Dívida bilionária e plano de recuperação: Americanas pode quebrar?
Gabriela Bulhões
Colaboração para o UOL, de São Paulo
29/02/2024 04h00
Após o início de uma dura crise em 2023, a Americanas divulgou na segunda-feira (26), o balanço dos primeiros nove meses do ano passado. Contando com os atrasos e o desafio de voltar aos trilhos, a varejista registrou um prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões, segundo o documento apresentado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), após um prejuízo revisado de R$ 6,03 bilhões um ano antes.
Cenário conturbado
Empresa sentiu o baque ano passado após descobrir mais de R$ 20 bilhões em inconsistências contábeis. Quase centenária no mercado, tem como acionistas de referência os bilionários que fundaram a 3G Capital. Desde o anúncio contábil para cá, a situação da empresa segue delicada.
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Plano de recuperação judicial foi homologado na segunda-feira (26). A iniciativa prevê injeção de R$ 24 bilhões para a companhia, entre redução de dívidas e a entrada de recursos no caixa, explica Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos.
Projeção para 2024 é de voltar a registrar números positivos em 2025. E também assumiram o compromisso de, até 24 meses, realizar processos competitivos para a venda da Uni.co, dona da Imaginarium, e da Hortifruti Natural da Terra (HNT).
Prejuízo de R$ 4,6 bilhões
O último desempenho da Americanas mexeu com o mercado. Os balanços até setembro do ano passado evidenciaram uma redução de 23,5% em relação às perdas no mesmo período de 2022.
Crise causou prejuízo líquido de R$ 4,6 bilhões no acumulado até o terceiro trimestre. Além do prejuízo revisado de R$ 6,03 bilhões um ano antes. Por outro lado, houve uma recuperação na margem de lucro bruto, que subiu 11,1 pontos percentuais.
Dívida bruta fechou em R$ 38 bilhões. Incluindo a posição de caixa de quase R$ 5 bilhões, o terceiro trimestre de 2023 encerrou com dívida líquida de R$ 33 bilhões. A receita líquida foi de R$ 10 bilhões no ano passado.
Ebtida teve queda de 21,3%. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização é negativo em R$ 1,5 bilhões no período trimestral.
Impacto ruim nas vendas
Resultados foram afetados por uma "significativa queda de vendas", informou a varejistas. A maior parte foi por conta da plataforma digital, somando com as grandes despesas financeiras devido ao processo de recuperação judicial.
Vendas digitais medidas pelo valor bruto de mercadoria (GMV) caíram. Comparando com o mesmo período em relação ao ano anterior, a queda é de mais de 50% em um ano e mostra a falta de confiança por parte dos clientes e fornecedores, diz Mauricio Zerbini, advogado empresarial.
Decisão da Americanas de parar de vender algumas categorias de produtos pode ter contribuído para o resultado ruim. Por exemplo, disponibilizar eletrônicos e geladeiras para os clientes nas plataformas de marketplace de terceiros e não mais em sua plataforma digital.
A situação é preocupante, com a ausência de validação dos números por auditores externos, possibilidade de inconsistência em seus registros financeiros desde 2015 e perda de confiança do público consumidor. Mauricio Zerbini, advogado empresarial
Futuro incerto no mercado
Entre janeiro e setembro de 2023, a Americanas fechou 99 lojas e demitiu centenas de funcionários. A justificativa é de que as unidades não eram lucrativas o suficiente, não compensando manter funcionando.
Condições macroeconômicas influenciam no cenário. A boa notícia é que houve um controle da inflação e reduções nos juros, o que é positivo para o setor, mesmo que a Americanas se mostre atrás de seus concorrentes, contextualiza Dias.
Despesas financeiras reduziram para 45,7%. Em comparação ao mesmo período de 2022, o valor somou R$ 2,18 bilhões. De acordo com a companhia, é por conta do desmonte de swaps, operações em que o indexador da dívida é trocado por outro mais vantajoso.
Americanas vai falir?
Ainda é cedo para afirmar se a empresa vai ou não falir. A recuperação judicial é justamente um processo destinado a reestruturar as finanças e permitir que a empresa continue suas atividades, explica Zerbini.
Seguir o plano aprovado é o primeiro passo para retomar a credibilidade no mercado. O foco é no consumidor, pensando em evitar o risco de não operar mais e a gravidade das questões contábeis.
Existe esperança de recuperação e de aumento de capital. O juiz responsável pela homologação rejeitou as objeções dos credores, indicando que há um caminho legal para a reestruturação. Mas o sucesso depende da implementação e da capacidade da empresa de superar seus problemas financeiros.
A Americanas precisa mostrar ao mercado capacidade de geração de caixa para fazer frente às dívidas, ter eficiência operacional e gerar lucro, o que em raros momentos aconteceu nos últimos 10 anos.
Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos