Enchente no RS: em 6 meses, agro, comércio e Eldorado do Sul ainda sofrem
Eldorado do Sul, a cidade mais atingida pelas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul há seis meses, ainda sofre os impactos da tragédia. O UOL conversou com a prefeita eleita do município, Juliana Carvalho (PSDB), que afirma que a limpeza urbana só acabou há pouco tempo, mas ainda é preciso reconstruir escolas, hospitais e casas da região.
Não é só Eldorado do Sul que continua sofrendo. Em todo o estado, setores como o agronegócio e o comércio tentam se reerguer após a destruição causada pelas chuvas, que tiveram início no fim de abril deste ano - no dia 30 daquele mês, foram registradas as cinco primeiras das 183 mortes causadas pelos alagamentos.
Eldorado do Sul
A cidade de Eldorado do Sul foi uma das mais afetadas pelas enchentes. Em 7 de maio, a cidade de 40 mil habitantes foi completamente evacuada e o prefeito, Ernani de Freitas (PDT), disse que a água alagou 100% do centro da cidade. Pessoas foram transportadas de ônibus, helicópteros e caminhões.
Eldorado do Sul foi a cidade mais atingida pelas enchentes. Carvalho afirma em entrevista ao UOL que todo território urbano foi tomado pelas águas e que a população ficou sem água, comida, energia elétrica e sinal telefônico, e que a cidade ainda enfrenta os desafios deixados pela tragédia.
Limpeza de entulho acabou há pouco tempo, mas ainda é preciso limpar os bueiros. A reconstrução da cidade ainda não começou, diz Carvalho. A prefeita eleita afirma que há postos de saúde e escolas completamente destruídos, que prédios públicos estão comprometidos e que o efetivo da Brigada Militar teve de deixar a cidade, por não ter onde ficar. A Polícia Civil está instalada em uma sala provisória na Prefeitura, assim como os bancos, que estão operando em contêineres no pátio do prédio municipal.
Tudo está bem destruído. Eldorado foi a cidade mais destruída proporcionalmente, porque todo território urbano foi destruído pela água. Não sobrou nada e ninguém escapou.
Juliana Carvalho, prefeita eleita de Eldorado do Sul
População voltou para a cidade em condições precárias. Há famílias morando em casas com paredes de tijolos, outras em imóveis de madeira com metade desabada. "Elas moram no que sobrou das casas, bem precário", afirma Carvalho.
Prefeitura começou transição de governo nesta semana. Carvalho diz que está reunindo dados e analisando o que já está planejado para a reconstrução da cidade. A partir disso, afirma que vai criar um plano de ação para refazer Eldorado do Sul.
Recuperação lenta
Enchentes atingiram o estado no final de abril deste ano. O setor de serviços foi um dos mais prejudicados. Luiz Bohn, presidente da Fecomércio-RS, afirma que houve uma queda nos serviços em todo o estado de 11,8% nos últimos 12 meses, com impacto no turismo.
A falta do aeroporto impactou demais o turismo, principalmente para as regiões da Serra. Nas zonas afetadas, muitos pequenos negócios não voltaram. Pequenos negócios não conseguem voltar, restaurantes, barbearias. Isso está bastante destruído.
Luiz Bohn, presidente da Fecomércio-RS
O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, reabriu no último dia 21. Ele ficou fechado mais de cinco meses por causa das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.
Transporte pelas estradas está mais difícil desde as enchentes. As chuvas causaram desbarrancamentos e prejuízos nas pistas, o que ainda tem reflexos no dia a dia no Rio Grande do Sul. Pioner diz que um trajeto que antes demorava uma hora está demorando duas horas e meia, pelas condições das estradas. Isso prejudica o transporte de produtos para o comércio e o trânsito de pessoas.
Situação é pior nas cidades mais afetadas pelas enchentes. Ivonei Pioner, presidente da Federação Varejista do RS, afirma que dos 497 municípios gaúchos, 475 foram afetados pelas chuvas. Destes, 123 entraram em situação de emergência e, neste grupo, 95 em estado de calamidade. Alguns locais tiveram devastação total do comércio, segundo Pioner, como é o caso de Sinimbu. Hoje, 60% do varejo conseguiu se reestabelecer, mas há risco que 40% restante não consigam voltar a operar.
Comércio deve voltar a crescer em dois anos. Pioner afirma que, depois desse período, o varejo deve funcionar plenamente no estado, com sinais de crescimento.
Economicamente o que vislumbramos é uma perspectiva de crescimento em dois anos. Fomos lesados demais, nosso desejo de reconstruir acendeu ainda mais. Em dois anos vamos estar a pleno, com sinais de crescimento.
Ivonei Pioner, presidente da Federação Varejista do RS
Ajuda externa foi importante
Recuperação econômica foi beneficiada por entrada de dinheiro. O governo federal autorizou a liberação de recursos, como o FGTS, para calamidade pública para as famílias e restituição do Imposto de Renda antecipada para os trabalhadores das regiões afetadas, para movimentar a economia local. Apesar disso, o estado ainda não conseguiu se reconstruir completamente.
Movimento nacional que estimulava compras de produtos de empresas gaúchas salvou parte do setor. Pioner afirma que isto fez com que o comércio sofresse menos. Nas cidades em que o impacto foi parcial, o comércio foi completamente restabelecido.
Cidade como Lajeado, a economia já está reconstituída no que tange fluxo econômico. Outras cidades como Porto Alegre ou outras que foram menos afetadas, como a Serra Gaúcha, além da questão econômica, uma questão estrutural, de acessibilidade das estradas, que impacta muito na economia. Gramado depende do aeroporto que abriu ontem. 60% dos visitantes de gramado chegam em gramado. Mesmo que não tenha tragédia [ambiental], foi econômica em função da macroeconomia.
