'Vem comigo passar 2h no ônibus?': eles fazem sucesso como blogueiros CLTs
Esqueça a ostentação: agora, influenciadores fazem sucesso nas redes sociais mostrando rotinas "realistas" em empregos CLT.
O analista de compras Bruno Aquino, 28, acorda às 4h30 em Guaianases, bairro na zona leste de São Paulo. O dia a dia pesado, que termina só depois da meia-noite, rendeu quase 1 milhão de visualizações em apenas um vídeo que ele fez para as redes sociais.
Nas imagens, aparece espremido em viagens de ônibus e metrô até o escritório, mostra a marmita na hora do almoço e o crossfit nas horas vagas. Ele costuma dormir só de madrugada para conseguir conciliar tudo.
"Vem comigo passar duas horas no ônibus?", diz, em um vídeo aos seus seguidores enquanto mostra o transporte até o trabalho.
"Comecei dublando alguns áudios, postando conteúdos de receitas, e decidi gravar a minha rotina por volta de março de 2023. De lá para cá, não parei, fui aperfeiçoando as edições e postando com mais frequência. Meus amigos e família me incentivaram a gravar todo dia", conta ele ao UOL.
Flávia Akemi, 32, também decidiu incluir a rotina "normal" em seu conteúdo após um tempo dedicada à moda.
Formada na área, ela criou um Instagram para compartilhar suas dicas e, assim como foi com Bruno, passou a falar do dia a dia como mais uma "editoria" dentro dos seus perfis —e faz muito sucesso entre os seguidores.
"A ideia do vlog surgiu porque eu estava numa semana em que tinha um evento do meu trabalho CLT e também um evento do meu trabalho de blogueira. E aí resolvi mostrar. Sou publicitária e trabalho como criadora de conteúdo, meio que vivo os dois mundos. E foi super bem, a galera gostou", lembra.
Em um caminho diferente, Isabella Rotta, 24, começou a criar conteúdo há um ano, sempre focada em vídeos de rotina. Inspirada por uma blogueira estrangeira, ela postou o primeiro vlog já com a proposta "um dia comigo, pessoa comum".
E não é que a vida de uma pessoa comum chamou atenção? Isabella tem vídeos que já chegaram a 700 mil visualizações e mantém uma média alta, de cerca de 100 mil.
Moradora de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a jovem trabalha com marketing e acredita que a identificação foi a chave de seu sucesso. Hoje, ela tem mais de 140 mil seguidores.
No meu dia não tinha nada de extraordinário, era basicamente eu pegando o ônibus, no trabalho, almoçando minha marmita, ônibus de volta para casa, então é uma rotina que gerou muita identificação com o pessoal do TikTok.
Isabella Rotta, influenciadora e funcionária CLT
Flávia também acredita que a proximidade com o público ajuda no trabalho, apesar de ela seguir uma rotina um pouco diferente por ter o benefício de trabalhar de casa.
"O meu vlog às vezes mostra mais os eventos de blogueira do que a rotina CLT, porque eu vou para a agência só duas vezes por mês. Então, não tem aquela coisa de se arrumar, botar um look de trabalho e tal."
Como conciliar os vídeos com a escala 5x2?
Para quem é CLT, o dilema da produção de conteúdo também é encontrar tempo para se dedicar às postagens.
Isabella aproveita as pausas no trabalho e momentos de (suposto) descanso para editar ou gravar novos conteúdos. Os vlogs de rotina exigem em média três horas de edição. Já os vídeos fora do nicho, como recebidos de beleza, levam até seis.
"Quando estou trabalhando de casa, eu como em cinco minutos na hora do almoço e gravo um vídeo sobre algo que estavam me pedindo muito, por exemplo: 'Isa, mostra sua maquiagem'. Faço um vídeo sobre isso. É desafiador, com certeza. Quem tem tempo de ficar 5, 6 horas, sentado e editando? Eu não tenho. Então vou aos poucos, às vezes demoro dias para editar um único vídeo."
