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Para advogados, fim de ministério prejudica trabalhador, empresas e Justiça

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/11/2018 20h01

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), confirmou o fim do Ministério do Trabalho (MTE) nesta quarta-feira (7). Sem dar mais detalhes, afirmou que a pasta será "anexada a algum ministério".

Criado em 1930 por Getúlio Vargas sob o nome Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a pasta é uma das mais antigas e duradouras da história brasileira. Entre suas principais funções estão organizar a relação entre sindicatos, trabalhadores e empresas e garantir a estabilidade nestas relações.

Anexar o Ministério do Trabalho a outra pasta teria que impactos? Como afetaria empresas e trabalhadores? O UOL ouviu especialistas em direito trabalhista e relações de trabalho para entender as possíveis consequências da decisão.

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Ministério 'indispensável'

As discussões sobre empregabilidade e suas condições passam diretamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, segundo o advogado trabalhista Ivandick Rodrigues, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

É uma perda para a democracia, especialmente em um cenário como o atual, em que se debate muito o desemprego
Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie

O juiz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), também disse lamentar a decisão.

"O MTE é uma instituição que carrega tradição de 88 anos, sempre protagonizou uma pasta ministerial", afirmou. "Como todos sabemos, é um valor constitucional referido entre os fundamentos da República. [Sua extinção] seria péssimo para as relações sociais."

Fiscalização pode ser comprometida

Segundo os especialistas ouvidos pelo UOL, a função mais importante e que deve ser a mais afetada é a de fiscalização. Para o advogado trabalhista Thiago Barison, doutor em direito do trabalho pela USP (Universidade de São Paulo), o Ministério do Trabalho é indispensável e, em vez de ser anexado, deveria ser fortalecido e modernizado.

"O MTE tem funções fiscalizatórias. Precisamos fazer a fiscalização avançar para a era da internet. Perder esta especialização e este know-how é um retrocesso", afirmou o advogado. "[O MTE] Deveria ter a mesma tecnologia fiscalizatória que a Receita Federal." 

"O ideal é: qualquer trabalho prestado é objeto de fiscalização, tributação e, portanto, segurança. Segurança contra riscos ambientais, sociais e econômicos", disse Barison.

As normas fiscalizatórias podem sofrer uma grande perda. Se não há quem fiscalize, como elas serão mantidas? Como será feita esta organização?
Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie

Lista suja do trabalho escravo

Entre os avanços do ministério, os especialistas citaram a lista suja do trabalho escravo, que denuncia empresas pela prática do crime.

Não é segredo para ninguém que trabalho análogo à escravidão e infantil ainda são realidade no Brasil. É preciso ter algum órgão do Executivo que fique de olho
Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie

Feliciano disse que, até 1995, o Brasil se recusava a reconhecer a existência de trabalho escravo contemporâneo no país. "Depois, nós nos tornamos referência para o mundo no combate à escravidão contemporânea", afirmou o magistrado.

Ruim para o bom empregador

Não são só os trabalhadores que devem sair perdendo, segundo os entrevistados. A mudança pode prejudicar todo o ciclo do emprego, inclusive as empresas.

"A extinção do MTE abre espaço para concorrência desleal, à base de superexploração, prejudicando os bons empregadores", disse Barison.

"A propagação das normas do trabalho visa ao equilíbrio. Em um cenário de competitividade entre empresas, quem não cumpri-las [em busca de diminuir custos] é punido. Logo, extinguir quem fiscaliza penaliza os bons empregadores, porque os ruins não serão fiscalizados", afirmou Rodrigues.

Mais ações na Justiça

Além disso, com a queda na fiscalização, a tendência é que haja aumento no número de processos trabalhistas na Justiça, pois, segundo os advogados, cria-se "insegurança jurídica". 

"Quanto menor a fiscalização, mais ações trabalhistas. Fiscalizar é melhor porque é preventivo", afirmou Barison.

"O que poderia ser resolvido com fiscalização pelo Executivo cai no Judiciário, que já é lento e oneroso. Os problemas não vão desaparecer, vão se agravar", afirmou Rodrigues.

Menos pastas com mais eficiência?

A possível extinção do MTE faz parte de um programa mais amplo do futuro governo Bolsonaro, que pretende diminuir o número de ministérios, para enxugar a máquina pública, sem perder a eficiência. Os especialistas dizem não acreditar que isso vá funcionar nesse caso.

"Vamos pegar a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho)] como exemplo. Ela usa o MTE para fixar uma série de normas, como o Artigo 162, que trata de serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho. Alguém terá de assumir [esta regulamentação], mas quem vai expedir? O Ministério da Saúde? Ou será criada uma nova secretaria?", disse Rodrigues. "É uma insegurança muito grande."

"A fiscalização do trabalho passaria para que órgão? Para o Ministério da Justiça? E os recursos que são geridos pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que, somados, são da ordem de R$ 1 trilhão, seriam geridos com que finalidade, a partir de que planejamento?", disse Feliciano.

Para o magistrado, este possível desmembramento só prejudicaria as políticas públicas promovidas pelo ministério. "Hoje, de qualquer maneira, o MTE realiza uma gestão com foco claro: fomenta a empregabilidade e as políticas públicas de carência social", afirmou. "Afora as diversas políticas públicas que poderiam ser descontinuadas [com seu fim]."