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Míriam Leitão: Guedes é visto com 'desprezo' e é 'tolerado' pelo mercado

Colaboração para o UOL, no Rio

19/11/2021 11h16Atualizada em 19/11/2021 14h57

A jornalista Míriam Leitão foi a convidada do UOL Entrevista de hoje, comandado por Fabíola Cidral e que também teve a presença dos colunistas do UOL Carla Araújo e Josias de Souza. Ao falar sobre o recém-lançado "A Democracia na Armadilha - Crônicas do Desgoverno", livro que reúne textos seus publicados de abril de 2016 a julho de 2021, Míriam comentou sobre a atual situação política, econômica e social do país.

Especialista em economia, a jornalista fez críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio à inflação alta e baixo crescimento do país. De acordo com ela, não há o que Guedes possa fazer dentro do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para "resgatar sua credibilidade" diante do mercado financeiro.

"Hoje, o Paulo Guedes é visto com desprezo. Ele é tolerado. Eles botam ali, fazem uma encenação, mas no fundo todos estão falando muito mal do Paulo Guedes", disse Míriam.

A jornalista afirmou que nunca acreditou no viés liberal com o qual Bolsonaro se elegeu em 2018. Para ela, o próprio mercado se "autoenganou" ao apostar no então deputado federal como representante do setor nas eleições passadas.

Desde o começo alertei que não haveria um projeto liberal... um presidente intervencionista não faz um governo liberal, simples assim
Míriam Leitão

Erros do país

Ao falar sobre a chegada de Bolsonaro à Presidência, Míriam diz que o país "errou muito". Ela afirma que o atual chefe do Executivo federal flerta com o retrocesso, em especial com a ditadura militar.

"Para você colocar na presidência um governo que é um pacto com o passado é porque o país errou muito, e a gente vai entender no futuro", afirmou a jornalista.

Míriam acredita que o "tempo irá dizer o quão absurdo [é] tudo o que estamos vivendo" no governo Bolsonaro. Ela destaca o papel da imprensa para que a sociedade não se acostume com a "sucessão de absurdos" diários vistos no país.

São tantos os fatos, os momentos, as palavras horríveis, os comportamentos errados do presidente na pandemia, e fora as questões da pandemia, que só no futuro a gente vai entender a dimensão
Miriam Leitão

'Deveria ter sido cassado'

Míriam diz que Bolsonaro deveria ter sido cassado após o voto que deu no impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Na ocasião, o então deputado federal dedicou seu voto pela derrubada da petista a Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-coronel do Exército condenado pela Justiça brasileira pelo crime de tortura durante a ditadura militar.

"Ele deveria ter sido cassado. É crime você exaltar a tortura, exaltar um crime e um criminoso. E ele fez isso", disse Míriam.

Para a jornalista, a defesa pública de Bolsonaro a Ustra, há cinco anos, representou um rompimento do pacto democrático feito pelo país com a promulgação da Constituição de 1988. Ela classifica o momento como de "fratura exposta" da sociedade brasileira.

Nesse momento fica claro que tudo aquilo que a gente tinha feito para se afastar da ditadura, para construir um consenso, uma Constituição, estabelecer que esse é um crime imprescritível, construir um caminho civilizatória... aquele momento, aquela pessoa representou a fratura mais exposta entre o que milhões de brasileiros pensavam e o que precisava pensar de futuro
Míriam Leitão

Ex-bolsonaristas

Míriam também vê muitos dos cerca de 56 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro em 2018 não se sentirem mais representados por ele. Para ela, mesmo quem continua apoiando o presidente "sente uma estranheza em relação ao governo".

"Esse momento tão doloroso que a gente está passando ainda talvez nos aproxime mais da política, como ela deve ser feita. Da gente tomar a decisão de votar em alguém, em cada nível administrativo ou de representação, que leve mais nossos valores e não a melhor propaganda", afirmou Míriam.

Sobre políticos que se arrependeram do voto em Bolsonaro, a jornalista defende a mudança de posicionamento das pessoas. Ela, no entanto, destaca a importância do apoio político a projetos que não proponham a ruptura democrática do país.

Os políticos estão fazendo um novo movimento diante das circunstâncias, diante do grau a que esse governo os levou, e os respeito também. Faça um movimento de se reposicionar nesse quadro político brasileiro, que está num momento de decisão muito aguda, dramática, decisiva
Míriam Leitão

Ataques

Ao falar sobre os ataques que sofre pelo trabalho como jornalista, Míriam fala na existência de uma "máquina de ódio" direcionada não só a ela, mas também a outros críticos de Bolsonaro. Ela defende a necessidade de "neutralizar" esses ataques, dizendo que virtualmente eles são feitos em sua grande maioria por robôs.

"Existir dentro do Palácio do Planalto um gabinete com pessoas pagas pelo nosso dinheiro cuja função é destilar ódio e mentiras, é absolutamente intolerável. Isso chega num nível, numa proporção acima do que é imaginado", disse a jornalista.

Míriam afirma ainda não poder haver uma comparação simples entre críticas sofridas pelos jornalistas nos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB), petistas e agora no de Bolsonaro. Ao dizer que é atacada tanto por defensores do PT quanto por bolsonaristas, ela faz uma distinção ente as duas correntes políticas.

A gente não pode fazer uma equivalência... o PT fez várias coisas das quais discordo, mas ele respeitou o jogo democrático. O Bolsonaro sempre fez apologia da ditadura e da tortura. Há violência maior agora
Míriam Leitão