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Brasil precisa baixar juros para crescer, mas há limite para taxa cair

Sorbetto/Getty Images
Imagem: Sorbetto/Getty Images

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

06/04/2019 04h00

Se a inflação está sob controle e a atividade continua fraca, então por que o Banco Central não reduz mais os juros para estimular o crescimento da economia brasileira? Essa é a pergunta que muitos brasileiros têm feito nos últimos dias, especialmente após o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir manter a Selic, a taxa básica de juros da economia, pela oitava vez seguida em 6,5% ao ano.

Desde março do ano passado os juros não caem, depois de uma sequência de cortes que derrubou a Selic do patamar de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para o menor nível da história. A taxa poderia cair mais? Até quanto?

Veja as opiniões de quatro especialistas: Everton Gonçalves, superintendente de assessoria econômica da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, Nelson Marconi, professor da FGV EAESP, e Pablo Spyer, diretor de operações da corretora Mirae Asset.

Economia não cresce como previsto

O crescimento da economia continua aquém das expectativas do mercado. O boletim Focus, que reúne as projeções de dezenas de economistas para a economia brasileira, mostrou na semana passada uma redução expressiva na média de estimativas para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019, para 2,01%. Na semana anterior, a projeção média era de 2,28%. No ano passado, as estimativas para expansão da economia em 2019 chegavam a 3%.

"Não é de hoje que o nível de atividade econômica vem frustrando as expectativas. O Brasil tem crescido a um ritmo modesto há dois anos. Se você olhar 2018, por exemplo, o mercado começou o ano esperando crescimento de 3%, terminou projetando 1,5%, e o resultado ficou em 1,1%. Em 2019 está acontecendo a mesma coisa", disse Lima Gonçalves, do Banco Fator. Em 2018, o avanço do PIB foi de 1,1%, mesma taxa de crescimento registrada em 2017, segundo o IBGE.

"A inflação também está abaixo da meta do Banco Central. Faz pelo menos um ano que ela não acelera", afirmou Lima Gonçalves. A inflação medida pelo IPCA acumulada nos últimos 12 meses até fevereiro ficou em 3,73%, praticamente o mesmo índice registrado em 2018 (3,75%). Em 2017, a inflação foi de 2,95%, abaixo do piso da meta.

Até o ano passado, o Banco Central tinha como meta uma inflação de 4,5%, podendo oscilar 1,5 ponto percentual para cima (teto de 6%) ou para baixo (piso de 3%). Em 2019, a meta foi reduzida para 4,25% e, em 2020, será de 4,0%, com margem de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Por que a Selic deveria cair?

"Eu acho que o Banco Central não só pode baixar mais os juros, como já deveria ter baixado lá atrás. Não deveria ter parado nos 6,5%. As decisões de política monetária levam cerca de um ano para surtirem efeito sobre a economia", declarou o economista-chefe do Banco Fator.

Opinião semelhante tem o professor Marconi, da FGV. "Se o Banco Central sobe o juros para controlar a atividade e fazer a inflação cair, ele também deve atuar no sentido contrário quando a atividade está fraca e a inflação permanece abaixo da meta."

Com o desemprego elevado, as indústrias com muita capacidade ociosa e grande parte das famílias endividadas, não há elementos econômicos que possam causar pressão inflacionária pelo lado da demanda, explicou Marconi.

Cenário externo está mais favorável

O cenário externo é um dos fatores que preocupam a condução da política monetária no Brasil. Quando países desenvolvidos, como os Estados Unidos, elevam suas taxas de juros, eles se tornam mais atraentes aos investidores, que acabam migrando suas aplicações de países mais arriscados, como o Brasil, para títulos públicos desses países.

Na última quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) também manteve sua taxa básica de juros e sinalizou que não pretende fazer novos aumentos neste ano, ao contrário das projeções do mercado, que apontavam duas altas para conter um possível aquecimento exagerado da economia norte-americana.

"A decisão do Fed foi uma boa notícia para o Brasil. Se o juro subisse mais nos Estados Unidos, o espaço para uma eventual queda de juros aqui ficaria menor", disse Pablo Spyer. "O juro no Brasil tem que oferecer um prêmio em relação à taxa praticada nos Estados Unidos para compensar o risco de o investidor aplicar aqui."

