Para o agro, 2024 foi ano de seca recorde, conta de luz mais alta e perdas
O Brasil sofreu em 2024 com uma seca recorde, com quatro a cada cinco municípios atravessando a estiagem. A falta de chuvas deixou as contas de luz mais caras e afetou a produtividade da agropecuária brasileira - com impacto direto no PIB (Produto Interno Bruto) do país. O pior, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL, é que a escassez hídrica deve ser cada vez mais comum daqui em diante se a preservação de alguns biomas não for levada a sério imediatamente.
O que aconteceu
Seca atinge todos os estados. O ano de 2024 se destaca como aquele com o maior número de municípios com mais de 80% de suas áreas atingidas pela seca, de acordo com uma nota técnica recente do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
Principais rios secaram. Além disso, por causa da falta de chuvas, a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) decretou no fim deste ano, pela primeira vez na história, "estado de escassez hídrica" nas cinco grandes bacias hidrográficas do país.
A importância da água no campo
O agronegócio é um grande consumidor de água e sofre muito com sua escassez. Usada principalmente para irrigar as plantações e garantir a produtividade de culturas como soja, milho, arroz, cana-de-açúcar, algodão, café, entre outras. A irrigação é essencial em áreas com baixa pluviosidade ou em períodos de seca.
Parou de chover principalmente onde não podia. A falta de chuvas no Centro-Oeste, região brasileira onde se concentra mais de 40% da produção nacional de grãos pode afetar a economia brasileira, de acordo com a pesquisadora Ana Paula Cunha, do Cemaden.
Na região Centro-Oeste, incluindo o Pantanal e parte do Cerrado, os impactos são significativos, com destaque para o aumento do risco de propagação de incêndios (que têm causa antrópica), a redução da produção agrícola - especialmente em casos de seca prolongada durante a estação chuvosa - e a queda nos níveis dos principais rios, afetando a navegabilidade e outros usos hídricos.
Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.
A pecuária também consome grandes volumes de água. Atividades como abastecimento de bebedouros, limpeza de instalações e currais e produção de forragens e rações usam água. Além disso, muitas indústrias agropecuárias, como as de laticínios, abatedouros e processadoras de grãos, utilizam água em seus processos industriais.
A falta de chuvas pode reduzir o PIB?
A resposta é sim. Atualmente, o agronegócio brasileiro representa cerca de 21,8% do PIB do país em 2024, de acordo com a Cepea/Esalq/USP-CNA, responsável pelo cálculo.
Mudança no clima ajuda a explicar a seca recorde. Um dos impactos mais importantes das mudanças climáticas no Brasil é a redução da precipitação de chuvas na Amazônia e também no Brasil Central, particularmente na região do Cerrado, de acordo com Paulo Artaxo, especialista em mudanças climáticas do Instituto de Física da USP. Ele destaca que essas mudanças climáticas já acontecem atualmente.
Isso não é previsão para o futuro: é uma realidade presente. Temos uma queda já pronunciada de disponibilidade hídrica para o Brasil Central. Isso certamente vai trazer dificuldades para a produtividade do agronegócio brasileiro, porque existem limites na capacidade de adaptação e você pode apelar para irrigação, mas evidentemente isso aumenta o preço dos produtos e reduz a competitividade da nossa produção no mercado internacional.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP
Ainda há uma saída
O que pode ser feito? De acordo com o professor Paulo Artaxo, o agronegócio tem de ter como prioridade a preservação da floresta amazônica. Isso porque a umidade da floresta é o que proporciona chuvas na região central e Sudeste do Brasil, um fenômeno conhecido como rios voadores.
Uma das questões mais importantes para a sobrevivência do agronegócio a médio prazo é preservar a região amazônica, preservar os serviços ecossistêmicos, e em particular a preservar as florestas primárias, que são a fonte do vapor d'água que, na verdade, irriga o agronegócio brasileiro. Então, isso deveria ser uma prioridade máxima do agronegócio: trabalhar pela preservação da floresta amazônica.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP
Como isso afeta meu bolso?
O pagamento acontece na conta de luz. Quando há redução de chuvas, a geração de energia através das hidrelétricas fica comprometida e é necessário ativar as termoelétricas, mais caras e que precisam ser pagas pelos consumidores. A explicação é de Pedro Côrtes, especialista em meio ambiente do Instituto de Energia e Ambiente, da USP.
O estudo do Cemaden mostra que a escassez hídrica tem se ampliado e já se materializa, por exemplo, no bolso dos consumidores. A redução da quantidade de água que chega em usinas hidroelétricas (o chamado volume afluente) na região central do país tem levado ao uso mais frequente da geração termoelétrica, que se constitui na fonte mais cara de geração de energia elétrica. Esse custo é repassado aos consumidores em suas contas de luz. Já estamos pagando pela escassez hídrica.
Pedro Côrtes, professor do Intituto de Energia e Ambiente da USP
Por que chove menos?
As causas da seca resultam de uma combinação de fatores, incluindo a variabilidade climática natural e a mudança climática motivada pelo homem. Essas duas forças operam em diferentes escalas espaciais e temporais, de acordo com o Cemaden.
Esses fatores provocam alterações no regime de precipitação e contribuem para o aumento das temperaturas médias e na redução das chuvas. Especificamente no Centro-Oeste, fenômenos como o El Niño e La Niña também podem impactar a incidência de chuvas.
Nos últimos anos, a ocorrência de bloqueios atmosféricos na região central do país tem contribuído para a redução das chuvas. Além disso, as anomalias de temperatura nos oceanos Pacífico e Atlântico têm influenciado significativamente os padrões de precipitação no Brasil Central.
Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden
Onde falta água?
De acordo com o estudo do Cemaden, a seca é uma ameaça natural generalizada. O Brasil tem enfrentado eventos de secas de grande magnitude desde a década de 1990, o que tem causado impactos significativos em diversos biomas, incluindo a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado e a Caatinga.
Pela primeira em cem anos, cinco grandes bacias hidrográficas do país decretaram "estado de escassez hídrica". O alerta é da ANA, agência que regula o setor, e inclui as bacias dos rios Madeira, Purus, Tapajós e Xingu, todos afluentes do rio Amazonas, e no rio Paraguai, que banha o Pantanal.
Qual é o impacto da seca para o Brasil?
A intensificação das secas tem provocado crises hídricas de grande magnitude. Os impactos da escassez de chuvas colocam em risco a segurança energética, alimentar e hídrica em diversas regiões do Brasil, de acordo com o Cemaden. Os níveis de água dos rios na Amazônia e no Pantanal atingiram valores excepcionalmente baixos durante os períodos das secas de 2019 a 2021 e de 2023 a 2024.
Em alguns trechos desses rios, o transporte fluvial teve que ser restringido. Isso significa um impacto significativo na mobilidade das populações locais, isolando comunidades indígenas em áreas remotas da Amazônia. No Rio Paraguai, a falta de água comprometeu a navegação comercial, dificultando o escoamento de produtos estratégicos, como soja e minerais, pela Hidrovia-Paraná-Paraguai até o Oceano Atlântico.
Miséria tende a aumentar com a seca. No semiárido do Brasil, onde predomina a agricultura familiar de sequeiro e alta vulnerabilidade socioeconômica, as perdas de produtividade podem levar ao aumento da pobreza, conflitos por terra e à migração em massa para centros urbanos sobrepovoados, de acordo com o Cemaden.
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