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Quem fica com bens da Telexfree: governo ou vítimas da suposta pirâmide?

Lucas Gabriel Marins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

30/06/2020 04h00

As vítimas da Telexfree, considerada pela Justiça uma pirâmide financeira, tentam reaver o dinheiro perdido no esquema faz quase uma década. No final de maio, no entanto, muitas delas começaram a se perguntar se um dia vão conseguir recuperar algo.

A dúvida surgiu porque vários sites divulgaram que o governo federal ficaria com o dinheiro bloqueado do esquema supostamente fraudulento, e que o mesmo poderia ocorrer em casos como o da Unick Forex, acusada de movimentar ilegalmente cerca de R$ 28 bilhões.

O UOL perguntou à Justiça Federal se o receio das vítimas tem fundamento e pediu para especialistas analisarem toda história. O caso é repleto de polêmicas.

Justiça sequestrou bens

As notícias foram baseadas em uma decisão do final de maio do juiz Vitor Berger Coelho, da 1ª Vara Federal Criminal Federal de Vitória (ES).

Na sentença, o magistrado condenou os donos da Telexfree (Carlos Costa e Carlos Wanzeler) a 12 anos e seis meses de prisão, em regime fechado, por crimes contra o sistema financeiro nacional. Além disso, determinou que móveis, valores e veículos dos responsáveis pelo esquema agora pertencem à União. O total confiscado foi de R$ 6,4 milhões.

A decisão foi de 1º instância e a defesa da Telexfree informou ao UOL que já recorreu. Além disso, a sentença envolve apenas as pessoas físicas responsáveis pelo suposto esquema fraudulento.

Na esfera cível, onde são discutidas as indenizações às vítimas, a Telexfree já foi condenada por prática de pirâmide financeira, e o caso foi transitado em julgado - ou seja, os advogados da pirâmide financeira não podem mais entrar com recursos.

Bens das vítimas não seriam sequestrados

Na esfera criminal, segundo o advogado Heitor Fidelis, é comum que uma sentença de privação de liberdade seja acompanhada do sequestro de bens.

Quer dizer que os bens ficarão com a União, então? De acordo com a Justiça Federal, não. Em nota, o órgão informou que a União só ficará com os bens que não pertençam a terceiros de "boa-fé", o que, nesse caso, seriam as vítimas do esquema.

Na sentença, a Justiça Federal determinou que o administrador judicial da falência da Telexfree, que foi determinada no final do ano passado, tenha "acesso aos autos e à relação de bens para especificar os bens de seu interesse". O prazo não foi especificado.

Dúvidas sobre quem são as reais vítimas

O papel de quem é "vítima" do esquema, citado pela Justiça Federal ao determinar o confisco dos bens levantou dúvidas.

O advogado Jorge Calazans disse à reportagem do UOL que, se a Lei Contra Crimes Financeiros (nº 7.492/85) for levada à risca, a verdadeira vítima das infrações cometidas pelos donos da Telexfee (na esfera federal criminal) seria o próprio sistema financeiro nacional (composto por instituições do mercado financeiro brasileiro).

Quando o caso vai para o âmbito federal, como o da Telexfree, entendo que os credores da empresa (investidores que perderam dinheiro) não são considerados vítimas e podem ficar sem ver esse dinheiro sim, pois a legislação é clara ao dizer que a vítima é o próprio sistema. É asupremacia do direito público sobre o privado.
Jorge Calazans

Ele disse que pirâmides financeiras podem ser enquadrados tanto como crimes contra o sistema financeiro nacional (julgados na Justiça Federal) quanto como crimes contra a economia popular (ficam na Justiça Estadual).

Toda essa mistura de competência vira um imbróglio jurídico e pode gerar até prescrições de crimes penais.
Jorge Calazans

Garantir o direito de quem investiu

Demetrius Barreto Teixeira, advogado e professor universitário, pensa diferente de Calazans. Segundo ele, que representa a Associação de Defesa dos Direitos dos Investidores da Unick Forex, apesar de a legislação penal entender o próprio sistema financeiro como vítima, o sistema é feito de agentes.

É evidente que o sistema financeiro é feito de agentes que aportam recursos nele. Além disso, muito embora se reconheça que haja a proteção do sistema como um todo, é preciso garantir o direito de quem investiu seu dinheiro, caso contrário o sistema perde confiança. Acredito, então, que as pessoas têm o direito legal de serem restituídas sim, mesmo havendo confisco de bens por parte da Justiça.
Demetrius Barreto Teixeira

Teixeira recomendou que as vítimas da Telexfree com ações na esfera cível peçam a penhora dos valores também na esfera criminal. "Isso é uma medida importante para garantir a recuperação dos valores, pois a Justiça cível já reconheceu o direito deles".

Para quem ainda não processou a empresa, ele recomenda procurar um advogado e entrar nas duas esferas.

Como anda o caso Telexfree na esfera cível?

Toda a discussão sobre o sequestro dos R$ 6,4 milhões da Telexfree ocorre na esfera criminal. Na esfera cível, a Telexfree está com todos os bens bloqueados (cerca de R$ 700 milhões, segundo advogados consultados) e foi condenada e julgada em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Acre.

Em 2017, o processo foi transitado em julgado. Desde então, todos os lesados puderam mover processos para reaver os valores. Quem ainda não entrou com ação, pode fazer isso de qualquer lugar do país. Basta contratar um advogado.

Em setembro do ano passado, a Justiça do Espírito Santo determinou a falência da Telexfree. Na época, foi divulgado que a pirâmide financeira deve R$ 2 bilhões para cerca de um milhão de pessoas.

"Hoje, com a falência, tudo que diz respeito às indenizações das vítimas do esquema deve ser feito dentro desse processo específico", disse o advogado Maurício Curto França, que tem 50 ações contra a Telexfree.

O processo de falência, no entanto, também está imerso em polêmicas.

Quem vai receber primeiro?

De acordo com França, a lei de falências (Lei nº 11.101/2005) estipula que quem tem prioridade para receber valores são os credores trabalhistas, seguidos dos credores com garantia real, da União e, por último, dos credores quirografários, que são as vítimas que perderam dinheiro. Como não há crédito trabalhista ou crédito com garantia real no processo de falência da Telexfree, a União será a primeira receber.

Só que a dívida da Telexfree com a União, segundo processo de falência compartilhado por França com o UOL, é de R$ 4 bilhões, maior do que o montante bloqueado até agora pela Justiça. A dívida é referente a impostos.

França disse que, no entendimento dele, as vítimas da pirâmide financeira não deveriam se submeter ao processo de falência, pois, quando a empresa foi condenada na ação civil pública, a Justiça reconheceu a dívida com os lesados pelo esquema.

Juiz decidirá prioridades

Segundo França, quem vai decidir a ordem de recebimento é o juiz do processo de falência. Na falência, ainda vai ser publicado o edital com a relação dos credores.

Depois dessa primeira publicação, abre-se um prazo para impugnação. Depois da primeira impugnação, sai uma segunda lista de credores e um novo prazo de impugnação. Só depois disso tudo o juiz decide a ordem de recebimento. Não há data para tudo isso, disse ele. Também não há garantia de que todos vão receber.

A administradora da falência da Telexfree é a empresa Laspro Consultores. Para consultar o andamento do processo, lista de credores e créditos a receber, basta entrar neste site.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que era informado pelo texto, a lei de falências estipula que quem tem prioridade para receber os valores são os credores trabalhistas, e não a União. A informação foi corrigida.

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