Entretanto, na visão do Banco Central, outros fatores externos ainda geram preocupação, em particular os sinais de desaceleração da economia global.

"Uma desaceleração mais rápida lá fora poderia, por exemplo, deprimir os preços das commodities [insumos básicos]. Não podemos nos esquecer que o real tem uma forte correlação com as commodities. O Brasil exporta soja, minério de ferro. A queda nos preços pressionaria o câmbio aqui", disse Everton Gonçalves, da ABBC.

Até quanto a Selic poderia cair?

Não há um consenso entre os economistas sobre qual seria o piso para a taxa básica de juros. Mas todos concordam que há espaço para a redução.

"Mais importante do que olhar a taxa Selic em si é analisar a taxa de juros real, ou seja, descontada da inflação. Hoje, o juro real gira em torno dos 2,5% ao ano. Em países desenvolvidos, o juro real é inferior a 1%. Alguns países estão praticando taxa zero ou até negativa justamente porque suas economias estão desaquecidas. Por isso, eu vejo espaço para um juro real no Brasil em torno de 1,5%, o que se traduziria em uma Selic entre 5% e 5,5%", disse Marconi.

"Eu acredito que 5% seria o piso para a Selic. Abaixo disso, você poderia causar desconforto entre investidores estrangeiros. Haveria o risco desses investidores encerrarem posições em títulos brasileiros para comprar papéis em outros mercados. O retorno não compensaria mais o risco", declarou Spyer.

"O juro real nunca poderá ser zero no Brasil por uma questão fiscal. O país não conseguiria captar recursos para financiar sua dívida pública porque os títulos perderiam atratividade. Portanto, você também tem uma questão estrutural que efetivamente impede uma queda maior dos juros", declarou Marconi.

Por que o Copom não reduziu a Selic?

A reunião do Copom do dia 20 de março foi a primeira sob comando do novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Tradicionalmente, novas diretorias do BC não costumam mudar o rumo da política monetária ao assumir a instituição.

Mas é a expectativa sobre a aprovação das reformas estruturais, particularmente a da Previdência, o principal fator que tem levado o Banco Central a ser cauteloso na condução da política monetária, na avaliação dos especialistas.

Reformas influenciam a economia

"Você tem um fator de incerteza importante que é a evolução das reformas, a negociação política para aprovação. As reformas terão efeito direto sobre a questão fiscal. Se elas não forem aprovadas, haverá pressão sobre as contas públicas, o que provocará desvalorização do real e aumento da percepção de risco dos investidores em relação ao país. Esses fatores, por si só, poderiam obrigar o Copom a subir a taxa em relação ao nível atual", disse Gonçalves, da ABBC.

No entanto, para Marconi, mesmo que a reforma da Previdência não saia do papel, o Banco Central não terá, necessariamente, que elevar a Selic para controlar tal situação.

"Sem a reforma, as expectativas do mercado vão se deteriorar. Nesse caso, o governo vai ter que encontrar uma outra solução para a questão fiscal. Não vai adiantar o Banco Central subir os juros para compensar a piora das expectativas. Ele não vai conseguir atrair o investidor e, pior, vai agravar a situação fiscal por causa da despesa maior com juros da dívida pública", disse o professor da FGV.

Juros dos bancos também precisam cair

Para os especialistas, tão importante quanto reduzir a Selic, que é a taxa básica da economia, é fazer com que essa redução chegue a todos, especialmente as pequenas empresas e pessoas físicas que necessitam de crédito.

"A taxa de juros praticada nos financiamentos ao consumidor e às empresas não cai na mesma velocidade e proporção da Selic. Isso acontece porque o Brasil tem um problema sério de concentração bancária. Os spreads praticados são muito altos", declarou Marconi.

"Uma coisa é o governo mexer na taxa básica, outra é a taxa de juros praticada nos bancos. Urge que o governo tome alguma atitude efetiva para combater a concentração bancária e permitir que os juros caiam também para a população", disse o professor da FGV.

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