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Endividada, cidade do RN suspende serviços e salários e decreta 'falência'

Reprodução/Prefeitura de Bento Fernandes
Imagem: Reprodução/Prefeitura de Bento Fernandes

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/09/2019 14h24

Com 5.497 habitantes, o município de Bento Fernandes (a 97 km de Natal) está oficialmente quebrado. Quem disse isso foi o próprio prefeito, Paulo Marques de Oliveira Júnior, o Júnior Marques (MDB), que anunciou a "falência" em discurso à população em praça pública. Nem o corte do salário do próprio prefeito e a demissão de quase todos os secretários foram suficientes para aliviar a crise.

Segundo a prefeitura, sucessivos bloqueios nas contas públicas impedem o funcionamento de serviços e o pagamento de boa parte dos servidores. Todos os serviços municipais estão suspensos, com exceção de escolas e postos de saúde. O pagamento de salários também será atrasado.

As dívidas acumuladas pelo município já causavam dor de cabeça, mas pioraram significativamente em 25 de junho, quando a desembargadora Maria Zeneide Bezerra, do TJ-RN (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte), revogou uma decisão liminar que suspendia um bloqueio nas contas do município para pagar uma dívida referente a contribuições previdenciários em 2011 e 2012.

A prefeitura deixou de repassar ao Fundo de Seguridade Social da Receita Federal as contribuições descontadas dos servidores municipais.

Somente nesse caso, a dívida da prefeitura, em valores atualizados pela Justiça, é de R$ 3,79 milhões. A Justiça ordenou que o pagamento do valor deve ser feito até dezembro de 2024, em parcelas de R$ 73.708,41 por mês.

No TJ-RN, havia um pedido da prefeitura para que o bloqueio se limitasse a R$ 20 mil mensais, o que foi negado. Além de bloquear contas, a desembargadora determinou o pagamento retroativo das parcelas referentes aos meses de março e abril.

"Foram mais de R$ 200 mil só neste mês de agosto, não sobrou dinheiro para nada", disse o agora ex-secretário de Administração, Finanças e Planejamento Jobson Aron, exonerado junto com os outros secretários.

Decreto de calamidade

Por causa do bloqueio, um decreto de calamidade financeira foi assinado pelo prefeito. No texto, a prefeitura justifica a medida por "limitações financeiras" e "quebra da normalidade da execução orçamentária."

Na prática, o decreto vale até 31 de dezembro e não se trata de falência, como ocorre com empresas. O documento determina a suspensão de qualquer investimento e veda "a realização de quaisquer despesas que dependam de recursos próprios do município, salvo decorrente de ação judicial".

Segundo a CNM (Confederação Nacional dos Municípios), um decreto de calamidade financeira é apenas "um instrumento simbólico adotado por diversos gestores municipais para divulgar a gravidade da situação enfrentada".

Além do valor agora bloqueado, Jobson Aron afirmou que o município já arcava com outros pagamentos mensais: R$ 20 mil de parcela de um acordo com a Receita Federal, R$ 10 mil do precatório RPV [Requisição de Pequeno Valor] e R$ 3.800 de precatórios trabalhistas. "Esses valores foram se somando e chegaram a um valor que não há como manter", disse.

Segundo o ex-secretário, a soma de bloqueios tornou a cidade inviável, e a única solução para reverter a falência é uma readequação desses pagamentos. "Desde o dia 18 de julho, a prefeitura recorre no STJ [Superior Tribunal de Justiça] para suspensão dessa medida contra o município. Pedimos uma liminar, mas ainda não tivemos retorno", afirmou.

Corte de salário do prefeito e demissão de secretários

Para tentar estancar a sangria, Aron disse que há dois meses o prefeito cortou em 40% o seu salário e do vice (de R$ 15 mil para R$ 9.000) e em 30% o dos secretários (de R$ 3.500 para R$ 2.450).

Também houve corte de empregos. De 71 ocupantes de cargos comissionados, 52 foram exonerados, dentre eles, todos os secretários municipais, com exceção dos de saúde, assistência social e educação.

"Só essa economia somou R$ 80 mil, mas o problema não eram os comissionados", afirmou.

Ao todo, o município tem 305 servidores efetivos. Desses, os da saúde e da educação são os únicos que receberam salários. "No caso dos professores, entretanto, só deu para pagar 65% do valor. Os demais servidores estão sem salário até agora", disse Aron.

Município não tem receitas próprias

O ex-secretário disse que a cidade não tem arrecadação própria e que a principal receita vem do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que é repasse feito pelo governo federal.

"O valor bruto [do repasse] de agosto foi de R$ 680 mil, mas desse valor você tira 20% do Fundeb —que é descontado na fonte—, 15% da saúde e 1% do Pasep. Ficaram R$ 425 mil líquidos. Só a folha de pagamento ultrapassa isso", afirmou.

A reportagem do UOL tentou contato com o prefeito Júnior Marques por telefone, sem sucesso. O gestor também não respondeu ao pedido de entrevista feito por um aplicativo mensagens.

Em entrevista à Inter TV, o prefeito disse que buscou todo tipo de ajuda política e jurídica para evitar o que chama de "falência". "O que tinha a se recorrer, recorremos. Nosso procurador foi duas vezes a Brasília. Já se procurou a Justiça, o promotor da cidade, a força política, mas não teve jeito", declarou.

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