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Mais realista: como economistas veem bloqueio de R$ 2,9 bi no Orçamento

Imagem: GETTY IMAGES

Do UOL, em São Paulo

22/03/2024 13h05

O Ministério do Planejamento e Orçamento anunciou nesta sexta-feira (22) um bloqueio de R$ 2,9 bilhões nas verbas disponíveis para a União gastar em 2024. O bloqueio orçamentário é necessário para o governo federal conseguir cumprir a meta de déficit zero neste ano. Economistas repercutem o anúncio, que já era esperado pelo mercado.

O que aconteceu

O ministério divulgou o primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas primárias de 2024, relativo aos meses de janeiro e fevereiro. O documento é elaborado bimestralmente para acompanhar o cumprimento da meta fiscal do ano. O relatório mostrou um déficit projetado de R$ 9,3 bilhões (0,1% do PIB) para o ano, com base no bimestre.

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A projeção de receitas primárias para o ano é de R$ 2,69 trilhões, e a estimativa de despesas primárias é de R$ 2,18 trilhões. A projeção das receitas ficou R$ 31,5 bilhões abaixo do previsto no Orçamento de 2024, enquanto a estimativa das despesas ficou R$ 1,6 bilhão acima.

Vale ressaltar que a meta do governo para este ano é de um déficit fiscal zero. Essa meta tem uma banda de tolerância de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a cerca de R$ 29 bilhões.

Ontem o governo federal divulgou que a arrecadação de fevereiro foi de R$ 186,52 bilhões de reais, um aumento de 12,27% em relação ao mesmo período do ano passado. Trata-se do melhor resultado já registrado para o mês desde o início da série histórica, em 1995. O resultado de janeiro também foi positivo: a arrecadação foi de R$ 280,63 bilhões. Também foi o melhor resultado registrado para o mês desde 1995.

O que disse o governo

Paulo Bijos, secretário do Orçamento, destacou que há uma situação de equilíbrio conforme planejado na Lei Orçamentária. "Essa é a tônica que foi programada no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] e será a tônica ao longo do ano", disse durante entrevista coletiva à imprensa em Brasília para apresentar o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre de 2024.

O ministro da Fazenda Fernando Haddad declarou que a meta de déficit público zero em 2024 depende da economia e da aprovação de projetos no Congresso. Em entrevista coletiva em São Paulo, Haddad disse que Haddad disse que está otimista com esse ponto. Ele destacou que o Banco Central aprovou mais um corte de 0,5% na Selic essa semana, e disse que os cortes devem continuar nas próximas reuniões. Também afirmou que as projeções de inflação estão dentro da banda e os dados de emprego estão positivos, o que aumenta a arrecadação.

Repercussão

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e colunista do UOL, lembra que o déficit de R$ 9,3 bilhões era, nas primeiras previsões da Lei do Orçamento, um superávit de R$ 9,1 bilhões. "Mesmo com déficit primário de até R$ 28,8 bilhões, dentro da banda inferior, o governo cumpriria o objetivo da 'meta zero'. Vale dizer, ao longo do ano, o bloqueio combinado com o contingenciamento precisarão convergir para um corte de gastos mais alto, considerando-se que a previdência continua subestimada, quando comparada com as nossas projeções para 2024, em algo superior a R$ 20 bilhões, e também as receitas estão ainda bastante elevadas", diz. Ele afirma, no entanto, que os números estão mais realistas.

Os bons resultados de janeiro e fevereiro mostram que a atividade econômica foi forte. "Foi uma arrecadação muito boa, de R$ 186 bilhões, de novo nível recorde de arrecadação, aumenta a chance do déficit fiscal zero. A gente teve todas aquelas surpresas positivas em janeiro, de Caged, de varejo, de PMS [Pesquisa Mensal de Serviços], de IBC-Br e de arrecadação. Tudo leva a crer que a gente vai ter um primeiro trimestre melhor do que o esperado no Brasil com atividade em fevereiro e março melhor do que todo mundo tinha no radar", diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.

