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Parcelado sem juros no cartão só existe no Brasil? Como é em outros países?

Crediário veio antes do parcelamento no cartão de crédito Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

21/08/2023 04h00

O parcelamento sem juros é comum no Brasil, mas não tão usado em outros lugares do mundo. Entenda como este meio de pagamento surgiu aqui e o que existe no exterior.

Parcelamento sem juros é 'jabuticaba' brasileira

Parcelamento sem juros no cartão surgiu na década de 1990 para substituir o cheque. "O 'parcelado sem juros no cartão' é uma jabuticaba brasileira. Sucede o cheque pré-datado, invenção dos tempos analógicos, resultado da alta criatividade nacional, com origem numa longa história de hiperinflação", escreve José Paulo Kupfer, colunista do UOL.

Compras parceladas são feitas aqui há décadas e se popularizaram em razão do histórico de inflação alta do país. Bruno Samora, diretor de produtos da Matera, lembra que antes do parcelado no cartão o Brasil já existia o parcelamento via carnês de crediário. Myrian Lund, planejadora financeira, afirma durante os anos de hiperinflação, como os reajustes salariais eram altos e frequentes, o pagamento parcelado tornava mais mais fácil a compra de um bem.

Parcelado sem juros é usado pela maioria dos brasileiros. Dados do Datafolha mostram que 75% da população fez uso do crédito parcelado sem juros em 2022. A Febraban diz que 50% das compras são feitas parceladas sem juros.

Parcelamento no cartão de crédito tirou a burocracia para a transação. Gastão Mattos, fundador da Gmattos Consultoria, afirma que, com o carnê, o processo era muito mais complicado, exigia que o consumidor preenchesse um cadastro, que precisava ser validado por telefone. O parcelamento no cartão de crédito deixou o processo mais rápido e simples.

O brasileiro gosta muito de parcelar, mesmo quando não precisa. Tem uma camada de pessoas que precisam parcelar para consumir, mas o que acabou acontecendo pela facilidade do cartão é que algumas pessoas que poderiam pagar à vista começaram a optar pelo parcelado no cartão.
Gastão Mattos, fundador da Gmattos Consultoria

À medida que a taxa [de inflação] começa a cair virou um problema para o brasileiro, porque quase não tem reajuste de salário e a dívida fica ali permanentemente reduzindo a sua receita.
Myrian Lund, planejadora financeira

Como é fora do Brasil

Parcelamento sem juros no cartão é algo muito específico do Brasil. Segundo o presidente do BC, 40% das vendas no Brasil são feitas com cartão de crédito, o que destoa de um "país emergente normal", onde os números ficariam hoje entre 10% e 15%. Segundo o IDV, 80% das compras parceladas no cartão são feitas em até 6 meses.

Desde 2020 ganha força no exterior uma modalidade chamada de "buy now pay later" (em português, compre agora e pague depois). Samora diz que que este tipo de pagamento está sendo descoberto pelos estrangeiros. O consumidor faz a compra e as parcelas podem ser mensais, quinzenais ou até semanais, dependendo do caso. Operações podem ter juros ou não (pelo menos não aparentes) e não há um limite de parcelas pré-definido — cada instituição financeira determina as regras do parcelamento.

Aqui, há casos em que o brasileiro parcela até compra do mercado. Lá fora, Samora diz que é mais comum que as pessoas parcelem bens de consumo e itens mais caros, como eletrodomésticos.

[Buy now pay later] Começou forte sem juros lá fora, agora começamos a ver parcelamentos com juros também à medida que as operações vão crescendo. A pandemia impulsionou bastante [os parcelamentos], principalmente pelas compras online.
Bruno Samora, diretor de produtos da Matera

Parcelamento sem juros não existe na prática

Lojas oferecem o parcelamento sem juros, mas ele não existe na realidade. Isto porque as lojas já cobram juros no valor total, para poder dizer que não há cobrança de juros.

Não existe parcelamento sem juros. Isso é uma fantasia de marketing. Os juros já são embutidos e as pessoas acreditam que estão dividindo algo em dez vezes sem juros. A cobrança é disfarçada.
Carla Beni, economista e professora dos MBAs da FGV

Não é razoável imaginar que isso acontece. O comércio acordou em fazer esse tipo de negócio, já que a renda do brasileiro é baixa e o parcelamento ajuda nas vendas. Se fosse tudo à vista, no Pix, você poderia ter preços bem mais baratos, mas ninguém está disposto a fazer isso.
José Faria Júnior, planejador financeiro CFP pela Planejar

Rotativo está na mira do BC e governo

Ideia é reduzir a taxa de juros do cartão de crédito e até mesmo acabar com o rotativo. A taxa média de juros do crédito rotativo cobrada pelos bancos estão hoje em cerca de 440% ao ano. No mês passado, a inadimplência na modalidade ficou em 49,1%.O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sugeriu que as faturas não pagas iriam direito para o parcelamento, com taxa mensal de 9%, o que corresponderia a 181% ao ano, bem abaixo dos juros atuais do rotativo.

Limitar o parcelamento sem juros é outra possibilidade em discussão. Campos Neto defendeu a adoção de um modelo de parcelamento que leve em consideração o tipo de bem a ser adquirido e o prazo da operação. Um bem mais caro, como uma geladeira, poderia ser pago em um número de parcelas maior que uma roupa, que é um bem não durável. Quanto maior o número de parcelas, maior o juro pago pelo consumidor.

Haddad diz que solução não pode prejudicar varejo. Para o ministro da Fazenda, o fim do parcelamento sem juros não seria a resposta para acabar com as altas taxas de juros do rotativo. Segundo ministro, é preciso garantir proteção a quem está no crédito rotativo sem comprometer o varejo, que vende muito em parcelas sem juros no cartão de crédito.

Bancos poderiam controlar limites de crédito para reduzir os juros. A opinião é de Carla Beni, economista e professora dos MBAs da FGV. Ela afirma que o cartão de crédito em tese tem menos garantias, o que justificaria a taxa mais alta, mas o banco é o responsável por controlar o limite de crédito que dá ao consumidor.

Dívidas com bancos e cartões de crédito lidera o volume de inadimplentes no país. O segmento representou em julho 31,13% das dívidas não pagas, segundo a Serasa. Entre os mais jovens, a representatividade é ainda maior: 35,69% na faixa de 18 a 25 anos. Ao todo, o Brasil registra 71 milhões de inadimplentes.

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