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Brasil vai bem na saúde, mas precisa ampliar acesso, diz CEO do Fleury

Divulgação/Editoria de Arte/UOL
Imagem: Divulgação/Editoria de Arte/UOL

Beth Matias

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/09/2022 14h40

Jeane Tsutsui, CEO do Grupo Fleury, diz em entrevista na série UOL Líderes que estamos muito "bem posicionados" na saúde no Brasil, comparado a outros países, mas que é preciso aumentar o acesso das pessoas.

"Não basta ter saúde de qualidade para uma certa população e não ter para outra. Temos desigualdades que precisam ser encaradas e precisamos buscar essas soluções ao longo do tempo."

O Grupo Fleury, um dos maiores do país, concluiu 13 aquisições em medicina diagnóstica e novos negócios desde 2017. A empresa aguarda a aprovação regulatória na compra do Grupo Pardini, de Minas Gerais.

A executiva acredita que há espaço para a empresa continuar crescendo, levando em conta a fragmentação do mercado de medicina diagnóstica.

Ela também vê espaço para a construção de um ecossistema de saúde que possa ir além dos laboratórios.

Na entrevista, Jeane Tsutsui fala sobre a importância do SUS (Sistema Único de Saúde).

Ela também aborda a valorização dos cientistas no país, a necessidade dos exames laboratoriais e como a inteligência artificial na saúde pode salvar vidas.

Ouça a íntegra da entrevista com Jeane Tsutsui, CEO do Grupo Fleury, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube.

Leia a seguir trechos da entrevista:

UOL - Mesmo com todas as dificuldades, o Brasil vive um bom momento na saúde?

Jeane Tsutsui - Houve saltos significativos, e a vacinação foi um grande exemplo. O Brasil, de uma maneira geral, está muito bem posicionado em saúde [comparado a outros países]. Claro que temos um gasto significativo do PIB [Produto Interno Bruto] na área, e há uma oportunidade de ampliar acesso, mas, de uma maneira geral, temos um sistema que dá acesso à saúde para a população.

Há muita coisa para melhorar, mas o Brasil não deixa a desejar na questão de saúde. Temos tecnologia, e cada vez mais empresas têm a visão de ecossistemas, de levar soluções, de levar o melhor cuidado.

Mas precisamos aumentar o acesso, é fato. Não basta ter saúde de qualidade para uma certa população e não ter para outra. Há desigualdades no país que precisam ser encaradas e precisamos buscar essas soluções ao longo do tempo.

Como avalia o Ministério da Saúde diante de tudo o que passamos?

A pandemia foi um choque para o mundo. Nunca nos deparamos com uma situação tão difícil e com tantas incertezas. Ao longo do tempo, o conhecimento científico veio e deu mais segurança. Devemos olhar o aspecto positivo que é 80% da população vacinada e essa é uma realidade que nem todos os países conseguiram. Acredito que a conscientização da nossa sociedade quanto a isso é muito positiva.

Claro que há aspectos de melhoria, de melhor gestão de saúde. Acredito que ninguém estava preparado para a pandemia, mas a conscientização de que outras situações de saúde virão, além das doenças crônicas das quais não se fala agora porque todo mundo está falando de epidemias.

As doenças crônicas são um grande desafio. O número de pessoas que morrem com doenças cardiovasculares e oncológicas irá crescer com o envelhecimento da população. Por isso, precisamos de uma estruturação, sem dúvida nenhuma, de toda a política de saúde pública.

Mais de 70% da população depende da saúde pública. É possível termos um serviço de exames que seja confiável e que atenda a todos?

Qualidade é algo que precisa ser oferecido para todo mundo. Claro que a quantidade de recursos que é dedicada ao serviço do governo ou da saúde suplementar está um pouco desbalanceada.

Mas é preciso utilizar com muita responsabilidade o recurso em todas as esferas e valorizar aquilo que temos, como um país que tem um sistema SUS que funciona muito bem e que ao longo da pandemia mostrou a sua importância.

O Grupo Fleury é assim

Fundação

  • 1926

Funcionários ( 1º trimestre 2022)

  • 13,5 mil

Médicos ( 1º trimestre 2022)

  • 3.600 médicos

Exames

  • 8 milhões por mês

Unidades

  • 284 unidades de medicina diagnóstica

Atendimento móvel

  • 25 unidades

Receita bruta (2021)

  • R$ 4,2 bilhões

Lucro líquido (2021)

  • R$ 350 milhões

Porcentagem de mercado dominada pela empresa

  • Cerca de 9%

O Fleury fez muitas aquisições, mas fora das áreas de medicina diagnóstica e laboratório, focos do grupo. Ainda há espaço para o crescimento de laboratórios no país?

A medicina diagnóstica ainda é, no Brasil, uma área fragmentada, mas importante para dar todo esse suporte preventivo. A nossa atuação em outros elos da cadeia de valor da saúde, como ortopedia, infusão de medicamentos, área de fertilidade, área de oftalmologia, são serviços que ampliam o cuidado ao paciente. O objetivo é, cada vez mais, oferecer serviços e estar presente na jornada de cuidados do paciente como um ecossistema de saúde sustentável.

