Se Trump deportar 7,5 milhões, inflação nos EUA explode, diz Campos Neto
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta terça-feira, em evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que a concretização de medidas de deportação de imigrantes nos Estados Unidos, aventadas pelo presidente eleito do país, Donald Trump, tem o potencial de fazer "explodir" a inflação norte-americana.
Citando estudos do Banco Central, Campos Neto mencionou que a estimativa é de um acréscimo de três pontos porcentuais na inflação dos Estados Unidos caso ocorra a deportação de cerca de 7,5 milhões de imigrantes nos EUA. "Isso é o adicional de inflação, depois essa pressão 'volta'", contemporizou.
Em relação ao cenário fiscal norte-americano, o presidente do BC pontuou que, com Trump, a tendência é que a dívida do país, que já cresceu muito, deva continuar aumentando.
Desinflação no mundo
Campos Neto reforçou que o grande questionamento atual no mundo é qual será o vetor desinflacionário à frente. Ele lembrou que a desaceleração recente na alta dos preços globais foi muito puxada pelos bens industriais, mas que neste segmento a inflação parou de cair e, como a inflação de serviços segue estabilizada em nível alto, há dificuldade para garantir a convergência às metas.
"Se temos inflação de serviços mais ou menos estabilizada entre 4,5% e 5%, precisaríamos que os bens continuassem caindo", disse, ao lado do presidente da ACSP, Roberto Ordine, e do deputado federal Danilo Forte (União-CE).
Campos Neto pontuou novamente que a inflação segue bastante pressionada ao redor do mundo, o que não é diferente nos países emergentes, como o Brasil.
Questão fiscal
Durante sua fala, o presidente do BC voltou a chamar a atenção para a questão fiscal, apontando para o crescimento da dívida da maioria dos países no mundo, que remonta ao contexto dos gastos com a pandemia de covid-19.
Ele também destacou que, diferentemente do contexto de antes da pandemia, o cenário agora é de juros mais altos no mundo todo, o que também encarece o custo da dívida. "Saímos de juro médio de 0% para 3,2%, 3,3%", disse.
Crescimento do PIB
O presidente do Banco Central também disse que discorda da avaliação de que o forte crescimento da economia brasileira nos últimos anos é resultado apenas do impulso fiscal.
"Acho que tem um componente que é fiscal, mas tem um componente que foi o efeito das reformas cumulativas que nós fizemos nos últimos anos", comentou o banqueiro central, citando que houve avanços na desburocratização da economia e aumento da liberdade na economia, por conta de medidas como a aprovação do marco do saneamento básico.
"Tem um pedaço que é mais estrutural, e muita gente está revisando o crescimento estrutural brasileiro para cima", complementou.
Inflação
Em relação ao comportamento da inflação no país, Campos Neto lembrou que os preços vinham desacelerando, com a inflação se aproximando das metas, mas que esse movimento parou de acontecer. "A gente tinha alguns indicadores antecedentes que mostravam que teríamos um desafio grande, principalmente na inflação de serviços", detalhou.
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Quero receberNesse sentido, Campos Neto frisou que essa percepção de piora na inflação não é uma avaliação apenas dos "malvados da Faria Lima", mas que também acontece entre economistas e agentes da "economia real". "É interessante que o mundo real é até mais pessimista na percepção", disse.
6x1
Ao comentar sobre o mercado de trabalho, Campos Neto voltou a se posicionar contra o fim da escala 6x1, que, segundo ele, vai contra os avanços alcançados com a reforma trabalhista e demais mudanças que garantiram mais liberdade econômica.
"Países que têm relação de trabalho mais flexíveis tendem a ter desemprego mais baixo, então eu acho que você voltar atrás nisso, não vai ser bom para o empregado", afirmou o presidente do BC.
Prêmio de risco
Campos Neto disse ainda que o prêmio de risco alto que se coloca sobre o Brasil hoje decorre da desconfiança da capacidade do país de equilibrar sua dívida pública. "A gente hoje vive uma elevação do prêmio de risco que está muito ligada a uma desconfiança dos agentes de que o governo não vai conseguir, no longo prazo, equilibrar o resultado fiscal do País", disse.
Ele citou ainda que, diferentemente de outras nações, que passam pelo mesmo problema de não conseguir gerar superávits primários, o "ponto de partida" da dívida brasileira já era maior. Isso, aliado ao fato de o Brasil ter uma carga tributária elevada, contribui para a questão do prêmio de risco elevado.
