Sob críticas, PEC dos Precatórios será discutida em comissão do Senado hoje
Fabrício de Castro
Do UOL, em Brasília
24/11/2021 04h00
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios será discutida nesta quarta-feira (24) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. A proposta adia e parcela o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça (precatórios) para destinar verba ao Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família).
Senadores governistas lutam para manter as linhas gerais do texto aprovado na Câmara, mas alguns parlamentares apresentaram sugestões que alteram totalmente a proposta. A reunião da CCJ está marcada para as 9h30.
Medidas positivas em ano de eleição
Pelos cálculos mais recentes do Tesouro Nacional, se o texto da Câmara for aprovado sem alterações, o espaço aberto para gastos em 2022 será de R$ 106,1 bilhões. Mas o próprio relator da matéria, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), já indicou que a PEC deve ter mudanças, para que o governo garanta os votos necessários no Senado.
Nas discussões sobre a PEC estão em jogo não apenas o financiamento do Auxílio Brasil, o programa social que substituiu o Bolsa Família, mas também a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) promover aumentos salariais para servidores federais em 2022, ano em que tenta a reeleição.
Entre os congressistas, um dos focos é a possibilidade de a PEC dos precatórios abrir espaço para o pagamento de quantias maiores por meio das emendas de relator — que fazem parte do chamado "orçamento secreto", alvo de críticas de outros Poderes. Essas emendas têm sido utilizadas pelo governo para conseguir apoio do Congresso em votações de seu interesse.
O que a PEC dos precatórios vai mudar?
O texto aprovado na Câmara traz duas mudanças principais. Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos R$ 89 bilhões em precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos atualizados do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 43,8 bilhões para o orçamento do ano que vem.
Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.
Em segundo lugar, a PEC muda o teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação.
O texto prevê que o limite seja determinado não mais pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas pela taxa apurada nos 12 meses até dezembro do ano anterior.
Com esta mudança técnica, haverá uma folga adicional de R$ 62,2 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro. Na prática, a mudança é vista como permissão para furar o teto.
O que o governo quer fazer com o dinheiro?
Com a PEC dos precatórios, o governo de Jair Bolsonaro tenta abrir espaço para uma série de gastos em 2022, ano de campanha eleitoral. O principal objetivo declarado é o financiamento do Auxílio Brasil. O governo quer pagar R$ 400 por mês a cerca de 17 milhões de brasileiros durante o ano de 2022.
Além disso, Bolsonaro revelou a intenção de utilizar parte dos recursos adicionais no Orçamento para reajustar os salários dos servidores públicos. Há ainda a promessa de pagamento de um auxílio, também de R$ 400, a cerca de 750 mil caminhoneiros durante o ano de 2022, para compensar o aumento do diesel.
Outra despesa que pode ser paga a partir da folga trazida pela PEC dos precatórios é a da ampliação do prazo de desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia. Isso significa que as empresas dessas áreas vão continuar pagando menos contribuições sobre seus funcionários. Uma proposta para manter a desoneração até 2023 está em discussão no Senado.
A PEC dos precatórios, na visão de parte dos parlamentares, também poderia abrir espaço para mais gastos via emendas de relator em 2022, ano em que muitos deles também tentarão se reeleger.
Haverá dinheiro para todas as despesas?
Considerando os cálculos do Tesouro, apesar de abrir espaço de R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022, a PEC dos Precatórios, na versão aprovada na Câmara, não será suficiente para bancar todas as promessas de Bolsonaro.
Pela legislação, sempre que há aumento do espaço para gastos, há também reajuste automático dos limites para despesas específicas. Nesse grupo, estão os gastos sociais (benefícios previdenciários, Benefício de Prestação Continuada, abono salarial e seguro-desemprego), as emendas impositivas e as despesas com saúde e educação, entre outras.
Estes reajustes automáticos, conforme o Tesouro, vão consumir R$ 48,6 bilhões do total de R$ 106,1 bilhões.
Da sobra de R$ 57,5 bilhões, seriam usados R$ 51,1 bilhões para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400 durante o ano de 2022. Outros R$ 5,3 bilhões financiariam a prorrogação da desoneração da folha, conforme os números do Tesouro.
Deste modo, restariam apenas R$ 1,1 bilhão sem destinação específica —um valor muito baixo para bancar promessas como o aumento do funcionalismo ou o auxílio para caminhoneiros.
Números discrepantes
Os cálculos do Tesouro sobre o impacto da PEC dos Precatórios, atualizados na segunda-feira (22), destoam de estimativas de fora do governo.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, em estudo divulgado na semana passada, calculou um espaço fiscal de R$ 93 bilhões com a PEC dos precatórios. Com esses recursos, conforme a IFI, seria possível reajustar os limites das despesas específicas e bancar a desoneração da folha, o auxílio para caminhoneiros e o Auxílio Brasil, entre outros gastos.
Ainda assim, conforme a instituição, sobrariam R$ 24,5 bilhões —dinheiro que poderia ser usado no reajuste dos servidores e no pagamento de emendas de relator.
A IFI e o próprio governo estimam que para cada 1 ponto percentual de alta no salário dos servidores federais o custo no Orçamento seria de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões.
Propostas alternativas
O receio de que a sobra de verba possa ser usada pelo governo para o pagamento de emendas de relator e outras iniciativas eleitoreiras levou alguns senadores a sugerirem mudanças na PEC.
A principal proposta alternativa vem dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), José Aníbal (PSDB-SP) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Por ela, o teto de gastos é rompido apenas em 2022, e não nos demais anos, como quer o governo. Além disso, não haveria o adiamento no pagamento de precatórios.
A proposta prevê que os R$ 89 bilhões em precatórios a serem pagos pelo governo em 2022 ficariam fora do teto. Seria um ano excepcional. Do espaço aberto dentro do teto, R$ 64 bilhões seriam usados para financiar o Auxílio Brasil.
Os R$ 25 bilhões restantes iriam para o pagamento de benefícios da Seguridade Social —e não para reajuste de salários de servidores ou para emendas parlamentares, por exemplo. Na prática, a proposta fecha as portas para gastos considerados eleitoreiros.
Corrida pelo Auxílio Brasil
Até o momento, foram apresentadas na CCJ do Senado 23 emendas (propostas de mudanças no texto da PEC). O próprio governo vinha negociando alterações na PEC, para elevar sua aceitação no Senado.
Entre as possíveis mudanças, estariam a previsão de tornar permanente o pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil, para além de 2022, e a garantia de que os recursos seriam usados apenas em programas sociais e gastos obrigatórios.
De acordo com o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), seu relatório sobre a PEC será lido nesta quarta-feira, na abertura da sessão da CCJ. A votação da proposta, já com as alterações negociadas com os parlamentares, ocorreria na quinta-feira (25) ou na terça-feira seguinte (30).
Depois de passar pela comissão, a PEC ainda será votada no plenário.
Caso o texto seja aprovado com alterações no Senado, ele precisará voltar para a Câmara, para nova votação.
O governo corre contra o tempo para aprovar as mudanças. O objetivo é iniciar o pagamento de R$ 400 do Auxílio Brasil em janeiro do próximo ano.