Shein diz que vende o que cliente quer, enquanto rivais tentam adivinhar
O modelo de negócio da Shein permite que a empresa saiba o que o cliente quer, enquanto outras do setor tentam "adivinhar". É o que diz Marcelo Claure, CEO da Shein na América Latina. Segundo ele, é esse modelo que garante o sucesso da gigante chinesa, e não a questão tributária. Varejistas brasileiros reclamam que os e-commerces estrangeiros pagam menos imposto que as empresas nacionais.
O modelo da Shein
O tempo entre desenho da peça e a fabricação é de 7 dias. A Shein usa algoritmos e inteligência artificial para entender o que o consumidor quer comprar. A partir desse mapeamento, ela produz as peças mais promissoras de forma rápida. "Nós só fabricamos o que o consumidor final quer", disse Claure em entrevista ao UOL.
A produção segue a demanda e a empresa não tem estoque. A Shein produz inicialmente um lote pequeno, de 50 a 100 unidades, e mede a procura pelo produto. Ela só faz mais peças se a demanda for alta. Assim trabalha com praticamente zero estoque.
Segundo o CEO é esse modelo, e não a questão tributária, que garante o sucesso da empresa. "A mensagem para o varejista brasileiro é muito forte: a vantagem competitiva da Shein não são os impostos. Se eles acreditam que essa é a única vantagem, nunca vão poder concorrer. Senão a Shein não seria a empresa fashion mais importante do mundo, crescendo mês a mês", diz.
Marca planeja duas lojas temporárias no Brasil em 2023. Para o modelo funcionar, a Shein só vende pela internet, e não tem planos de abrir lojas físicas permanentes. Afinal, para ter loja é necessário ter estoque. "Se abrirmos lojas, teremos os mesmos problemas que os outros varejistas", diz Claure. Mas a Shein planeja abrir ao menos duas lojas pop-ups (temporárias) no Brasil ainda em 2023, para se aproximar do consumidor. A empresa ainda não divulgou os locais e as datas.
Varejo tradicional tem maior dificuldade para saber o potencial de venda de cada peça. Por isso, elas já consideram que uma parcela da produção será vendida na liquidação, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. "O trabalho mais tradicional exige que eu desenhe as peças hoje para vender daqui meses. Aí precisa adivinhar quanto aquela tendência vai pegar no Brasil e o quanto vai vender daquela peça", diz.
O grande problema do varejo no mundo todo é que, seis meses antes, ele tenta adivinhar o que o consumidor final quer. Isso se traduz em altos níveis de estoque. Estoque que não vende. Nós só fabricamos o que o consumidor final quer. E fabricamos quantidades muito pequenas até encontrar o ponto ótimo de demanda. Então temos zero estoque, e dessa maneira o nosso custo é muito, muito menor.
Marcelo Claure, CEO da Shein na América Latina
O que dizem os varejistas brasileiros?
Varejistas reclamam que a Shein e outros e-commerces estrangeiros pagam menos imposto. No programa Remessa Conforme, do governo federal, as compras internacionais até US$ 50 ficam isentas de imposto de importação, mas pagam 17% de ICMS. As compras acima desse valor pagam 60% de imposto de importação, além do ICMS.
Os itens produzidos no Brasil têm carga tributária média de 110%. O cálculo é de um levantamento feito a pedido do IDV, que considerou os tributos pagos em toda a cadeia, da produção à distribuição no varejo. "Mesmo considerando os 17% do ICMS, para fazer frente a essa carga, o imposto de importação já deveria ser mais do que 60%", diz Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV.
Setor quer discutir o tema com o governo. O IDV apresentou o estudo sobre a carga tributária do varejo no país ao Ministério da Fazenda e espera se reunir com representantes do governo para tratar do tema. A entidade participou da elaboração do programa Remessa Conforme, mas considera um erro a decisão de isentar as compras até US$ 50 do imposto de importação. Marcelo Claure, da Shein, questiona os números apresentados pelo varejo brasileiro e defende "uma mesa de trabalho conjunta" para debater o tema.
Para analista, regras precisam ser iguais para todos. Segundo Tozzi, da AGR Consultores, o modelo da Shein é mesmo "uma revolução" no mercado de moda. Porém, as regras tributárias precisam ser as mesmas para todos. "Se essas são as regras do jogo que vão ser dadas para a Shein, elas têm que ser dadas para todo mundo", diz.
É fácil falar que é competitivo pelo modelo de negócio quando se tem uma vantagem tributária imensa que está levando ao fechamento de empresas no país. O modelo deles pode ter sucesso. Mas queremos ver esse mesmo modelo aplicado com produção nacional. Temos empresas aqui com velocidade muito boa de lançamentos. Não é algo fácil, mas conseguimos competir. Basta que tenha uma produção nacional e pague todos os impostos e encargos trabalhistas.
Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV
'Faz muito sentido ter fabricação local'
Remessa Conforme não altera o plano de produzir no Brasil, diz Shein. Em abril, a Shein anunciou investimento de R$ 750 milhões para produzir roupas no Brasil. O plano continua, mesmo com as vantagens tributárias do Remessa Conforme para compras internacionais, disse Claure ao UOL. A intenção é que, até o final de 2026, 85% das peças vendidas no Brasil sejam produzidas aqui. Hoje a maior parte vem da China. A Shein passou a operar no Remessa Conforme na semana passada, e anunciou que vai bancar o ICMS das compras até US$ 50.
Com produção local, empresa ganha agilidade e economiza em logística, diz o CEO. "Para o modelo de negócios que nós temos, de fabricação ágil, faz muito sentido ter fabricação local e entrega local", diz Claure. "O Brasil é um grande produtor de algodão. Então não faz nenhum sentido comprar algodão do Brasil, mandar para fazer roupa na China e importar para o consumidor final", continua.
Desafios para a produção incluem questões trabalhistas. Uma das dificuldades para a Shein chegar a esse volume de produção no Brasil é conseguir que a indústria local dê conta da demanda, diz Tozzi. Há também a dificuldade de trabalhar na velocidade exigida pelo modelo da chinesa com remuneração e carga horária adequadas. "O desafio é como deixo isso saudável para a cadeia como um todo", afirma.
A Shein diz que faz auditorias nas fábricas parceiras. Também afirma que fornecedores que não seguem seu código de conduta têm seu contrato rescindido. Para os parceiros já contratados no Brasil - cerca de 200 - a empresa diz que exige adequação às práticas recomendadas pela ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil).