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Plano de nova Bolsa no Brasil pode deixar mais barato investir em ação?

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Imagem: Wikipedia

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

20/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Nova plataforma quer criar Bolsa eletrônica para atender corretoras e gestores de recursos
  • Empresa estuda entrar no mercado de negociação de ações, mas não agora
  • Pode haver redução de custos ao investidor, mas precisa ver se será eficiente para negociar

No Brasil, mercado acionário é sinônimo de uma Bolsa, a Bolsa brasileira B3. É nela que investidores locais e estrangeiros compram e vendem ações das empresas, além de outros ativos, como cotas de fundos, contratos de juros e de câmbio. É também o ambiente onde as companhias abrem capital e o governo realiza leilões de privatização. Mas essa realidade pode começar a mudar nos próximos 18 meses, com a entrada de concorrentes, começando por um projeto já em andamento.

Para o investidor, o surgimento de uma nova Bolsa não altera a rotina prática de aplicações. Para fazer negócios - compra e venda de ações e cotas de fundos, de contratos futuros de juros, câmbio etc -o aplicador continuará usando a intermediação de uma corretora.

Mas esse intermediário pode se beneficiar - ou ser afetado - se de fato uma nova Bolsa surgir. Isso porque a concorrência pode levar a uma redução das taxas. E isso sim pode ter consequências para o investidor final, se de fato houver redução de custos para as corretoras, e se esses descontos forem repassados aos clientes.

Planos da nova bolsa

A ATS Brasil, empresa controlada pela (ATG) Americas Tranding Group, fundada em 2010, é a candidata à nova Bolsa. O plano da companhia é criar um ambiente semelhante ao de uma Bolsa eletrônica, como a americana Nasdaq, onde investidores possam negociar ações e outros ativos em uma plataforma digital.

A dona da ATS Brasil, a ATG, já atua no mercado brasileiro. A companhia criou e opera uma rede de telecomunicações e de dados que está conectada às principais Bolsas do mundo. O negócio dessa empresa é oferecer essa plataforma às corretoras e administradores de recursos, que usam essa rede de comunicação para conectar seus clientes, através de uma única porta de entrada, aos mercados local e estrangeiros.

Disputa com B3

Como já tem uma rede de infraestrutura e o acesso às corretoras, a ATG decidiu criar sua própria Bolsa, para que as corretoras possam fechar negócios, fora do ambiente da Bolsa principal.

Mas para realizar essas transações diretamente, a nova Bolsa precisa ter acesso a alguns sistemas e dados que hoje pertencem à Bolsa brasileira B3 — como por exemplo, transferência da titularidade dos valores mobiliários.

Guardando as proporções, é uma situação semelhante à relação entre as novas empresas de Internet e telefonia que precisam usar a rede de fios e fibra ótica das tradicionais companhias de telecomunicações. E para isso, tiveram que pagar uma taxa para usar essa infraestrutura.

Nesse ponto, as negociações entre ATS Brasil e a B3 ficaram emperradas durante anos, desde 2017. Uma situação que foi parar no Cade. A candidata à nova Bolsa alegava que a B3 cobrou um preço elevado para o acesso aos sistemas, o que inviabilizaria o negócio.

O impasse teve desfecho apenas no fim do ano passado, com a definição do valor a ser cobrado pela B3 pela Tarifa de Transferência de Ativos (TTA).

Plano da ATS Brasil

Com a definição do preço a ser pago pela nova Bolsa (ou qualquer outra Bolsa) à B3 para o acesso à infraestrutura (o equivalente a R$ 0,026 a cada R$ 10 transacionados), a ATS Brasil disse que agora pode retomar o plano comercial.

Procurada, a companhia disse que ainda não tem condições de adiantar quais serão os primeiros negócios que serão realizados em sua plataforma porque muitos pontos ainda dependem de verificação dos órgãos reguladores do sistema financeiro, como CVM e Banco Central.

Mas a empresa destacou que a decisão do Cade abriu o mercado de Bolsas para novos participantes, o que vai favorecer a concorrência. "O Grupo ATG tem imensa satisfação de contribuir para o desenvolvimento do marcado de capitais no país. Os resultados obtidos pela empresa até o momento são um importante legado para o Brasil", disse a ATS Brasil em nota.

O UOL apurou que o caminho natural dessa nova Bolsa seria iniciar a operação oferecendo um ambiente digital de negociação para ativos que hoje ou não são negociados ou são muito pouco negociados na B3. Por exemplo, debêntures, ações de pequenas empresas ou cotas de fundos de investimento.

