Ataque de Trump aos carros elétricos deve baratear veículos no Brasil

Os carros elétricos vendidos no Brasil devem ficar mais baratos após decisão do presidente norte-americano, Donald Trump, de reduzir os incentivos federais para a produção desse tipo de veículo nos Estados Unidos.

O que aconteceu

Trump prometeu acabar com os programas criados pelo antecessor Joe Biden para incentivar as vendas de carro elétrico. "Revogaremos o mandato do veículo elétrico, salvando nossa indústria automobilística e mantendo minha fiel promessa aos trabalhadores [do setor]", disse ele ao tomar posse no último dia 20.

A decisão de Trump deverá aumentar a oferta de carros elétricos chineses no Brasil, reduzindo os preços. "É a lei da oferta e demanda", diz Murillo Torelli, professor de Ciências Contábeis do Mackenzie. Com o mercado americano fechado, explica, as montadoras da China —que lideram o setor— serão obrigadas "a oferecer seus veículos a outros mercados", como o brasileiro. "O volume de carros que essas empresas produzem é maior do que é vendido. Há um estoque muito grande, achatando [reduzindo] os preços", diz.

É possível que os elétricos fiquem mais baratos no Brasil porque as montadoras ofertariam a outros países os carros que deixariam de vender nos EUA: com mais oferta, o preço tende a baixar.
Murillo Torelli, do Mackenzie

O setor também espera que a China aposte mais no Brasil. "As medidas anunciadas por Trump eram esperadas desde sua eleição", diz Ricardo Bastos, presidente da Abve (Associação Brasileira do Veículo Elétrico). "É uma grande oportunidade para o Brasil receber ainda mais investimentos da China, que é o grande oponente da gestão Trump."

Esses investimentos podem até aumentar (...) pois a tendência é que eletrificação continue crescendo no mundo todo e mais ainda no Brasil, com a velocidade que a gente viu em 2024.
Ricardo Bastos, presidente da Abve

No ano passado, as vendas de elétricos e híbridos no Brasil cresceram 88% em comparação com 2023. Foram 177 mil unidades comercializadas contra 94 mil no ano anterior, o equivalente a 8% das vendas de veículos no país.

O Dolphin Mini, da BYD, é um dos carros elétricos mais vendido do Brasil
O Dolphin Mini, da BYD, é um dos carros elétricos mais vendido do Brasil Imagem: BYD | Divulgação

Se o carro elétrico ficar barato demais, porém, o aumento das importações pode atrapalhar o início da produção no Brasil. O jeito, diz Torelli, será aumentar as alíquotas de importação para obrigar a instalação de montadoras no país. Hoje, esse imposto é de 18%.

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A previsão é que o Brasil comece a fabricar carro elétrico ainda este ano. A partir do segundo semestre, a chinesa GWM pretende fabricar 25 mil veículos por ano em sua fábrica em Iracemápolis, interior de São Paulo, enquanto a também chinesa BYD promete iniciar a fabricação já no primeiro semestre. Sua montadora em Camaçari, na Bahia, será a maior da empresa fora da China, com capacidade de produzir de 150 mil a 300 mil unidades.

Fábrica da GWM em Iracemápolis (SP)
Fábrica da GWM em Iracemápolis (SP) Imagem: Divulgação

Trump quer o mesmo

Atrair montadoras chinesas pode ser uma das razões por trás das canetadas de Trump contra o carro elétrico. "Parece uma burrada espantar a importação desses carros, mas a intenção pode ser a de obrigar que empresas chinesas construam suas fábricas nos Estados Unidos", diz Torelli. O professor de cursos automotivos na FGV (Fundação Getúlio Vargas), Antônio Jorge Martins, concorda. "Trump quer atrair montadoras, aumentar a fabricação de carros e melhorar os índices de emprego", diz ele, que é coordenador dos cursos de MBA da Fundação.

O recado de Trump para seu o eleitor americano é: 'vamos reindustrializar os EUA e gerar empregos no país'. Não acho que a ideia seja abandonar uma nova tecnologia.
Murillo Torelli

Enquanto montadoras chinesas dominam o mercado, as americanas e europeias precisam correr contra o tempo. "Os produtores europeus estão desesperados porque podem pagar multas se não fizerem a transição a tempo", diz Martins. "Trump quer postergar a adoção dessa tecnologia para permitir um ingresso mais suave do mercado americano."

