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Regra que promete empregos custou R$ 113 bi para Previdência. Vale a pena?

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

08/11/2020 04h00

O Congresso Nacional prorrogou até o fim de 2021 a lei que autoriza empresários de 17 setores a substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento por um recolhimento que varia de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Esse benefício fiscal é conhecido como desoneração da folha de pagamento.

Entre 2012 e 2019, o governo deixou de arrecadar R$ 113,6 bilhões com o benefício fiscal. Para 2020, a estimativa é de uma renúncia de R$ 10,5 bilhões e, para 2021, a projeção é de R$ 10,5 bilhões.

Mas essa medida é boa para o país? Ela garantiu crescimento econômico e geração de emprego no período? E como ficam as contas da Previdência Social? O UOL ouviu especialistas para explicar todos esses pontos.

A desoneração da folha é boa para o país?

O economista José Márcio Camargo, professor de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e economista-chefe da Genial Investimentos, declarou o benefício fiscal foi concedido aos empresários no Brasil para estimular a criação de empregos.

"No Brasil, a desoneração da folha de pagamento foi adotada a partir de 2012, no governo Dilma Rousseff. Naquele momento, o Brasil tinha uma taxa de desemprego baixa. Com isso, houve um aumento médio dos salários dos trabalhadores, diante da escassez de mão obra qualificada, e uma pressão inflacionária. Além disso, os recursos que sobraram no caixa das empresas se transformaram em lucro. Isso ficou demonstrado por diversos estudos feitos pela academia e pelo próprio governo"
José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ

Existem experiências semelhantes em outros países?

"Esse modelo de benefício fiscal produziu efeitos distintos em países da América Latina que ofereceram o benefício fiscal aos empresários. No Chile, a desoneração resultou no aumento do salário médio dos trabalhadores porque a taxa de desemprego era baixa. Sem oferta de mão de obra para contratar, os empregados tinham maior poder de barganha com os patrões. Na Colômbia, a renúncia fiscal levou ao aumento do nível de contratações, porque a taxa de desemprego era alta"
José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ

E qual é o efeito do benefício fiscal para o caixa da Previdência Social?

"Ao conceder o benefício fiscal, o governo abre mão de receita. Na prática, ele precisa reduzir os gastos em outros setores para evitar aumento do rombo fiscal ou precisa emitir mais dívida para pagar essa conta. A desoneração foi prorrogada para 17 setores que serão os únicos beneficiados. Na prática, isso vai exigir um aumento do endividamento público. A sociedade como um todo está pagando para os 17 setores. No final das contas a medida é negativa porque você está socializando esse custo",
José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ

Que setores são beneficiados com a renúncia e o que dizem os empresários?

Entre os setores beneficiados pela proposta estão de serviços de tecnologia, de calçados, de máquinas, call center e comunicação, têxtil, a construção civil e companhias que atuam no transporte rodoviário coletivo de passageiros. Empresários desses setores, que estimam empregar 6 milhões de trabalhadores, afirmam que não suportariam esse aumento de custo em 2021, diante da crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus. Segundo eles, 1 milhão de pessoas poderiam perder os empregos com o fim da desoneração.

Que política econômica e fiscal poderia ser adotada para substituir a desoneração?

O economista José Luis Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), afirmou que em 2012, durante o debate sobre que medidas seriam adotadas pelo governo para estimular a contratação de trabalhadores, as duas opções debatidas eram a desoneração da folha e o aumento do investimento público.

"As desonerações começaram no governo Dilma Rousseff, com a tentativa de estimular a economia com geração de emprego. Não deu certo. O crescimento foi pequeno. Teve um repique de crescimento em 2013, mas não deu gás para a economia crescer. Ao invés de fazer desoneração de impostos, o governo deveria ter aumentado o investimento público. O programa foi mal desenhado. Basicamente aumentou o lucro dos empresários, que não investiram mais e não contrataram"
José Luis Oreiro, professor do UnB

Como o aumento do investimento público estimularia a economia?

"O aumento de investimento público teria efeitos no nível de atividade, na geração de empregos e implicaria aumento de arrecadação. Com desoneração, o empresário mantém apenas a margem de lucro. Ele não vai vender mais e ter aumento de receita, que se transformaria em mais lucro. Os empresários brasileiros são limitados. Eles acham que pagando menos impostos terão mais lucro. O problema é que ele só vai ganhar mais se as vendas não caírem. Os empresários brasileiros não pensam em nível sistêmico. Só no próprio umbigo"
José Luis Oreiro, professor do UnB

O que diz o autor da proposta que prorrogou a desoneração?

A proposta de prorrogar até o fim de 2021 o benefício fiscal para 17 setores da economia foi incluída pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) no relatório da MP (Medida Provisória) 936. Segundo ele, a prorrogação do benefício foi concedida para manter os trabalhadores desses setores empregados, diante dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Silva afirmou que em alguns setores, como o de tecnologia, há possiblidade de aumento de contratações.

"O Brasil precisa rever seu sistema de tributação. É errado tributar a produção e tributar o emprego. Seria mais adequado tributar a renda. Em 2018, relatei a proposta que reduziu de 56 para 17 o número de setores que poderiam receber o benefício fiscal. Alguns setores tinham o benefício sem nenhuma justificativa. O primeiro filtro foi conceder o benefício para setores que são grandes empregadores. O segundo critério foi o de setores com grande concorrência de produtos importados, como o de calçados e o têxtil. O terceiro foram os setores estratégicos, como de tecnologia. E o quarto foi o de setores que podem sofrer com a inflação, como o de carnes e o de transporte urbano"
Orlando Silva, deputado federal

A medida não é ruim para as contas da Previdência Social?

"A contribuição patronal continua a existir. Ela deixa de ser sobre a folha de salários e passa a ser sobre o faturamento. Há uma mudança de base de cálculo, com estímulo a manutenção do emprego. Seguramente, se a contribuição voltar a incidir sobre a folha de pagamento teremos demissões. Isso leva a uma queda maior da arrecadação e uma segunda despesa é criada, com o pagamento do seguro-desemprego. Manter esses trabalhadores empregados é bom para a economia do país e há um ganho social"
Orlando Silva, deputado federal

O que defende o governo?

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é contrário à renúncia fiscal apenas para 17 setores, diz que a medida precisa ser ampla e para todos os segmentos da economia. Além disso, Guedes é favorável a criação de um imposto digital, nos moldes da extinta CPMF, para compensar a perda de arrecadação com a desoneração.