas só a partir de 2020

A vantagem competitiva do etanol em relação à gasolina, observada nos últimos meses, ainda não será suficiente para tirar o setor sucroalcooleiro da crise que já dura quase uma década, disse Rodrigues.

“A recuperação do setor ainda é tímida. A situação para o etanol está melhor hoje, mas para o açúcar, não. O açúcar tem um fator cíclico. O problema é que os ciclos de preço baixo têm durado muito mais tempo do que os ciclos de preço alto”, afirmou o diretor técnico da Unica.

A esperança das usinas está na Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, programa do governo federal instituído pela Lei 13.576/17 para estimular o uso de biocombustíveis, como etanol e biodiesel, e reduzir o consumo de derivados de petróleo.

Entre as metas do RenovaBio estão o aumento da participação dos biocombustíveis no consumo, de 20,0% para 28,6%, e a redução de 80% para 71,4% da fatia dos combustíveis fósseis.

Usinas vão receber mais por terem combustível verde

Além do estímulo à produção de etanol, o RenovaBio criará uma nova fonte de receita para as usinas: os Créditos de Descarbonização (CBIO). Os CBIOs serão emitidos pelos produtores de biocombustíveis e negociados na Bolsa de Valores.

As distribuidoras de combustíveis terão de comprar os CBIOs, como forma de compensar a venda de combustíveis poluentes acima das metas de redução de emissões estabelecidas no RenovaBio.

A emissão dos CBIOs seguirá critérios de sustentabilidade. Além de considerar o volume de biocombustível produzido, a emissão também levará em conta a nota de eficiência energético-ambiental de cada usina.

“O programa trará maior previsibilidade aos preços do etanol, o que deve estimular investimentos”, disse Tamar, da FGV Energia. “Além disso, o produtor terá uma receita extra com a emissão dos CBIOs. A expectativa é que esse ganho seja repassado para os preços dos biocombustíveis, ajudando a reduzir os preços ao consumidor.”

Rodrigues, da Unica, estima que, com o apoio do RenovaBio, a produção anual de etanol hidratado saltará dos atuais 14 bilhões de litros para 32 bilhões de litros em 2030.

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