Apesar da demora maior para terminar os posts, a jovem afirma que já está acostumada e que não encara a rotina como algo "maçante". Ela diz que produzir conteúdo, em si, traz uma liberdade que torna tudo mais fácil.
"Claro que a parte de editar toma bastante tempo, mas não é algo que para mim é difícil. A gente sabe que a produção de conteúdo é um trabalho que é fácil, entre aspas. Posso fazer o trabalho deitada na cama, no conforto de casa, o que toma é o tempo mesmo. E aí o maior desafio é arrumar espaços onde eu consiga parar e fazer."
Já Bruno, que tenta postar os vídeos quase em tempo real, sacrifica o sono para conseguir editá-los.
Durante o dia eu vou gravando e deixo para editar em casa antes de dormir. Levo mais de uma hora para editar tudo, inserir áudio, cortar, foram inúmeras noites que dormi com o celular na mão, editando vídeo, para não deixar para o dia seguinte. Gosto de postar com bastante qualidade, vale a pena cada noite mal dormida por um bom conteúdo no feed e saber que todos gostaram.
Bruno Aquino
Como separar o lado CLT do lado influencer?
Apesar de o trabalho ser um dos protagonistas dos seus vídeos, Isabella conta que tenta manter uma certa privacidade sobre o que faz no escritório, até para evitar problemas com os chefes.
Parece um pouco estranho, porque eu mostro a minha rotina e apareço no escritório. Mas eu tento muito não mostrar rosto de ninguém, não mostrar a logo da empresa, não falar sobre projetos em que estou envolvida, e eu acho que tem dado bem certo. Gosto de deixar essas duas partes separadas para não me dar nenhum problema também.
Isabella Rotta
Flávia, que tem outros colegas CLT que produzem conteúdo, conta que nunca encarou julgamentos pela vida de blogueira —e inclusive é incentivada, apesar de também manter alguns detalhes em sigilo.
"Eles (os chefes) sabem e são muito legais, mas acho que sou cuidadosa com as coisas que mostro. Mostro muito pouco, na verdade. Inclusive, uma amiga até me disse: 'ah, você devia mostrar mais, falar do que você faz.' Mas eu trabalho com marcas grandes, tem muitos dados confidenciais, então mostro a rotina, mas não a tela do computador."
Já Bruno, que trabalha há 3 anos na mesma empresa, conta que seus chefes até pediram para aparecer nos vídeos e gostam que ele grave os eventos que acontecem no escritório.
Gosto de mostrar meu dia completo, sem poupar detalhes, o público que me acompanha gosta de ver tudo. A única restrição mesmo é gravar outros setores que não o meu.
Bruno Aquino
O sonho é virar influenciador em tempo integral?
Questionados se têm vontade de trabalhar apenas com a internet, os influenciadores entrevistados pelo UOL mostraram visões diferentes.
Isabella diz que enxerga essa possibilidade, mas exatamente pelo seu nicho ser sobre sua rotina como CLT, não é algo em que ela pensa a curto prazo.
"Preciso começar a fazer uma migração de conteúdo, incluir outros no meu perfil. Mas as meninas que me seguem são muito parceiras e gostam muito de me acompanhar, acho que isso não vai ser um grande problema. Se for bem feita essa transição de conteúdo pode dar muito certo."
Já Bruno confessa que sonha em ser blogueiro em tempo integral, para poder diversificar mais o que produz.
"Como eu não tenho o dia todo para gravar conteúdos diversos, uni o útil ao agradável e passei a gravar aqui dentro do trabalho, junto com a minha rotina. Venho ganhando bastante visibilidade e acredito que estou no caminho certo. Está longe, tenho ciência disso, mas não é impossível."
Apesar de encarar a nova carreira como "uma das possibilidades", Flávia diz que só se aventuraria 100% pela internet com muito planejamento.
"Teria que ter um planejamento financeiro, estratégico, porque sou uma influenciadora pequena, não tenho contratos enormes. Também dá para trabalhar como influenciadora e às vezes ter uma rotina um pouco mais flexível, trabalhando como freelancer e tudo mais. Mas ainda não tenho nenhum plano, tem coisas que quero conquistar no CLT."