E só na medida em que o volume de transações for crescendo, a plataforma poderia ser usada para que as empresas maiores também possam usar a bolsa eletrônica para lanças novas ações e fazer a chamada listagem dos papéis..

O apelo da ATS Brasil para atrair negócios será a política de preço, com taxas menores que as praticadas pela B3, para serviços como manutenção de conta, de custódia, e as tarifas por negociação.

Concorrência e custos

Participantes de mercado têm opiniões divididas sobre o impacto que a ATS Brasil poderá ter para os negócios. Procuradas, por exemplo, as associações que representam respectivamente as corretoras (Ancord) e os investidores minoritários (Amec), preferiram não opinar sobre o tema.

Entre os profissionais de mercado, uma parte avalia que só o fato de haver alguma concorrência já é positivo porque isso pode levar a B3 a reduzir taxas hoje cobradas.

Quem defende esse ponto de vista acredita que a decisão da B3 de mudar a tarifação, anunciada no último dia 2 de janeiro, tem alguma relação com esse novo ambiente. Entre as mudanças anunciadas pela Bolsa, a taxa mensal de manutenção de conta, que chegava a cerca de R$ 110 ao ano, foi zerada, e a tarifa cobrada na negociação de ações na B3 também caiu cerca de 10% para as pessoas físicas em geral.

A B3 rebate e diz que a decisão nada teve a ver com a concorrência, mas com o projeto global da companhia, que sempre foi de repassar aos clientes os ganhos de escala à medida que o volume de transações vai crescendo. "O foco da B3 continua nos clientes, com a entrega de soluções eficientes com credibilidade e segurança e a preços adequados. Já há competição no mercado acionário brasileiro, de forma que investidores estrangeiros e muitos investidores institucionais locais podem estar expostos ao mercado acionário brasileiro por meio de plataformas estrangeiras", disse a B3 por meio de nota enviada à redação.

De fato, o número de investidores na Bolsa dobrou em 2019 e superou 1,5 milhão de pessoas.

Mas esse universo ainda representa muito pouco para uma população do país. E o dinheiro investido em ações ainda é menor até do que o saldo da poupança, dizem os profissionais de mercado que veem muito espaço para que uma nova Bolsa possa atrair mais negócios.

"Concorrência é sempre saudável porque quem sai ganhando é o consumidor", afirma o CEO da plataforma de investimentos Pi investimentos, do grupo Santander, Felipe Bottino. Segundo ele, existe uma tendência natural de mais pessoas procurarem a Bolsa para aplicar em ações como forma de diversificação dos investimentos. E nesse contexto, afirma ele, o mercado vai se desenvolver com o surgimento de novos concorrentes.

"Mas só serão bem-sucedidos com grande escala, tecnologia e eficiência", afirma o executivo da Pi Investimentos. Ou seja, de nada adianta uma nova Bolsa oferecer taxas mais baixas de negociação se ela não se transformar em um ambiente que tenha a chamada liquidez - um lugar com muitos participantes comprando e vendendo ativos.

Desafios: negócios e tecnologia

Os profissionais que duvidam da capacidade de uma nova Bolsa emplacar no Brasil lembram que a B3 já é resultado da união de várias Bolsas - a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros), a BVRJ (Bolsa de Valores do Rio de Janeiro) - além da Cetip. Um sinal de que o mercado não comporta muitas Bolsas, apontam.

Além disso, por concentrar muito capital, a B3 pode lançar produtos e reduzir tarifas sempre que se sentir ameaçada. Por isso, atrair negócios e negociantes será um grande desafio para qualquer nova Bolsa. Apenas nos últimos seis anos a companhia investiu R$ 1,8 bilhão em infraestrutura de tecnologia. Com receita líquida na casa de R$ 5 bilhões e lucro acima de R$ 2,5 bilhões, a Bolsa tem muito fôlego para seguir aportando capital.

"Há potencial de quebra do monopólio da B3, mas isso passa, inexoravelmente, pelo investimento em tecnologia e custo de clearing. Talvez, mais adiante, com a confiança do mercado, a ATG venha a desenvolver a parte de custódia e liquidação. Mas, outro caminhão de dinheiro será preciso. Só com os números e projeções afinadas é que se poderá verificar da viabilidade", afirma o sócio-diretor da Méthode Consultoria Empresarial e professor de Finanças da ESPM, Adriano Gomes.

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