Ivonei Pioner, presidente da Federação Varejista do RS
Falta acesso a crédito aos pequenos negócios. Pioner afirma que as empresas que estão voltando a operar estão com muitas dívidas e que, muitas vezes, reabrem com dinheiro próprio, sem nenhum tipo de subsídio. O executivo afirma que o endividamento das pequenas empresas aumentou, já que normalmente não têm tanto acesso a crédito subsidiado.
Alguns setores tiveram crescimento após enchentes. A venda de combustíveis aumentou como reflexo do aumento de tempo para realizar viagens pelas estradas do estado e materiais de construção também, pela necessidade de itens para reconstruir as cidades afetadas.
Varejo ampliado cresceu 7,6%, segundo Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS. Categoria inclui produtos como motos, automóveis e materiais de construção. Como a população perdeu muitos bens, a destruição provocou a recompra destes itens.
Agricultura
Produtores rurais ainda enfrentam dificuldades causadas pelas enchentes. Antonio da Luz, economista-chefe da Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul), afirma que o estado sofreu duas estiagens após as chuvas excessivas, o que prejudicou ainda mais a agricultura.
Produtores ficaram com dívidas altas no curto prazo. Ao pegar dinheiro para os custeios, a pessoa planta, colhe e faz o pagamento dos débitos com o montante que entra das vendas. Para Luz, o pior não é o tamanho da dívida, mas o perfil, que faz com que os produtores paguem altos juros.
Luz afirma que pediram ao governo para criar uma linha de crédito. O pedido foi feito em 7 de maio e linha foi criada em 11 de outubro. Segundo Luz, recursos acabaram em 10 minutos e foram insuficientes.
Hoje temos um contingente de milhares de produtores que não têm condições de plantar, porque não têm acesso ao dinheiro. Tem um montante [dívida] de curto prazo para pagar.
Antonio da Luz, economista-chefe da Farsul
Apesar das dificuldades, não haverá desabastecimento. Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos no mundo e, segundo Luz, quando há problemas na produção, há redução na quantidade de itens que vai para fora do Brasil, não para o mercado interno. O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz, por exemplo.
Área plantada deve ser igual, mas com menos dinheiro disponível. "A área plantada vai acontecer, mas vamos ver uma concentração de produtores mais bem capitados [plantando], e outros vão plantar com tecnologia baixíssima", afirma Luz.
Tragédia no RS
Rio Grande do Sul enfrentou a pior enchente no estado desde 1941. O alerta de chuva forte começou em 21 de abril. No dia 27 de abril, Canoas, Novo Hamburgo e Porto Alegre registram os primeiros alagamentos. Três dias depois, Sebastião Melo (MDB), prefeito de Porto Alegre, anunciou a abertura dos primeiros abrigos na cidade, foram registradas as primeiras mortes por causa da chuvas e o Governo do Estado montou um gabinete de crise.
Guaíba subiu quase quatro metros em cinco dias. Na tarde do dia 30, o nível era de 1,4 metros. Acima de 2 metros, o Guaíba transborda, e já havia essa expectativa pelos recordes de cheias em seus rios contribuintes. O Guaíba bateria 4,3 metros em 3 de maio, alcançando a marca de 5,30 metros dois dias depois.
Estado decretou calamidade pública. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), decretou estado de calamidade pública na noite de 1º de maio, com prazo de 180 dias. As chuvas e enchentes foram classificadas como desastres de nível 3, "caracterizados por danos e prejuízos elevados". Todo o estado foi colocado sob alerta de inundação ou inundação severa.
Perdas das enchentes
Chuvas causaram 183 mortes. Enchentes tiveram impacto econômico de R$ 87 bilhões. É o que mostra um estudo realizado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Banco Mundial e Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), divulgado em setembro pelo presidente do BID, Ilan Goldfajn.
Prejuízo é quase 2% do PIB. "Se você quiser avaliar o impacto de um ano, isso representa um impacto de 1,8% do PIB só em 2024", disse Ilan, na época. Outro estudo mostra que 53% das famílias residentes do RS perderam bens materiais. Este dado é dos Cartórios de Protesto do Rio Grande do Sul. Para um em cada quatro (24%) consumidores, a tragédia levou tudo o que tinha, sobrando apenas as paredes e telhado.
A Farsul estima que o agronegócio gaúcho pode ter perdido cerca de R$ 4 bilhões pelas enchentes. Expectativa é de que leve ao menos uma década para a normalização do cenário. Um relatório técnico feito pela Emater/RS - Ascar mostra que mais de 206 mil propriedades foram afetadas, atingindo casas, galpões, armazéns, silos, estufas e aviários nas áreas rurais.
Foram prejudicados 48.674 produtores nas culturas de grãos como arroz, milho, e feijão. Em relação à soja, a área afetada pelo evento está estimada em 1.490.505 hectares, e as perdas de produção são de 2.714.151 toneladas.
Setor habitacional foi o mais afetado. Segundo a CMN (Confederação Nacional de Municípios), as chuvas causaram prejuízos de R$ 13,3 bilhões, sendo R$ 4,7 bilhões no setor habitacional — com 113,6 mil casas danificadas ou destruídas. O setor público responde por R$ 2,6 bilhões. O privado, por R$ 6 bilhões, sendo R$ 4,9 bilhões em prejuízos relativos à agricultura e R$ 514,8 milhões à pecuária. O levantamento da CMN é do dia 16 de agosto.