Como o avanço da inteligência artificial deve elevar uso da energia nuclear
Bárbara Muniz Vieira
Colaboração de Ottawa, no Canadá
04/11/2024 05h30
Você sabia que uma pergunta feita ao ChatGPT usa, em média, 10 vezes mais energia elétrica do que uma busca no Google? E que o consumo de energia de data centers na Irlanda chegou a 18% do total do consumido no país em 2022? De acordo com dados da IEA, a Agência Internacional de Energia, a demanda de eletricidade para desenvolvimento e implementação de tecnologias de Inteligência Artificial (IA) está explodindo o consumo dos data centers em todo o mundo. Para suprir essa necessidade, big techs como Amazon, Google, Meta e Microsoft já anunciaram que pretendem utilizar energia nuclear.
Uso de energia já é altíssimo
Atualmente, estima-se que data centers são responsáveis por 1% a 1,5% em média do consumo de energia mundial, segundo a IEA. Nos Estados Unidos, terra das big techs, o consumo dos data centers representam 4% do consumo mundial e na China, 3%.
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Com o avanço de novas tecnologias e a necessidade de um poder de processamento cada vez maior, esse número deve dobrar até 2030. Só nos Estados Unidos, o consumo dos data centers deve chegar a 9% da energia produzida até lá.
O número de usuários da internet em todo o mundo mais que dobrou desde 2010, e o tráfego global da internet aumentou 20 vezes. Só essa elevação da demanda, somada a tendências como a mineração de criptomoedas, já seria suficiente para acender o alerta do consumo de energia, mas a IA levou as coisas para outro patamar. Na Dinamarca, por exemplo, o uso de energia dos centros de dados está projetado para crescer seis vezes até 2030, representando quase 15% do uso de eletricidade do país.
Gigantes da tecnologia já estão se mexendo
O consumo de energia da Amazon, da Microsoft, do Google e da Meta mais que dobrou entre 2017 e 2021. As quatro empresas gastaram sozinhas 72 TWh em 2022, ou seja, 1 trilhão de watts por hora, o suficiente para alimentar milhões de residências ao longo de um ano.
A saída na qual as big techs estão apostando é a energia atômica. Um terço das usinas nucleares dos Estados Unidos tem discutindo acordos com empresas de tecnologia para fornecer eletricidade para centros de dados, de acordo com uma reportagem de julho deste ano do Wall Street Journal.
A Microsoft anunciou em 20 de setembro que reabrirá sua usina nuclear na ilha Three Mile, na Pensilvânia (EUA), A empresa também investe em uma nova tecnologia de reatores. O local é conhecido por ter sido palco de um dos piores acidentes nucleares da história americana.
O Google não ficou atrás e anunciou um acordo para usar energia produzida por pequenos reatores da empresa Kairos Power, sediada na Califórnia. Até o fim da década, 500 MW (megawatts) de energia livre de carbono 24 horas por dia estarão disponíveis para as redes de eletricidade dos EUA.
A Amazon comunicou um investimento de US$ 500 milhões no desenvolvimento de pequenos reatores. A empresa deve fechar um acordo para usar eletricidade da Constellation Energy. A companhia pretende montar seu centro de dados ao lado da usina nuclear da empresa na Pensilvânia.
Preocupações ambientais
Apesar dos temores de desastres ambientais, a energia atômica é mais limpa que várias outras formas de geração. Durante a operação normal, as usinas nucleares praticamente não emitem dióxido de carbono ou outros gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global. Isso a coloca ao lado de outras fontes de energia limpa, como solar, eólica e hidrelétrica.
Usinas nucleares geram muita energia em instalações pequenas. Isso porque se retira bastante eletricidade de quantidades reduzidas de urânio (minério mais utilizado nesse tipo de produção), o que torna a atividade bastante eficiente em termos de espaço e recursos.
Porém, a energia nuclear ainda enfrenta resistência por causa dos riscos de segurança. Entre os casos clássicos estão os acidentes em Three Miles Island, na Pensilvânia, Estados Unidos, em 1979, considerado o mais grave desastre nuclear da história do país, embora não tenha causado mortes; e Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, quando cerca de 30 trabalhadores e bombeiros morreram diretamente. Os efeitos da radiação causaram milhares de mortes a longo prazo devido a câncer e a outros problemas de saúde. A área ao redor da usina ucraniana permanece inabitável.
Questões como regulação do setor e rejeitos do processo são os principais desafios para o avanço das usinas nucleares. O debate está longe de acabar, porém especialistas acreditam ser difícil descartar esse tipo de geração a longo prazo.
Emissões de CO2 e demais impactos
Essa tendência de elevação do consumo de energia preocupa os ambientalistas. Eles veem que esse crescimento levará a um aumento ainda maior nas emissões de CO2 e no consumo de água.
Atualmente, os centros de dados e as redes de transmissão são responsáveis por 1% das emissões de gases de efeito estufa relacionadas à energia. Os dados são do Relatório Científico Internacional sobre a Segurança da IA Avançada, publicado em maio deste ano.
Graças às melhorias na eficiência energética, desde 2010 as emissões destes sistemas cresceram modestamente, apesar da crescente demanda por serviços digitais. No entanto, para cumprimento de metas globais, as emissões precisam cair pela metade até 2030.
Alguns pesquisadores preveem que o consumo de água pela IA possa subir para bilhões de metros cúbicos até 2027. Usada na geração da energia que abastece data centers, no resfriamento dos equipamentos e na fabricação de chips e servidores, o consumo de água também é uma preocupação do relatório, já que a escassez de água doce é global e não existem alternativas óbvias de resfriamento a curto prazo.
Como driblar a falta de energia
A falta de energia pode inviabilizar as inteligências artificiais. Várias empresas líderes no desenvolvimento de IAs de uso geral estão apostando que vai ser necessário cada vez mais eletricidade para dar conta do aprimoramento dessas tecnologias.
Se as tendências recentes continuarem, até o final de 2026, alguns modelos de IA de uso geral serão treinados utilizando de 40 a 100 vezes mais poder de computação do que os modelos mais "esbanjadores" de 2023. Por outro lado, também devem entrar nessa conta métodos de treinamento que utilizam energia de forma mais eficiente. Ou seja, gastando menos.
Aumentar o desempenho por watt é um dos desafios do setor, diz relatório. Nada que as grandes empresas de tecnologia já não estejam acostumadas: a eficiência energética da computação geralmente melhora em aproximadamente 26% anualmente, mostram dados do setor.
E como estão o Brasil nessa história
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, declarou em agosto que o país precisa terminar as obras da usina de Angra 3 para a energia para atender às cargas extras dos data centers. "O destino da energia com os data centers e com a inteligência artificial é a nuclear, que é firme", disse ele.
Segundo o ministério, já é nítido o aumento no uso de eletricidade dos data centers. Em nota, o ministério disse que, em conjunto com a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), "tem trabalhado para garantir que a infraestrutura elétrica acompanhe essa transformação digital, oferecendo condições ideais para novos investimentos".