Sem metas, reconstrução do RS levará décadas, diz especialista em desastres
A retomada da economia no Rio Grande do Sul após a enchente deve ter metas claras e começar pelo saneamento e pela garantia de dignidade das pessoas. Sem isso, a reconstrução pode levar décadas, e o estado pode ter fuga de jovens. É o que dizem especialistas ouvidos pelo UOL, como Mário Mendiondo, coordenador científico do Ceped (Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres) da USP. "O que temos ali é um cenário de guerra", diz o pesquisador.
Prioridades
Sem plano, reconstrução pode levar décadas. Mendiondo ressalta a importância de haver um plano de metas para a recuperação do estado. "Se houver um pano claro, a recuperação ao invés de levar décadas, pode levar anos", diz.
Fornecimento de água é prioridade. Dentre os primeiros passos para a recuperação está o abastecimento de água. O pesquisador destaca que, no Brasil há muita perda de água pelos canos de abastecimento. Com os alagamentos, o mesmo local por onde a água se perde em condições normais pode ser porta de entrada para a água de enchente nos encanamentos, o que gera contaminação, diz.
Saneamento também deve estar nas prioridades iniciais. A dificuldade de drenagem da água da enchente compromete o escoamento do esgoto, diz Mediondo. "Se você dá a descarga, a água não vai, porque tem água do outro lado empurrando o esgoto para dentro de casa", explica.
Se o problema não for enfrentado rapidamente, região terá redução demográfica. A previsão é que, sem condições mínimas de saneamento e acesso à água, a população vai desistir de viver ali. "Quando chegar o próximo Censo, veremos a quantidade de gente que não volta porque não tem condições, é uma paisagem de guerra", diz.
Estamos falando de esgoto a céu aberto e resíduo sólido boiando na água. É um problema de saúde pública absurdo. Esse é um serviço que tem que ser rapidamente restaurando, senão as pessoas não vão voltar por não terem onde ficar, porque as ruas estão sujas e há perigo de doença.
Mário Mendiondo, coordenador científico do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres da USP
Mobilidade e empregos
Reconstruir a malha logística é outro ponto prioritário. As rodovias estão estropiadas, caídas. Porto e aeroporto estão destruídos", diz Mediondo.
Reconstrução pode ser geradora de empregos. A reconstrução da malha logística pode empregar as pessoas que ficaram sem emprego e renda devido aos desastres. A solução foi usada na Europa após a Segunda Guerra Mundial, diz o especialista.
Estado pode perder mais jovens. A situação do estado pode gerar uma fuga de jovens, diz Cláudio Frischtak, fundador da consultoria Inter B, que mantém um banco de dados sobre infraestrutura no país. O Rio Grande do Sul já tem uma proporção maior de pessoas mais velhas em comparação com outros estados do país, diz.
Você não quer que as empresas saiam do estado, que os jovens saiam. O que impulsiona o crescimento são as pessoas jovens, e o Rio Grande do Sul já é um estado com uma estrutura etária mais adversa do ponto de vista do crescimento.
Cláudio Frischtak, fundador da consultoria Inter B
Custo da reconstrução
Reconstrução do estado pode custar entre R$ 30 bilhões e R$ 100 bilhões. O cálculo foi feito pela Inter B e levou em consideração a infraestrutura existente no Rio Grande do Sul antes das enchentes e estimativas sobre a destruição causada pela água. "Consideramos que algo entre 10% e 50% da infraestrutura do estado foi comprometida", diz Frischtak.
Para ter uma infraestrutura mais preparada para novos eventos climáticos extremos, o custo é maior. "Se você for defender o estado com uma infraestrutura resiliente, o custo é perto de R$ 100 bilhões. Se vai fazer só o arroz com feijão a estimativa é mais próxima dos R$ 30 bilhões", diz Frischtak.
Estado tinha infraestrutura deficitária. Frischtak afirma que o Rio Grande do Sul historicamente não fez grandes investimentos em infraestrutura e agora terá de passar de um estado subestruturado para um estado superestruturado. Para ele, um dos maiores desafios no processo será a governança dos investimentos feitos.
Retomada das empresas
No caso da retomada das empresas, foco deve ser nas pessoas. Frischtak destaca que para as empresas possam retomar suas atividades normalmente, é necessário antes garantir condições mínimas de dignidade às pessoas.
O primeiro ponto é assegurar que as famílias estejam abrigadas e que as crianças estejam na escola, para que pai e mãe possam voltar a trabalhar. Tem que abrigar a assegurar o mínimo de dignidade e de normalidade. Como os pais vão trabalhar se as crianças estiverem em um abrigo sem estudar?
Cláudio Frischtak, fundador da consultoria Inter B