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Cortar impostos de empresas é bom para a economia? Estudos não dão certeza

Giulia Fontes

Do UOL, em São Paulo

13/08/2021 04h00

A redução de impostos para empresas na reforma do IR (Imposto de Renda) vem sendo defendida pelo relator da proposta, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), como uma forma de estimular a economia do país. O raciocínio é de que, pagando menos tributos, as companhias teriam mais dinheiro para fazer investimentos, o que movimentaria a economia.

Ao longo do tempo, porém, estudos acadêmicos realizados no mundo todo têm apresentado conclusões contraditórias: alguns afirmam que a redução de impostos para empresas de fato impulsiona o crescimento, enquanto outros não encontram efeitos ou até identificam impactos negativos. Uma pesquisa recente, que considera evidências coletadas em 42 estudos anteriores, aponta que a redução de impostos para empresas não surte efeitos sobre o crescimento econômico.

Sem impacto relevante

A conclusão está no artigo produzido por Sebastian Gechert e Philipp Heimberger, pesquisadores da Universidade de Bamberg, na Alemanha, e do Vienna Institute for International Economic Studies, da Áustria, respectivamente.

Publicado em 2021, o estudo conclui que "mudanças em impostos para empresas não têm impacto econômica ou estatisticamente relevante sobre o crescimento econômico".

Segundo os pesquisadores, considerando o horizonte de curto prazo, cortar impostos de empresas pode até mesmo ser prejudicial ao crescimento. Eles afirmam que o resultado não parece mudar se considerarmos países que integram ou não a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A entidade reúne as nações mais ricas.

O artigo afirma ainda que outros fatores influenciam no efeito da carga de impostos sobre o crescimento. Por exemplo, se houver aumento de tributos e o governo utilizar a arrecadação extra para gastos que estimulem a atividade econômica, o resultado pode ser mais crescimento.

Redução de impostos pode virar lucro

Bernard Appy, economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, afirma que o efeito final da redução de impostos sobre empresas pode variar ao longo do tempo.

Segundo ele, há três impactos principais possíveis:

  • Redução no preço dos produtos
  • Aumento do salário de funcionários
  • Aumento no lucro dos acionistas

Na reforma em tramitação no Congresso, a proposta é reduzir a carga sobre empresas e, em contrapartida, tributar dividendos, que são distribuídos a pessoas físicas (veja mais abaixo).

No caso dos dividendos, um estudo (veja original em inglês) realizado pelos pesquisadores Charles Boissel, da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris, e Adrien Matray, da Universidade de Princeton (EUA), por exemplo, mostra que o aumento na tributação implementado na França fez com que as empresas repassassem menos dinheiro aos acionistas e investissem mais. Segundo o artigo, cada euro que não foi distribuído em dividendos resultou em mais 0,2 euro de investimento.

No cenário dos EUA, uma pesquisa de Danny Yagan (original em inglês), da Universidade da Califórnia, apontou que a redução na tributação de dividendos, ocorrida em 2003, não teve impactos nos investimentos realizados por empresas nem na remuneração de empregados.

Esse efeito [do corte ou aumento de tributos] pode variar de setor para setor e também em função das decisões das empresas. Uma empresa que tem aumento da liquidez pode, ao invés de investir mais, simplesmente recomprar suas próprias ações para valorizá-las.
Bernard Appy

Discussão além da alíquota

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), diz que o aumento de impostos sobre empresas foi uma tendência mundial no século 20, para a construção dos chamados estados de bem-estar (com uma grande rede de proteção social).

Segundo ele, gradativamente houve a defesa de redução dos impostos, para estimular os investimentos e a produtividade dos trabalhadores.

O que se viu 40 anos depois é que isso [a diminuição de impostos] gerou muito mais desigualdade do que crescimento. (...) Os fatores que determinam os investimentos não são necessariamente vinculados à questão tributária, ainda que ela seja importante em algum nível. Hoje, a discussão não é mais somente do nível da alíquota, mas como estruturar um sistema tributário que seja mais pró-investimento.
Manoel Pires

O que está na reforma do IR

No último relatório apresentado para o projeto de reforma tributária, o relator Celso Sabino propõe que a alíquota do IR de empresas caia dos atuais 15% para 6,5% em 2022. O texto ainda diminui em até 1,5 ponto percentual a alíquota da CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido), outro tributo pago por empresas e bancos.

De outro lado, o projeto institui a cobrança de uma alíquota de 20% sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a pessoas físicas. Hoje, os dividendos são isentos.

Estímulo ao crescimento não deve ser pressuposto

Para Manoel Pires, o documento do relator propõe uma redução "quase irrestrita" do imposto cobrado de empresas -e nada garante que essa renúncia de receitas vá se transformar em investimentos.

"Eventualmente uma ou outra empresa vai querer investir, mas para a maioria esse não é necessariamente o caso", afirma.

Segundo Bernard Appy, o caso brasileiro tem ainda mais complexidades, e é temerário que a discussão seja pautada em um suposto efeito positivo no crescimento econômico.

Não sou contra reduzir a alíquota das empresas, mas acho que não se deve partir desse pressuposto [de que menos imposto leva a mais investimentos], nem tomar decisões em cima dessa ideia.
Bernard Appy

A previsão é de que a proposta de reforma do IR seja votada pela Câmara dos Deputados na terça-feira (17).

O UOL pediu um comentário do deputado Celso Sabino sobre as críticas, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.