Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

Idoso diabético, motorista de app: os dramas de quem teve os R$ 600 negados

Com problemas cardíacos, Artur Bogaz teve que parar de trabalhar - Arquivo Pessoal
Com problemas cardíacos, Artur Bogaz teve que parar de trabalhar Imagem: Arquivo Pessoal

Henrique Santiago

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/05/2020 04h00

Foi com espanto que Artur Bogaz, 28, recebeu a notícia de que não receberá o auxílio emergencial do governo federal durante a pandemia do coronavírus. O motorista de aplicativo pertence a uma das categorias de trabalhadores que tiveram o benefício vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ele decidiu ficar com a esposa na casa alugada em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, antes do início da quarentena em São Paulo, por ter cardiopatia congênita. A opção de não trabalhar, motivada pelo problema de saúde, tem afetado o orçamento familiar. Bogaz se cadastrou para receber o benefício e, com a negativa, tem como única fonte de renda o dinheiro emprestado por familiares para pagar despesas que ultrapassam R$ 2.000 mensais.

Se o desespero bater, conta que só tem uma saída: botar o carro na rua e se proteger ao máximo para não contrair a covid-19. "Esse auxílio iria reduzir quase pela metade os gastos em casa. Ia me tranquilizar e tranquilizar quem está me ajudando. Mas sei que vou ter que trabalhar mais após o fim da pandemia para cobrir esse valor e pagar meus parentes. Motorista de aplicativo ganha pouco, né", diz ele, que chegava a fazer mais de dez horas de corrida por dia no app.

O taxista Lenildo Guerreiro parou de trabalhar no início da quarentena em São Paulo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O taxista Lenildo Guerreiro parou de trabalhar no início da quarentena em São Paulo
Imagem: Arquivo pessoal

Taxista idoso e com diabetes

O veto de Jair Bolsonaro também atinge o taxista Lenildo Guerreiro, 61, que preferiu ficar em casa pela idade, diabetes e pressão alta. Além da preocupação com a própria saúde, a empresa para a qual presta serviço, uma corretora de seguros na região dos Jardins, permitiu o home office para os funcionários. Embora já seja idoso, ele não está aposentado e contribui mensalmente para o INSS, o que deveria facilitar o recebimento do auxílio emergencial, afirma.

Sem receber um centavo desde março, Guerreiro se sente mais confortável porque sua esposa tem ganho normalmente seu salário como professora da rede municipal. Entretanto, o casal, que vive em Itaquera, na capital paulista, tem calculado bem os gastos para não acumular dívidas ao fim de cada mês.

"O presidente Bolsonaro pede para os idosos ficarem em casa, logo seria mais um motivo para eu receber os R$ 600. Sinto que o governo pressiona a população porque, quanto mais tempo demora a pagar [o valor de R$ 600], mais as pessoas vão querer sair na rua para trabalhar. Me sinto abandonado pelo Estado", desabafa.

Ambulante na madrugada

Jonathan Ferreira, 28, trabalhava como porteiro até perder o emprego em 2018. Há mais de um ano, deixava a residência em Cangaíba, na capital paulista, para trabalhar como ambulante na Feira da Madrugada, no Brás, centro comercial movimentado de São Paulo. Agora, sem poder vender água, chocolate ou capa de celular, restou a ele torcer para que seu pai seja chamado para fazer reformas em apartamentos e o leve como ajudante de pedreiro.

O ambulante Jonathan Ferreira não poderá receber o benefício - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O ambulante Jonathan Ferreira não poderá receber o benefício
Imagem: Arquivo pessoal

Na pandemia do coronavírus, Ferreira utiliza o transporte público para chegar até o local de trabalho. "Foram três bicos em dois meses, o que dá nove dias. É pouco", diz ele. O aperto seria maior se ele não recebesse cesta básica de amigos porque o dinheiro da família tem sido utilizado basicamente para pagar contas de água, luz e internet. Ele teve o auxílio emergencial negado pelo governo, assim como o seu irmão, que é cabeleireiro.

A sensação é de impotência, segundo ele, por viver a crise de covid-19 juntamente com a impossibilidade de garantir ao menos R$ 2.500 com o trabalho informal. "Me sinto incapaz porque não posso pagar uma conta nem ajudar em casa. É um peso para o meu pai ter que sustentar toda a família. Eu não sei o que fazer."

Feirante com diabetes e pressão alta

A incerteza também confrontou a feirante Valdete Ribeiro, 57, sobre ir ou não às feiras. A morte de três colegas de profissão levantou um sinal de alerta para ela, que tem diabetes e pressão alta. A necessidade do trabalho falou mais alto. Porém ela reduziu sua jornada de trabalho apenas para sábados e domingos.

O casal de feirantes Valdete e Marinaldo Ribeiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O casal de feirantes Valdete e Marinaldo Ribeiro
Imagem: Arquivo pessoal

A tentativa de obter o auxílio emergencial na pandemia foi uma esperança perdida de contribuir principalmente com as despesas de duas filhas que estão desempregadas. A frustração ganha mais força ao ver que o movimento nas feiras caiu pela metade, como relata. Ainda que não tenha o prejuízo na ponta do papel, Ribeiro detalha que sobram frutas de um dia para o outro, algo que não acontecia antes da quarentena.

Se a clientela reduziu-se, isso não significa que sua rotina mudou. Seu dia de trabalho começa antes das 4h e só termina depois das 22h, quando finalmente chega em casa, na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo. Além das filhas, ela pensa também nos dez funcionários que dependem do trabalho em sua banca para sobreviver. "São todos trabalhadores com compromisso e que têm família para sustentar."

Ricardo Alvarenga, que trabalha como entregador por aplicativos, teve o auxílio negado - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ricardo Alvarenga, que trabalha como entregador por aplicativos, teve o auxílio negado
Imagem: Arquivo pessoal

Designer gráfico que virou motorista

O trabalho como designer gráfico deixou de ser a principal fonte de renda da família de Ricardo Alvarenga, 65, desde 2016. Há quatro anos, encontrou no transporte por aplicativos a saída para garantir ao menos a sobrevivência de sua família. Eram necessárias ao menos oito horas diárias para fechar o mês com R$ 2.000.

Ele e sua esposa estavam na expectativa de receber R$ 1.200, mas ambos se decepcionaram ao serem barrados pelo governo Bolsonaro. A ansiedade aumentou porque sua filha, também desempregada, e a neta pequena passaram a morar com ele em São José dos Campos (SP) desde o fim de março. Sem perspectiva de melhora, Alvarenga encontra amparo emocional e financeiro na sua família neste momento.

"Todos nós, me refiro à classe média, estamos desamparados de corpo e alma. Eu acho que perdi a esperança de ganhar esse benefício."