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Trump assina decretos no Salão Oval após tomar posse; textos incluem suspenção do financiamento da rede nacional de carregadores de veículos elétricos
Trump assina decretos no Salão Oval após tomar posse; textos incluem suspenção do financiamento da rede nacional de carregadores de veículos elétricos Imagem: Carlos Barria/REUTERS

Ele lembra que as baterias ainda "são um produto crítico, que encarece os veículos". "As empresas têm de incorporar o custo de desenvolvimento no preço do carro, que só vai reduzir quando for criada uma bateria definitiva, o que deve demorar."

Acredito que Trump quer dar tempo para as montadoras tradicionais, como Ford e GM, evoluírem seus veículos elétricos e fortalecerem sua posição nesse mercado.
Antônio Jorge Martins, da FGV

Essa deve ser outra vantagem que, no futuro, o Brasil vai colher. "Depois de adaptadas, GM e Ford devem trazer essa evolução para as fábricas brasileiras", diz Martins.

Os dois professores esperam que o Brasil crie novos tributos sobre as peças que as montadoras precisarão importar para fabricar o carro elétrico por aqui. "Vamos nacionalizar a fabricação, mas continuar importando itens de alta tecnologia, que custam muito? Com os tributos, essas peças precisarão ser fabricadas no Brasil também, alcançando um índice de nacionalização que vale a pena", diz ele.

O Brasil poderá atender não apenas o mercado local, mas também exportar carro elétrico para o mercado regional.
Antônio Jorge Martins

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O que Trump já fez?

Trump tenta por fim à política de Biden para o setor. Em seu mandato, o democrata desembolsou bilhões de dólares e aprovou leis para incentivar a produção de veículos elétricos:

  1. Liberou US$ 1,7 bilhão para ajudar montadoras a converterem suas antigas instalações em plataformas para elétricos;
  2. Concedeu crédito de US$ 7.500 ao americano que decidir comprar um elétrico zero quilômetro e US$ 4.000 a quem optar por um usado;
  3. Enviou US$ 7,5 bilhões para que estados instalassem pontos de recarga nas principais rodovias do país;
  4. Reduziu os limites de emissões de carbono para impulsionar a fabricação de carros elétricos;
  5. Atendeu a pedidos da Califórnia e permitiu a proibição de venda de carros novos movidos a gasolina até 2035 no estado;
  6. Assinou um decreto que determinava que 50% dos veículos novos vendidos em 2030 precisariam ser elétricos, híbridos ou funcionassem a hidrogênio.
Joe Biden e Donald Trump na Casa Branca, onde aconteceu a posse do republicano
Joe Biden e Donald Trump na Casa Branca, onde aconteceu a posse do republicano Imagem: Nathan Howard/Reuters

Com as medidas, a venda de elétricos no mercado americano estaria consolidada em sete anos. Aproximadamente 56% dos carros e caminhonetes novos vendidos em 2032 já seriam elétricos, segundo a EPA, a agência de proteção ambiental americana.

Trump já começou as mudanças. O novo presidente derrubou o decreto que obrigava que 50% dos modelos novos vendidos em 2030 fossem elétricos, híbridos ou a hidrogênio, e suspendeu o financiamento federal da rede nacional de carregadores. Ele também prometeu revogar a autorização para a Califórnia proibir a venda de carros a gasolina e acabar com a redução de impostos a quem limitar a emissão de poluentes ou produzir combustíveis alternativos.

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Não será tão fácil

Trump terá dificuldade em reverter todas as medidas de Biden. É que muitas delas foram estabelecidas por leis que precisam do aval do Congresso para que sejam revogadas. Mesmo com maioria na Câmara e Senado, Trump enfrentará resistência para alterar a Lei de Redução da Inflação (de 2022), que injetou US$ 400 bilhões em projetos de energia limpa, incluindo crédito para veículos elétricos.

Essa lei beneficiou principalmente estados administrados por correligionários de Trump. Cerca de 60% dos projetos foram anunciados em estados republicanos, que receberam 85% dos recursos e geraram mais de 100 mil empregos. Muitos republicanos apoiaram a instalação de novas fábricas de elétricos em estados como Kentucky, