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Projeto prevê imposto zero para mineração de bitcoin; isso é necessário?

Proposta que regulamenta mercado está em análise no Senado Imagem: WorldSpectrum/ Pixabay

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

19/01/2022 04h00

Um projeto de lei que está em análise no Senado prevê que empresas possam comprar máquinas e softwares para mineração de criptomoedas, como bitcoin e ethereum, sem pagar impostos. O benefício, que estaria disponível até o fim de 2029, prevê alíquota zero para diversos tributos, desde que a atividade de mineração utilize energia de fontes renováveis. Mas qual a utilidade disso para o Brasil?

Para profissionais da área, a isenção pode contribuir para que o país se torne um centro global de mineração. Há analista que vê possibilidade de geração de emprego, mas alerta para o risco de ativos virtuais concorrerem com os instrumentos tradicionais de troca, como o real.

A isenção faz parte de projeto de lei atualmente em tramitação da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado. Relatado pelo senador Irajá (PSD-TO), o projeto busca regulamentar o mercado de ativos virtuais no Brasil.

A expectativa do senador é de que o projeto seja aprovado na CAE já em fevereiro, após a volta dos parlamentares do recesso legislativo. Depois disso, ele precisará ainda passar pelo plenário do Senado e, na sequência, pela Câmara, antes de ir para sanção do presidente Jair Bolsonaro. No mercado, há expectativa de que isso ocorra ainda no primeiro semestre.

Os ativos virtuais são aqueles que podem ser negociados ou transferidos por meios eletrônicos, além de utilizados para pagamentos e investimentos. Entre eles, estão criptomoedas como bitcoin e ethereum, que usam a tecnologia de blockchain e criptografia nas transações.

Apesar de as criptomoedas serem negociadas em dezenas de países, seu mercado não possui regulamentação no Brasil. Na prática, corretoras que negociam essas moedas não são reguladas por nenhum órgão público nem seguem regras específicas, o que o projeto busca corrigir.

Incentivo para mineração de moedas

A mineração está ligada à emissão das moedas virtuais.

No caso de moedas tradicionais, como o real brasileiro, a emissão é feita pelo Banco Central, conforme as necessidades do país.

Já moedas virtuais como o bitcoin são programadas para ter um limite de emissão. Elas são emitidas à medida que programadores decifram blocos de códigos lançados na internet. Este é o processo de mineração, que exige a utilização de computadores e softwares que trabalhem nos códigos.

Quem realiza a mineração —que exige tempo e gasto de energia— recebe a moeda virtual como prêmio. É como a antiga mineração do ouro, mas em meio virtual.

No projeto que está na CAE, há a previsão de que empresas que trabalhem com processamento, mineração e preservação de ativos virtuais poderão comprar máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software), até o fim de 2029, com alíquota zero nos seguintes tributos:

No caso de importação de equipamentos

  • PIS (Programa de Integração Social)
  • Cofins Importação (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Importação)
  • IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)
  • Imposto de Importação

Para compra no mercado nacional

  • PIS
  • Cofins
  • IPI

O benefício estará disponível para empresas que utilizarem 100% da necessidade de energia elétrica de fontes renováveis. Conforme a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, são consideradas fontes renováveis de energia a hídrica, a solar, a eólica, a biomassa, a geotérmica e a oceânica.

No Brasil, 65,2% da energia elétrica é gerada a partir de hidrelétricas, conforme dados da EPE relativos a 2020. Portanto, a maior parte da energia disponível já é renovável.

Energia tem alto custo

Em seu parecer inicial, o senador Irajá citou o alto custo de energia nas atividades de mineração de moedas virtuais —algo que, segundo profissionais do mercado, tem afastado empreendimentos do Brasil. Assim, a isenção de tributos na compra de equipamentos seria uma forma de estimular a mineração.

Para o CEO (diretor executivo) da Coinext, José Arthur Ribeiro, a isenção é um estímulo para a atividade de mineração no Brasil, mas o sucesso da iniciativa depende do barateamento do preço da energia elétrica. A Coinext é uma exchange (corretora) que negocia moedas virtuais como bitcoin, ethereum e litecoin, entre outras.

Segundo Ribeiro, a atividade de mineração hoje está mais concentrada em países como China e Estados Unidos —no segundo caso, há estados que oferecem descontos no preço da energia elétrica para atrair empreendimentos de mineração.

É interessante perceber a iniciativa do legislador, de tentar favorecer o mercado de criptoativos, que é de inovação tecnológica. O Brasil tem recursos incríveis de energia renovável, com torres eólicas e hidrelétricas. No futuro, isso pode permitir investimentos massivos em mineração. Mas a isenção de equipamentos não resolve o problema da energia cara.
José Arthur Ribeiro, CEO da Coinext

De acordo com o diretor jurídico da Foxbit, Victor Gomes, poucas empresas querem hoje se aventurar a explorar a mineração de moedas virtuais no Brasil, porque o custo de energia é um dos principais fatores para a decisão de investimento. Com sete anos de existência, a Foxbit é outra corretora brasileira voltada para criptoativos.

Vale lembrar que empresas de mineração geralmente usam dezenas de computadores, ligados 24 horas por dia, 7 dias por semana, para que sua atividade seja viável.

Estudo da EPE mostra que o custo médio de consumo de energia elétrica em 2020 por indústrias no Brasil foi de R$ 476,95 por MWh (megawatt-hora). Cinco anos antes, em 2015, era de R$ 374,93 por MWh. Ou seja, em cinco anos o custo subiu 27,2%.

Poucas empresas querem hoje se aventurar a explorar o mercado. O custo de energia é um dos fatores preponderantes para a tomada de decisão. A alíquota zero, além de diminuir satisfatoriamente os custos, pode fomentar a mineração no Brasil, fazendo com que empreendedores retornem ao país ou visualizem como uma jurisdição favorável para esse modelo de negócio.
Victor Gomes, diretor jurídico da Foxbit

Gomes avalia ainda que a isenção pode gerar uma espécie de efeito cascata. "Com a diminuição dos custos, os empreendedores poderão comprar mais equipamentos, aumentando o poder computacional para a mineração", afirma. "Desta forma, existe a possibilidade de que grandes fazendas de mineração sejam criadas no Brasil, gerando empregos", acrescenta.

Problema para o futuro

O economista Otto Nogami, professor do Insper em São Paulo, reconhece que a isenção fiscal poderá movimentar o mercado de ativos virtuais no Brasil. Questionado se essa isenção interessa à sociedade, ele reconheceu que ela pode gerar empregos, mas levantou um possível problema a ser enfrentado pelo Banco Central no futuro.

Nogami defende que as criptomoedas são apenas ativos e não se confundem com um instrumento de troca convencional, como o real, cuja emissão está a cargo do BC. "É como um quadro, como guardar uma pepita de ouro ou outros metais nobres", afirma.

Conforme o economista, na medida em que os legisladores estimulam a mineração desses ativos, por meio da isenção de impostos, pode-se criar uma concorrência para o instrumento de troca tradicional. "As pessoas poderão começar a tratar o fruto da mineração não como um mero ativo, mas como um instrumento de troca", alerta. O instrumento de troca seria, por exemplo, o dinheiro do pais, o real.

Expectativa pela regulação

O principal objetivo do projeto é regular a atividade de corretoras e demais empresas que atuam com ativos virtuais. Em tese, isso daria maior segurança, inclusive para os brasileiros que investem em criptomoedas.

Hoje, investidores estão mais suscetíveis à perda de dinheiro em caso de quebra de uma corretora, por exemplo, porque não existe uma fiscalização específica das empresas.

Pelo projeto, a supervisão do mercado ficaria a cargo do Banco Central e da CVM (Comissão de Assuntos Mobiliários).

"A regulamentação será positiva", afirma Gomes, da Foxbit. "Isso porque será através das regras gerais que os investidores vão identificar as empresas que as cumprem fielmente, e os reguladores vão entender quem são os participantes sérios do mercado."

Arthur Ribeiro, da Coinext, reconhece que atualmente o investidor comum ainda tem muito receio em relação às moedas virtuais. Segundo ele, um dos motivos é que o mercado não é regulado. "Mas o Congresso entendeu que não é o caso de banir as criptomoedas, como ocorreu na Bolívia ou em Bangladesh. Eles perceberam que poderiam regular atores e agentes."

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