IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Nova edição de livro de bancos sobre juros não avança nada, dizem analistas

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

15/08/2019 17h25

A segunda edição do livro "Como baixar os juros no Brasil", publicada neste mês pela Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), traz poucas novidades em relação à primeira edição, divulgada no fim do ano passado. Segundo especialistas, não há propostas concretas diferentes para redução dos juros no Brasil.

De acordo com a própria entidade, o objetivo do novo material é responder às críticas feitas pela imprensa e por leitores, além de atualizar as projeções econômicas utilizadas.

Especialistas ouvidos pelo UOL que já haviam analisado a primeira edição avaliaram que a Febraban não agregou novas sugestões à discussão sobre o "spread" bancário no novo livro. "Spread" é a diferença entre os juros pagos pelos bancos para captar recursos e os juros cobrados por eles para emprestar dinheiro aos clientes. As 21 propostas (veja quais são no fim do texto) apresentadas na primeira edição para combater o "spread" elevado se repetem na segunda edição.

"[O livro] espelha o debate que ocorreu nos últimos meses e reforça propostas para a atuação dos bancos e da sociedade de forma a fazer os juros baixarem no país", declarou Murilo Portugal, presidente da Febraban, no prefácio da nova edição.

Bancos mantêm postura defensiva

Na opinião dos especialistas, os bancos mantiveram uma postura defensiva em relação a temas considerados polêmicos, como a concentração do setor, os lucros elevados e a verticalização das instituições.

"[O livro] é mais do mesmo. O que os bancos fizeram agora foi tangenciar algumas das críticas feitas na primeira edição. As minhas críticas, inclusive, permanecem as mesmas: a falta de concorrência no setor e a necessidade de se investir mais na educação financeira da população", disse Robson Gonçalves, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"A Febraban está colhendo e rebatendo as críticas que sofreu. O livro coloca os mesmos tópicos da primeira edição, mas eles escolheram as críticas que querem responder. A questão da concentração é uma delas. O tom da resposta parece ser de mágoa. Parece que ficaram chateados com algumas críticas. O fato é que o spread bancário é um problema seriíssimo tecnicamente", disse Roy Martelanc, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração).

Bancos rebatem as críticas à concentração

A questão da concentração bancária no Brasil foi o principal alvo das críticas ao primeiro livro, o que gerou uma longa réplica da Febraban na nova edição. Atualmente, os cinco maiores bancos -Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander- respondem por mais de 80% das operações de crédito no país.

"A respeito da suposta falta de concorrência no setor, vale registrar que o próprio Banco Central não encontrou uma relação direta entre a situação de concorrência no mercado brasileiro e o nível do spread bancário. A verdade é que não existe impedimento regulatório para a entrada de novos players [participantes] no mercado", declarou a entidade.

"O argumento de que a concentração não aumenta o spread é fraco. Há uma dezena de razões que afetam o spread. A concentração é uma delas. O que não significa que ela não seja importante", afirmou Martelanc.

"Você até pode dizer que os bancos competem entre si em termos de tecnologia, de imagem, de atendimento. Mas em termos de preços de serviços, de taxas de juros, que é o que realmente importa para os clientes, não há grande diferença entre eles", disse o professor da FIA.

Inadimplência é considerada "vilã" do juro alto

A Febraban trata a inadimplência como a grande "vilã" do juro alto. "Para compensar a perda com a inadimplência e os custos associados a ela, os bancos são levados a cobrar taxas de juros maiores de todos os tomadores, indistintamente. Na prática, aqueles que pagam seus empréstimos em dia acabam sendo levados a pagar também por devedores que não o fazem."

A entidade avalia que a queda da inadimplência depende da recuperação da economia, fazendo com que a renda das famílias melhore e as dívidas sejam pagas. No entanto, este é um processo que leva tempo.

Na opinião dos bancos, o custo da inadimplência poderia ser menor se a legislação favorecesse o cumprimento dos contratos e a retomada mais rápida dos bens dados como garantia de empréstimos.

Os especialistas avaliam que os bancos têm razão, em parte, ao reclamarem da inadimplência.

"Custa caro recuperar um bem, fazer cobrança. Por isso, os bancos são obrigados a cobrar juros mais caro de quem paga em dia para compensar os maus pagadores", afirmou Fábio Neufeld, líder da área de crédito da ABFintechs (Associação Brasileira das Fintechs, empresas de tecnologia que prestam serviços financeiros).

Segundo Neufeld, a inadimplência não é causada diretamente pelo juro alto, mas pela dificuldade em se cobrar a dívida. "Se os bancos puderem conhecer melhor para quem estão emprestando, a tendência é que a inadimplência diminua, permitindo que os juros diminuam. Nesse ponto, a implantação do cadastro positivo deve ajudar bastante."

Educação financeira ajudaria a reduzir inadimplência

Por outro lado, os especialistas lembram que a falta de educação financeira da população colabora para que a inadimplência seja elevada. Nesse sentido, os bancos poderiam investir mais em ações educativas para evitar o mau uso dos empréstimos por seus clientes, além de serem mais cuidadosos na concessão de cartões de crédito, empréstimos e outros produtos financeiros.