O anúncio do bloqueio já era aguardado pelo mercado. Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, pondera que ainda há dúvidas sobre o que esperar para o ano. Nos últimos dois meses, a arrecadação do governo foi positiva. Algumas decisões do final do ano passado, como a tributação de fundos, também têm dado sinais de resultados positivos.

Além disso, o ambiente econômico melhorou. Isso permitiu que o governo postergasse decisões mais difíceis: um anúncio de maior contingenciamento ou mesmo mudança da meta, por exemplo.

No entanto, há dúvidas se essa melhora nas receitas será consistente, até porque é esperado que a atividade econômica perca um pouco de fôlego ao longo de 2024. "Não há percepção clara se a melhora é temporária, a atividade econômica deve perder um pouco de fôlego, é natural que tenha alguma desaceleração, inclusive no mercado de trabalho", diz Silvio.

O economista menciona, por exemplo, o aumento da projeção de despesas primárias anunciada hoje no relatório. "O governo tem essa visão de que o uso do gasto público vai ajudar a economia crescer. Isso traz preocupações em termos de execução fiscal. A gente não trabalha com meta fiscal zero, trabalha com uma meta fiscal de 0,6% do PIB. Boa parte do mercado acredita que o déficit zero é muito desafiador. Em algum momento, o governo vai tomar decisões mais difíceis: maior contingenciamento, o que sabemos que não é fácil por virtude do momento político, do governo perdendo popularidade, ou então mudar a meta, que tem seus custos", diz.

O anúncio de hoje não muda a expectativa de déficit, diz Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV-Ibre e sócio da consultoria BRGC. O economista prevê um déficit de 0,7% do PIB para 2024. "É algo que me preocupa. Não gosto da forma como o governo está lidando com a política de gestão da meta. Dito isso, continuo com a mesma projeção. Não são um ou dois meses de dados que modificam o ano, ainda que [o resultado] seja notável".

Com uma diminuição na projeção de receitas e aumento de despesas, Lívio diz que o governo não trabalha, na verdade, com a meta do déficit zero. "Eu tenho uma reversão de resultado primário de cerca de R$ 18 bilhões. Foi de R$ 9 bilhões de superávit no Orçamento para R$ 9 bilhões de déficit. Esse déficit é menos que 0,1% do PIB. A meta é zero, a banda é até 0,3%. Qual é o problema que eu vejo nisso: se a meta é zero e eu entrego já de cara, na primeira reprogramação do ano, um déficit de 0,1%, e estou dizendo que a meta continua cumprida porque está na banda, a chance dessa meta não convergir para 0,25% é muito pequena. Qualquer coisa até R$ 28 bilhões vai ser meta. Em termos objetivos, a sinalização que o governo deu hoje é que a meta efetiva com a qual ele trabalha é de R$ 28 bilhões de déficit. Se ele entrega menos do que isso, ótimo, se for até esse limite, não contingencia. Eu recebo com maus olhos", avalia o especialista.

Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo, diz que o valor do bloqueio é insuficiente considerando as projeções de aumento de receita e de despesas. Ele avalia que algumas despesas estão subestimadas. Por isso, é esperado que ao reconhecer que as despesas vão ficar maiores, o governo terá que fazer um contingenciamento um pouco maior e mudar a meta. "A gente espera que no meio do ano o governo promova uma mudança da meta de primário para algo em torno de 0,5% do PIB, e aí ele faça um novo contingenciamento para poder deixar o déficit primário em torno de 0,7% e 0,8% do PIB. No curto prazo, sempre vai ficar essa questão da velocidade de crescimento das receitas e a despesa que foi orçada, mas ao longo do tempo a gente acha que isso acaba tendo que ser corrigido e, portanto, o governo vai ter que partir para novas medidas de contingenciamento e da mudança da meta".

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