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Conta de luz vai subir ou cair com a privatização da Eletrobras?

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

20/05/2021 17h02

A Câmara dos Deputados aprovou ontem a MP (Medida Provisória) 1.031/2021, que autoriza a privatização da Eletrobras, holding gigante do setor elétrico. O texto ainda precisa ser votado pelo Senado.

Caso a empresa de fato seja vendida, qual será o impacto para os consumidores? A conta de luz vai cair ou vai subir? Veja o que dizem especialistas ouvidos pelo UOL.

Descontos para as famílias

Por um lado, a MP direciona parte dos recursos que serão arrecadados pelo governo com a renovação de concessões de energia no país para baratear a conta de luz das famílias e de pequenos empresários.

Também prevê descontos nas contas com o uso dos recursos obtidos pela usina de Itaipu na venda de energia excedente, a partir de 2023.

Segundo especialistas, ainda não é possível calcular o resultado entre os descontos nas contas para as famílias e o aumento de custos decorrentes da geração de energia mais cara.

Ampliação das usinas térmicas, mais caras

Por outro lado, a proposta também prevê a construção de usinas termelétricas a gás, que produzem energia mais cara e funcionarão ininterruptamente.

Atualmente, as termelétricas são ligadas apenas em períodos de seca, quando os reservatórios de água das usinas hidrelétricas estão baixos e a geração de energia por elas cai.

Para não ter de arcar com esses custos mais altos sozinho, o governo criou o sistema de bandeiras tarifárias, uma cobrança extra na conta de luz para bancar as termelétricas. Ele começou a valer em janeiro de 2015. As bandeiras vão de verde (sem taxa extra) a vermelha patamar 2 (taxa extra de R$ 6,24 a cada 100 quilowatts hora consumidos). Neste mês, está em vigor a bandeira vermelha 1 (que acrescenta R$ 4,16 a cada 100 quilowatts hora consumidos).

As bandeiras são pagas pelos consumidores das distribuidoras de energia, ou seja, famílias e pequenas empresas. Grandes consumidores, como indústrias, compram energia diretamente das geradoras ou comercializadoras.

Outro ponto que pode encarecer a energia está relacionado à construção dos gasodutos que abastecerão as termelétricas. A MP determina que as usinas termelétricas sejam construídas no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, em locais que não possuem rede de abastecimento de gás natural. A norma não diz quem construirá esses gasodutos nem quem pagará a conta.

'Todos passarão a dividir a conta'

O economista Adriano Pires, analista do setor de energia e diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), declarou que a construção de termelétricas que funcionam ininterruptamente é importante para que o preço da energia varie menos ao longo do tempo, sobretudo em períodos de seca.

Entre 2013 e 2020, a tarifa de energia teve aumento real (descontando a inflação) de 8%, segundo ele. Se a geração de energia elétrica no Brasil fosse menos dependente de hidrelétricas, com mais termelétricas a gás funcionando ininterruptamente, a alta teria sido menor, 2%, diz Pires.

O custo de acionamento das térmicas no Brasil atualmente é pago somente pelo consumidor cativo [famílias e pequenas empresas]. Com a MP, todos os consumidores passarão a dividir essa conta. E o consumidor cativo ainda terá desconto na conta de luz, com os repasses de recursos que o governo fará para baratear a tarifa.
Adriano Pires, analista do setor de energia

'Tendência é termos energia mais cara'

O ex-presidente da Eletrobras Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirmou que "se o projeto não for alterado no Senado, a tendência é termos uma energia mais cara", por causa da ampliação das térmicas.

Falou também que a conta de luz deve subir porque as empresas privadas buscam dar lucro aos acionistas.

Basta fazermos uma retrospectiva das privatizações de distribuidoras de energia feitas no governo FHC [Fernando Henrique Cardoso]. A tarifa de energia aumentou muito no Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo. O papel da empresa privada é maximizar o lucro para os acionistas. E o governo, que é favorável à privatização, não impede esse movimento de alta de preços
Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras

Rosa lembrou que as usinas termelétricas são mais danosas ao meio ambiente do que as hidrelétricas, porque queimam combustíveis fósseis e liberam gases do efeito estufa na atmosfera.

Investimentos em fontes alternativas de energia dependem de um planejamento energético, que também está relacionado aos objetivos e políticas do governo para o meio ambiente. O planejamento energético foi abandonado no Brasil.
Luiz Pinguelli Rosa, professor da UFRJ e ex-presidente da Eletrobras

Para ele, a privatização da Eletrobras não é necessária e a decisão é ideológica, baseada no entendimento de que o Estado não deve ser dono de empresas e não deve intervir na economia.

'Capacidade de investimentos vai aumentar'

A economista Joisa Dutra, ex-diretora da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e diretora do Ceri (Centro de Regulação em Infraestrutura), da FGV (Fundação Getulio Vargas), declarou que a privatização da Eletrobras é importante para continuar o processo de melhoria na governança da empresa.

A companhia tem enorme capacidade de gerar valor para a sociedade, se for bem gerida. A capitalização [modelo de privatização previsto na MP] preserva os ganhos de governança dos últimos anos e aumenta a capacidade de investimentos da empresa.
Joisa Dutra, economista e ex-diretora da Aneel

Dutra afirmou que não vê relação entre a privatização da empresa e eventual aumento na conta de luz. Segundo ela, a proposta em debate no Congresso prevê mais investimentos para geração de energia, o que não leva ao aumento da tarifa.

O processo de capitalização, afirmou, precisa ser transparente, assim como todos os investimentos que serão realizados pela empresa.