"É um problema de seleção dos clientes. O consumidor saudável foge do crédito porque sabe que o juro é proibitivo. Quem toma crédito no Brasil é o cliente menos educado financeiramente, que aceita pagar 300% ao ano no cartão ou no cheque especial e acaba ficando inadimplente", declarou Martelanc.

"Os bancos precisam investir mais em educação financeira, desenvolver aplicativos que ajudem o cliente a controlar seu orçamento pessoal", disse Neufeld.

Livro não aborda novas tecnologias

Na avaliação dos especialistas, a segunda edição do livro da Febraban basicamente repete os tópicos da primeira edição, acrescentando apenas as respostas da entidade às críticas feitas. Para o professor Robson Gonçalves, da FGV, os bancos poderiam ter avançado em novas questões que poderão influenciar o crédito e as taxas de juros no futuro.

"Você tem agora as microempresas de crédito, o anúncio do Facebook criando sua própria criptomoeda, a evolução das moedas digitais e da tecnologia blockchain. Ou seja, o mercado de crédito está mudando radicalmente. A tendência é que haja uma pulverização na oferta, com novas formas de empréstimo."

Gonçalves acredita que os bancos estão preocupados com o avanço da concorrência e, por isso, estão pleiteando uma redução dos seus custos regulatórios e operacionais, entre outras questões abordadas no livro, que tornam os juros mais altos, na tentativa de fazer frente às novas tecnologias.

"Os bancos estão numa postura defensiva, não querem perder competitividade. Quando essa nova concorrência bater à porta, o desafio dos bancos será reduzir os juros sem perder a lucratividade. Em algum momento no futuro teremos uma geração de pessoas tomando empréstimos em novas empresas que oferecem crédito mais barato por meio de moedas virtuais, no lugar daquela geração que hoje pega empréstimo no banco em moeda nacional."

Integração com bancos e fintechs poderia reduzir juros

Assim como ocorreu na primeira, a segunda edição trata superficialmente do papel das fintechs (empresas de tecnologia que prestam serviços financeiros) no mercado financeiro.

"O livro parece mais preocupado com a questão da concorrência, em afirmar que os bancos apoiam a entrada das fintechs, mas defendem uma competição equilibrada. O livro poderia explorar as possíveis sinergias e a integração de atividades entre bancos e fintechs", disse Fábio Neufeld, da ABFintechs.

"O importante é que a maior competitividade das fintechs resulte de vantagens intrínsecas dessas empresas, não do fato de estarem submetidas a uma regulação diferente da dos bancos. Se a atividade é a mesma, as regras devem ser as mesmas. É fundamental manter certa isonomia na regulação, a fim de evitar problemas de estabilidade financeira e distorções competitivas", declarou a Febraban no livro.

Segundo Neufeld, as fintechs dispõem de tecnologia e agilidade para a concessão do crédito, enquanto os bancos possuem grande volume de recursos disponível para empréstimo.

"Os bancos poderiam usar as fintechs como veias para escoar o crédito de forma mais eficiente. A fintech ganharia mercado e o banco conseguiria reduzir custos e ganhar eficiência, o que permitiria emprestar a uma taxa de juros mais baixa."

Veja quais são as propostas

A segunda edição traz as mesmas 21 propostas para baixar os juros no país apresentadas pela Febraban no primeiro livro. A entidade aproveitou para rebater a crítica de que apenas a última proposta dependeria de uma atitude dos bancos para ser efetivada. Ela aborda a questão dos subsídios à operação de cartão de crédito.

"A Febraban discorda da visão de que, das 21 medidas propostas, apenas uma seja de responsabilidade dos bancos. Nosso argumento é exatamente o contrário: o assunto é responsabilidade de todos - bancos, governo, Legislativo, Judiciário -, cada um fazendo o que está dentro da sua competência."

Veja a seguir quais são as propostas:

  1. Aperfeiçoar o cadastro positivo;
  2. Ampliar o acesso à informação sobre renda e faturamento;
  3. Tornar efetiva a cobrança extrajudicial;
  4. Garantir o pleno reconhecimento da duplicata eletrônica;
  5. Permitir dedução no Imposto de renda da perda integral de créditos;
  6. Aprovar a nova Lei de Falências;
  7. Reforçar a segurança jurídica das operações eletrônicas;
  8. Promover a isonomia tributária entre bancos e empresas;
  9. Eliminar a tributação indireta sobre o crédito;
  10. Reduzir o depósito compulsório e eliminar as aplicações obrigatórias;
  11. Estabelecer os limites de responsabilidade ambiental dos bancos;
  12. Implementar efetivamente a nova legislação trabalhista;
  13. Revisar regras, garantindo maior liberdade de tarifas e melhor seleção de gratuidades;
  14. Reduzir a litigiosidade judicial;
  15. Viabilizar recolhimento centralizado e padronizado do ISS;
  16. Federalizar a competência para legislar sobre o sistema bancário;
  17. Padronizar obrigações sobre dispositivos de segurança das agências;
  18. Simplificar a abertura de cadastro do consumidor;
  19. Desestimular o uso de dinheiro em espécie;
  20. Criar um ambiente competitivo e saudável para as fintechs;
  21. Resolver a dinâmica de subsídios entre clientes de cartão de crédito.

Entenda o que é o spread bancário e a relação com os juros que você paga

UOL Notícias