Ao comentar sobre a dinâmica e os efeitos da política fiscal, Campos Neto detalhou que, às vezes, um fiscal expansionista, com intuito de estimular a economia pode, na verdade, ter um efeito contrário, justamente pela questão do prêmio de risco.
"Se o mercado tiver um entendimento de que o fiscal está desequilibrado, você pode ter o efeito reverso, ou seja, eu faço um pacote fiscal tentando fazer a economia crescer e o efeito é uma contração econômica. Porque o elemento prêmio de risco que atua sobre a disposição das pessoas de gastar e investir acaba sendo maior do que o dinheiro que está sendo colocado em circulação no curto prazo", disse.
Campos Neto avaliou ainda que, caso ocorra um cenário de forte desaceleração da economia global, em um contexto como o atual, em que as dívidas já estão crescentes, a margem de manobra dos BCs ao redor do mundo tende a ficar limitada. Isso porque, segundo ele, os governos provavelmente apostariam na expansão fiscal para estimular a economia. Assim, os BCs elevariam juros, mas em um momento em que a dívida pública está crescente, e o próprio custo da dívida aumentaria ainda mais.
Dominância fiscal
O presidente do Banco Central voltou a afirmar que a política monetária não se encontra sob dominância fiscal. Ele disse que há duas vertentes no conceito de dominância fiscal - processo em que um cenário fiscal ruim se sobrepõe à política monetária a ponto de tirar sua eficácia -, mas que no final levam ao mesmo lugar.
De acordo com Campos Neto, uma vertente se dá porque, quando a taxa de juros é elevada, a dívida cresce. Então, por esta perspectiva, a incidência dos juros sobre a dívida faz com que o fiscal piore. Com o fiscal piorando, gera-se uma percepção de compensação através de inflação no futuro.
"Então o instrumento que deveria ser usado para cair os juros faz com que a percepção dos juros, vamos dizer assim, seja contrária ao que deveria", disse.
Outro ponto é quando a subida dos juros não tem eficiência. Neste caso, os canais de transmissão da política monetária não funcionam, porque existem outros elementos que fazem com que o efeito da política monetária não se realize.
"Eu não acho que a gente está em dominância fiscal, eu acho que o Brasil tem uma dívida alta, sim; outros países do mundo desenvolvido tiveram dívidas mais altas, passaram pelo mesmo questionamento se tinha ou não dominância fiscal, então eu não vejo a dominância fiscal como um problema. É difícil para a gente trabalhar com suposição, o que eu acho que a gente precisa, agora, é entender que o mundo está muito endividado; o Brasil partiu com uma dívida mais alta, a gente precisa fazer um controle nisso", disse Campos Neto.
Para ele, o controle da dívida a ser feito tem que afetar a expectativa porque, quando a expectativa do fiscal melhora, a da inflação melhora também.
"Então a gente precisa ter algum tipo de choque positivo que faça com que os agentes econômicos tenham a percepção de que a dívida vai se equilibrar em algum momento na frente. Isso tem se traduzido no que a gente pega de informação, das pesquisas econômicas que o Banco Central faz e nas conversas com agentes do mundo financeiro e do mundo real", afirmou o banqueiro central, emendando que isso tem se traduzido em uma percepção de que o choque precisa fazer pelo lado dos gastos e pelo lado da receita, que está um pouco exaurido.
Corte de gastos
Ainda, de acordo com o presidente do BC, o Brasil tem uma carga tributária muito alta e algumas coisas que são difíceis de serem mexidas.
"Por isso a grande expectativa hoje é como vai ser o ajuste, que deve ser anunciado em breve. A gente reconhece que o governo tem feito um esforço enorme, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito um esforço enorme, mas a gente precisa ter um anúncio que gere esse impacto positivo, porque no final das contas não é o fiscal que afeta a política monetária diretamente, é a expectativa de que o fiscal vai gerar uma dívida equilibrada na frente. Então a gente precisa que essa expectativa se realize", disse Campos Neto.
Ele reforçou que o sistema trabalhado pelo BC é o de metas, que é muito gerado com base nas expectativas, tanto na parte monetária quanto na parte fiscal.
Com informações de Estadão Conteúdo.
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