Intensidade do La Niña é esperança para aliviar seca e segurar a inflação
Do UOL, em São Paulo (SP)
27/09/2024 05h30
Após uma passagem prolongada entre 2020 e 2023, o La Niña volta a bater à porta. As perspectivas apontam para uma alteração pouco intensa nas temperaturas do Oceano Pacífico e impacto tímido no Brasil. Ainda assim, a baixa intensidade do fenômeno é aguardada de dedos cruzados para acabar com a pior seca da história nacional, auxiliar as lavouras e impedir um salto da inflação de alimentos.
O que aconteceu
La Niña começou oficialmente no último domingo (22). Marcado pelo resfriamento das temperaturas no Oceano Pacífico, o fenômeno climático altera o volume de chuva em diferentes regiões. "O La Niña tende a melhorar a situação das chuvas no Centro-Norte e no Sudeste do Brasil", prevê Leandro Gilio, professor do Insper Agro.
Previsão mostra retorno gradual das chuvas em outubro. Segundo nota técnica do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) e do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a mudança climática contribui para as culturas de milho e soja. Entretanto, os órgãos defendem o acompanhamento constante do ambiente, especialmente nas regiões produtoras de grãos.
Expectativas sinalizam para La Niña menos expressivo. Gilio destaca que a confirmação das projeções permite uma análise positiva. A avaliação considera a possibilidade de uma maior intensidade de chuvas no Centro-Sul, que atravessa uma estiagem, e no Sul do país. "Com a incidência do La Niña, essas regiões normalmente ficam mais secas, trazendo um efeito direto nas safras", relata Matheus Dias, economista do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).
Na Região Sul, a previsão de chuva abaixo da média pode prejudicar o início da safra de grãos nos estados do Paraná e Santa Catarina. Porém, o Rio Grande do Sul pode ser beneficiado por chuvas mais regulares, favorecendo as lavouras de inverno que ainda estão em campo, bem como o plantio da safra 2024/2025.
Nota técnica conjunta do INMET/INPE
Produtores temem por fenômeno como o que perdurou entre 2020 e 2023. "Caso haja uma intensidade como a dos anos anteriores, os prejuízos serão bastante consideráveis na produção leiteira e de grãos", pondera Darlan Palharini, secretário-executivo do Sindilat (Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados). "Tivemos problemas bastante sérios", recorda.
Fenômeno é caracterizado pela redução das temperaturas do Pacífico. O resfriamento das partes central e leste do Pacífico Equatorial (próxima ao Peru e Equador) altera a temperatura e o volume de chuva em várias partes do mundo. O La Niña ocorre em intervalos de tempo que variam de dois a sete anos e pode ter mais de um ano de duração.
Inflação
Ainda que o impacto estimado para La Niña seja brando, alterações nos preços são inevitáveis. "Irregularidades climáticas sempre têm potencial de elevar preços dos alimentos quando prejudicam a produção agrícola", reconhece Gilio. A partir de então, o volume de chuvas surge como luz no fim do túnel para beneficiar as safras e impedir que a redução da oferta impulsione a inflação.
Impacto do La Niña para a variação dos preços é menor que o do El Niño. Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, afirma que o fenômeno atual pode auxiliar nas plantações e até resultar em uma queda no preço dos grãos, a depender dos efeitos ainda imprevisíveis. "O que vai decidir mesmo se a alimentação ficará mais cara ou não é se vai chover para conseguir plantar a soja", avalia.
A gente vem de um El Niño muito forte, que está causando essa seca muito grande. Agora, o que nós temos que ver é se esse La Niña ajudará a chover, para assim a gente não atrasar plantio de grãos e ter uma safra 2025/2026 boa.
Andréa Angelo, estrategista da Warren Investimentos
Problemas na agropecuária causam "efeito cascata" na inflação de alimentos. "As safras de soja estão começando a ser plantadas e as de milho em andamento. A seca afeta não somente esses preços, mas tem um desencadeamento sobre outros alimentos", afirma Dias. A avaliação considera os grãos como base da nutrição dos animais responsáveis pela produção de carnes, leites e ovos.
Em tempos normais, o efeito da seca seria revertido no período atual com o aumento das precipitações e da umidade do ar. Caso tenha a intensificação dos efeitos do La Niña, o atraso das chuvas afeta o plantio e a produtividade de vários alimentos no campo.
Matheus Dias, economista do FGV Ibre
Seca atual já começa a aumentar os preços das carnes. Angelo reforça que o preço das carnes já começa a subir devido à estiagem. "O pasto muito seco faz com que a oferta de bovinos para abate diminua. Com isso, o preço da arroba do boi está subindo e ele pode aumentar já em 2025", explica ela.
Carnes ficam 1,76% mais caras em setembro. Segundo o IPCA-15 (Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15), o valor das proteínas subiu pela primeira vez desde janeiro. Para Dias, a alta já é ocasionada pelas alterações climáticas. "A tendência é de que continue essa aceleração. A medida que os efeitos climáticos vão se intensificando no campo, o repasse até os consumidores tende a aumentar", prevê o economista.