Reforma tributária: como a cesta básica maior aumenta o imposto
Marcos Rogério Lopes
Colaboração para o UOL, de São Paulo
05/09/2024 05h30
A inclusão da carne na cesta básica deve fazer o consumidor brasileiro pagar mais impostos em todos os outros produtos e serviços. A nova regra foi incluída no texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados em julho e encaminhado ao Senado.
"De algum outro lugar tem que sair o dinheiro perdido pelos cofres públicos quando se zera a tributação de um setor tão importante quanto a carne. Por isso que o IVA dessa reforma vai ficar maior com cada benefício concedido", afirma a advogada especializada em direito tributário Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados.
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O IVA (Imposto sobre Valor Agregado) é a grande mudança da reforma proposta pelo governo federal. Em vez do modelo atual, no qual incidem diversos impostos (ICMS, PIS, Cofins, IPI, entre outros) sobre tudo que é comprado ou contratado, e com alíquotas diferentes segundo o item ou a localização em que ele é tributado, o país passaria a ter uma única regra, com o mesmo percentual cobrado em todo o território Nacional.
A alíquota do IVA sugerida pela emenda constitucional do governo era de 26,5%, mas, com a introdução da carne na cesta e a adoção de outros benefícios menores, o índice calculado até o momento é de 27,97%. E pode ser ainda maior se o Senado criar novas exceções à regra. A análise do tema só deve ocorrer depois das eleições municipais.
Estudo do Ministério da Fazenda diz que a carne, sozinha, eleva o IVA em 0,56 ponto percentual. A inclusão dos queijos na cesta, para citar somente algumas das alterações feitas pelos parlamentares, representa 0,13 ponto a mais no imposto. E a ampliação da lista de medicamentos com alíquota reduzida, 0,12.
O que muda com a reforma
A economista e professora da FGV Carla Beni analisa que, além de buscar a simplificação do sistema nacional, a reforma deve ser melhor para as classes mais pobres, já que os bens tendem a ter menos impostos que hoje em dia. "Como a ideia é que a tributação seja justa e evite o estímulo à desigualdade, as compras ficam mais acessíveis, mas os serviços, mais caros, É a lógica de que quanto mais renda você tem, mais você usa os serviços", justifica.
André Felix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em direito tributário pela PUC de São Paulo, diz que os prestadores de serviço atualmente não têm uma carga tributária tão alta no Brasil. "Recolhem basicamente 3,66% a título de PIS e Cofins e de 2% a 5% de ISS. Mas isso vai mudar com a reforma, quando poderão pagar até 28%."
A mudança na tributação do comércio pode ser entendida da seguinte forma. Vamos imaginar uma calça que, para cobrir os gastos com fabricação, transporte e da loja, precisasse custar ao menos R$ 100. Com o modelo atual de cobrança de impostos do país, ela teria na etiqueta em São Paulo o preço de, no mínimo, R$ 134,40 (34,40% é a tributação média paga pelos consumidores paulistas, de acordo com cálculo do Ministério da Fazenda), e seria ainda mais cara se fosse vendida em outros estados, nos quais o ICMS tem alíquota maior. Com o IVA, desconsiderando valores extras com logística, produção ou ganância de algum elo da cadeia, a mesma roupa seria vendida por R$ 128 no Brasil inteiro.
"Esta é outra vantagem da reforma. Ao unificar o imposto, ela reduz a guerra fiscal entre os estados e torna mais previsível a atividade dos empresários", diz André Félix. Ele também acredita que o setor industrial será o mais beneficiado com as mudanças propostas..
Mais exceções do que regras
"O que não pode acontecer, e a gente viu ocorrendo isso na Câmara, é a criação de uma série de exceções que de novo aumentem a complexidade nas operações", comenta Katia Gutierrez. "Só no Brasil vai existir o IVA Dual, por exemplo, com dois impostos e não apenas um, como é no mundo inteiro", acrescenta. Cerca de 170 países usam o IVA como sistema tributário.
IVA Dual foi a forma encontrada pelo governo brasileiro para destinar verbas a estados e municípios, que até então tinham seus próprios impostos. Como vai funcionar? A tributação em uma compra de supermercado será única, mas parte desse valor irá parte para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e outra para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criado para contentar prefeitos e governadores.
"Outra coisa foi colocar a carne na cesta, um péssimo sinal, que vai contra a ideia de simplificação e que pode beneficiar um único setor", comenta Katia Gutierres.
A economista Carla Beni concorda com essa crítica e complementa dizendo que não há nenhuma garantia de que as carnes vão ficar mais baratas nos supermercados e açougues.
"É importante que as pessoas não criem fantasias esperando que um produto tenha preço menor porque entrou na cesta básica. Não é assim que funciona. Os preços não são tabelados, são determinados pela oferta e demanda. Os empresários ou os varejistas podem muito bem ficar com essa diferença dos impostos como lucro. Não há nada na legislação que impeça isso."