O que foi o Boi Gordo, fraude que fez 30 mil investidores perderem bilhões
Gabriela Bulhões
Colaboração para o UOL, em São Paulo
10/02/2024 04h00
Existem várias armadilhas no mercado financeiro e uma delas é a garantia de alto retorno em pouco tempo. Foi com essa promessa que um dos mais famosos esquemas de pirâmide financeira abalou o Brasil no final da década de 1990. O golpe enganou mais de 30 mil investidores, deixou um prejuízo de bilhões e ficou conhecido como "Boi Gordo".
Início do esquema no país
A empresa Fazendas Reunidas Boi Gordo vendia cotas de investimento em fazendas de gado. O nome da empresa ganhou notoriedade no mercado por oferecer um investimento visto como lucrativo e seguro por meio de um processo de engordar os bois.
Investidores aplicavam o dinheiro para a compra de arrobas de boi magro, que é a unidade de peso utilizada para medir a massa dos bovinos. O segundo passo era engordar o animal nos meses seguintes com a garantia de retorno sobre o peso inicial.
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Grupo existia desde 1988 e, em 1996, começou a oferecer ao público os investimentos em animais. Na prática, as pessoas adquiriam títulos e o valor só poderia ser resgatado após 18 meses com lucros superiores a 40%. Criação de gado nelore era nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Slogan principal era "quem tem cabeça investe com gado". Com um marketing agressivo, alcançaram investidores de todos os estados e também de outros países. Famosos como Marisa Orth, Benedito Ruy Barbosa e até Antonio Fagundes, o garoto propaganda, caíram no golpe. Celebridades do mundo do futebol, como o ex-jogador Vampeta, também acreditaram que o investimento era uma boa ideia. Todos seguem na fila para ter seu dinheiro de volta.
Propaganda era feita nos intervalos da novela "Rei do Gado", que foi uma verdadeira febre entre os brasileiros. Comercial protagonizado por Antonio Fagundes vendia rentabilidade média de 3,23% ao mês. A Taxa Selic fechou em 23,94% ao ano em 1996.
Colapso do esquema de pirâmide financeira
A realidade nos bastidores era bem diferente: ao invés do pagamento vir do lucro da engorda dos bois vinha da entrada de novos investidores. É assim que o esquema de pirâmide funciona: quem entra paga o suposto retorno de quem já é investidor. A base mantém o retorno do topo, de onde vem o termo "pirâmide".
Quem recebia os rendimentos iniciais acreditava que o investimento valia a pena. Isso fortaleceu a sensação de que era algo sólido e seguro. Porém, só os primeiros investidores tiveram essa sorte.
Em 2001, o esquema do "Boi Gordo" desmoronou e tentaram acordo na justiça. Os pagamentos aos investidores pararam de acontecer e as queixas começaram. O dinheiro dos recém-chegados não era mais o suficiente para retornar aos mais antigos.
A Fazendas Reunidas Boi Gordo fez uma concordata (acordo entre empresas e devedores) em 2003. Mais de 30 mil pessoas perderam dinheiro e a empresa faliu, passando para frente a situação catastrófica.
Prejuízo estimado passou de R$ 2,5 bilhões e hoje a dívida atualizada equivale a R$ 6 bilhões. A empresa tinha dezessete fazendas em seu nome, que foram leiloadas entre 2017 e 2018, rendendo R$ 540 milhões.
Milhares de investidores sem dinheiro
Vítimas do golpe puderam se cadastrar no site da Massa Falida de Fazendas Reunidas Boi Gordo S.A. e Coligadas. O objetivo foi organizar as pessoas que esperam receber ao menos uma parte do montante investido. Também existe a Associação dos Lesados pela Fazenda Reunidas Boi Gordo S/A (ALBG) e Empresas Coligadas e Associadas.
Aos poucos, através dos leilões das propriedades do grupo, o valor foi devolvido. Mas o caso segue sem ter uma solução definitiva e as pessoas tiveram que arcar com o prejuízo.
A maioria ficou sem receber nada. Os credores se cadastram em um dos sites das organizações e entram na fila para receber parte do que vem do leilão. Quem recebeu algum também não recebeu o valor inteiro do que investiu.
A Fazendas Reunidas Boi Gordo faliu de fato em 2004. Nesse meio tempo, se desfizeram de tudo, fazendas, maquinário, gado e até sêmen para reprodução.
Dono do esquema não foi preso
Paulo Roberto de Andrade foi a mente por trás do "Boi Gordo". O empresário não foi punido criminalmente. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a ação penal contra ele, reconhecendo a prescrição do processo.
Em 2003, já em concordata, Andrade vendeu o controle acionário a dois grupos, Golin e Sperafico. Ambos eram conglomerados do ramo do agronegócio. Assim, nomearam José Roberto da Rosa como gerente da fazenda.
Há a alegação de que Rosa seria um funcionário fantasma. Durante a investigação do Ministério Público, descobriram que o gerente só existia em procurações, que seu RG e seu CPF foram feitos a partir de uma certidão de nascimento falsa e que suas assinaturas seriam de um contador dos novos donos. Outra suspeita é que o dinheiro foi enviado para o exterior e voltou ao Brasil em esquema de lavagem de dinheiro, com a compra de terras. Nos últimos anos, parte foi recuperada e são as propriedades em leilão.