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China vende alho barato e ameaça 150 mil empregos no Brasil, diz associação

Eliane Silva

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

09/06/2019 04h00

Cerca de 150 mil empregos diretos e indiretos na cadeia do alho estão ameaçados no Brasil pela prática de dumping da China. Dumping é a cobrança de mercadoria por preço abaixo do custo, com objetivo de ganhar mercado e afetar concorrentes. A China é a maior produtora mundial, com 78% de participação.

A afirmação é do presidente da Anapa (Associação Nacional dos Produtores de Alho), Rafael Jorge Corsino. Entre os prejudicados, segundo ele, estão 4.000 agricultores familiares da Bahia ao Rio Grande do Sul. A cadeia do alho movimenta cerca de R$ 800 milhões ao ano.

Em 1996, o governo brasileiro comprovou que os chineses vendiam o alho no exterior por preço abaixo do seu custo de produção e determinou uma tarifa para o tempero entrar no Brasil, que é revisada a cada cinco anos.

Importadores estão burlando medidas de proteção

Mas, desde 2016, alguns grandes importadores nacionais vêm conseguindo burlar o antidumping de US$ 0,78 por quilo por meio de liminares judiciais. A situação pode ficar ainda pior para o agricultor local se a tarifa que vence em outubro deste ano não for renovada.

"O produtor brasileiro vem perdendo a competitividade com essa máfia das liminares que permite a concorrência desleal. Nosso custo de produção é de R$ 70 por caixa de dez quilos, mas, sem a tarifa antidumping, o alho chinês entra aqui por R$ 58", disse Corsino.

Ele destaca que o alho é uma cultura totalmente artesanal e que o tempero brasileiro tem qualidade e durabilidade muito maior que o da Ásia.

Brasil produz 45% de sua necessidade de alho

Na década de 90, o Brasil produzia 90% do alho que consumia em 18 mil hectares de área plantada. Atualmente, com apenas 11 mil hectares, colhe 45% das 300 mil toneladas que consome por ano. O que falta é importado da Argentina, China e Espanha.

De janeiro a abril deste ano, foram importadas 63,7 mil toneladas de alho dos três países, segundo o Ministério da Economia, Comércio Exterior e Serviços.

Dados da Receita Federal apontam que, nesse período, 22,77 mil toneladas do produto chinês entraram no país sem pagar o antidumping. No ano passado, foram 71,19 mil toneladas da China sem tarifa para um total importado de 159,26 mil toneladas.

Nas liminares, os importadores argumentam que o direito de antidumping só incide sobre algumas classificações de alho. Resolução da Camex (Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior), de julho de 2017, esclarece, no entanto, que "os alhos frescos ou refrigerados, independentemente de quaisquer classificações, estão sujeitos à incidência do direito antidumping instituído em 2013."

A reportagem tentou ouvir a Ania (Associação Nacional dos Importadores de Alho), assim como o diretor de uma grande empresa importadora, mas não houve resposta aos seguidos pedidos de entrevista. A Embaixada da China também não se pronunciou.

Associação fala até em suicídio

A situação de quem planta alho em Santa Catarina, que perdeu a liderança nacional do ranking de maior produtor nos últimos anos para Minas Gerais, está insustentável, segundo Everson Tagliari, presidente da associação catarinense. O estado tem cerca de 1.900 produtores, sendo 93% de agricultores familiares.

Tagliari afirmou que, em 2018, a região teve uma boa safra, mas o resultado financeiro foi um desastre: os prejuízos chegaram a R$ 71 milhões. Isso porque o produtor gastou R$ 66 mil por hectare, mas teve um faturamento médio de apenas R$ 19 mil por hectare por vender alho bem abaixo do custo para concorrer com o produto chinês sem a tarifa antidumping.

"Endividados com os financiamentos, muitas famílias que têm no alho a base do seu sustento tiveram que vender as propriedades e se mudar para a cidade. Tivemos casos até de suicídio."

Neste ano, a situação dos agricultores do meio-oeste do estado se agravou porque a safra foi a pior dos últimos 48 anos devido a condições climáticas adversas, frio fora da época e muita chuva. A estimativa de prejuízo é de R$ 100 milhões.

Revisão da tarifa

Além de derrubar as liminares, os produtores brasileiros têm outra frente de batalha neste ano para renovar a tarifa antidumping. O Decom (Departamento de Defesa Comercial), órgão do Ministério da Economia encarregado de investigar a necessidade de defesa do produto nacional, avalia provas para definir se mantém ou não a tarifa.

São partes no processo a Anapa, os importadores e o governo chinês. Segundo Corsino, em audiência pública no mês passado, o representante chinês disse que a tarifa precisa cair porque seu país compra muitos produtos do Brasil. "Rebati de imediato dizendo que não aceitamos ameaças e que o assunto em discussão era o alho."

O parecer técnico que deve embasar a decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, sai em 3 de setembro. "As autoridades brasileiras ainda não se posicionaram, mas estamos confiantes na manutenção da tarifa porque o ministro já declarou que não irá permitir a abertura de mercado antes de preparar o agronegócio brasileiro."

Para Tagliari, mesmo sendo liberal, o ministro não pode abrir mão da tarifa que põe cerca de R$ 300 milhões nos cofres públicos por ano e de toda a renda gerada pela cadeia do alho para "criar mais empregos na China e tornar bilionários meia dúzia de importadores no Brasil".

O presidente da Anapa afirmou que a produção brasileira morre se for retirada a tarifa. O dirigente ressalta que os Estados Unidos também impõem taxa antidumping ao alho chinês, a Comunidade Europeia estabelece cota de importação e países como Argentina e México proíbem a entrada do produto.

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