Essa estratégia está muito atrelada a essa visão de que temos uma população que está envelhecendo e ao aumento de doenças crônicas. Nos próximos 30 anos, vamos mais do que dobrar o número de pessoas com mais de 60 anos. O Brasil é um dos países que tem uma das maiores taxas de envelhecimento populacional, e este envelhecimento faz com que aumente o número de doenças crônicas. Com isso, obviamente, aumenta a demanda por mais cuidados em saúde.

A concentração da saúde nas mãos de poucas empresas não diminui a concorrência, trazendo prejuízo para a população?

Quando olhamos especificamente a medicina diagnóstica, os quatro maiores players de saúde têm ao redor de 30% do mercado de saúde suplementar. Somente 25% da população hoje tem acesso à saúde suplementar.

E qual a importância de ter também os grupos maiores? Porque quando há maior capilaridade, um número maior de unidades e clientes, ganhamos sinergia que também retorna em investimentos.

Como é possível aumentar o número de pessoas na saúde suplementar se o custo ainda é muito alto?

É muito importante falarmos sobre essa visão de prevenção, de qualidade e de cuidado, porque isso evita o "evento" que é muito caro. Há um desafio que é a desigualdade social. O Fleury possui uma série de projetos para ampliar o acesso à saúde para as classes C, D e E.

A própria telemedicina ampliou o acesso. Hoje 40% das teleconsultas médicas são com pessoas que não estão nas regiões onde temos unidades de atendimento físicas.

Outro exemplo de tecnologia que, ao longo do tempo, foi reduzindo o custo, mas ainda não é acessível a todo mundo, é o próprio uso de alguns testes, como os de genômica para pacientes oncológicos.

Esses avanços podem proporcionar mais qualidade de vida e um equilíbrio entre fazer mais prevenção, ter menos eventos ou pelo menos distribuir esse cuidado ao longo do tempo.

As operadoras reclamam que os médicos pedem muitos exames. Como podemos fazer um diagnóstico sem ter exames?

Exames são muito importantes para o diagnóstico e para a condução dos casos. Cerca de 70% das decisões médicas são baseadas em exames laboratoriais.

No entanto, também compartilhamos da preocupação de que os recursos têm que ser utilizados de forma adequada. Embora se fale muito de exames, nos locais onde temos mais medicina preventiva, mais diagnósticos precoces, temos redução de custo.

Alguns laboratórios apostam no algoritmo para definir a necessidade de exames. Qual a sua opinião a respeito disso?

A autonomia é do médico porque a responsabilidade sobre a condução do caso é do médico. Mas os algoritmos podem dar suporte à decisão, apresentando uma série de opções e resultados.

O uso da Inteligência Artificial, por exemplo, na identificação de padrões a partir de imagens, pode nos dizer que um determinado exame é um caso crítico e que precisa ser visto rapidamente por um médico. Esse uso de IA pode salvar vidas.

Quais são as deficiências da indústria de insumos de saúde no Brasil?

Todo avanço tecnológico no país é muito bem-vindo. A pandemia mostrou um período muito difícil porque o mundo inteiro precisou dos insumos. A indústria não estava preparada para aquilo. Desenvolvemos em tempo recorde uma série de testes para poder fazer o diagnóstico durante a pandemia.

Só conseguimos isso porque fizemos investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento, com contratação de profissionais, valorização desses técnicos que têm conhecimento muito específico.

Mas o governo federal vem tirando recursos das áreas de educação e ciências. Quais serão os reflexos disso no futuro?

A pandemia mostrou a importância da saúde de qualidade. Mostrou a necessidade de o país ter ciência e tecnologia forte não só para atender às necessidades, mas para realmente se desenvolver, e a sociedade precisa, de uma maneira geral, cobrar isso e valorizar.

Muitas vezes o trabalho dos cientistas não é tão valorizado, e a pandemia jogou luz sobre essa questão. Isso não pode ser espasmódico. Precisa haver uma conscientização da necessidade de educação e de saúde no país.

Quem é Jeane Tsutsui

Nome

  • Jeane Tsutsui

Cargo atual

  • CEO do Grupo Fleury

Cargos de destaque

  • Diretora executiva de Negócios do Grupo Fleury
  • Diretora executiva Médica e Técnica do Grupo Fleury
  • Líder de pesquisa e desenvolvimento e planejamento estratégico de especialidades médicas do Grupo Fleury
  • Vice-presidente do comitê de saúde da Amcham

Nascimento

  • Catanduva (SP)

Idade

  • 53 anos

Graduação e pós-graduação

  • Medicina (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP)
  • Residência em Cardiologia no Incor (USP)
  • Doutorado em Cardiologia na Faculdade de Medicina da USP
  • Pós-doutorado na University of Nebraska Medical Center (EUA)
  • Livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP
  • MBA em Conhecimento, Inovação e Tecnologia (FIA)
  • Formação em gestão (Harvard Business School, Wharton e Sloan School of Management - MIT)

Família

  • Casada

Hobby

  • Ler

Livro
"Rápido e Devagar", de Daniel Kahneman - "O autor ajuda a desmistificar o processo decisório, apontando vantagens e desvantagens das abordagens intuitivas ou mais lógicas"

Filme
"Intocáveis", dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano - "O filme mostra a amizade de duas pessoas com história de vida diferentes e que encontram alegria e confiança"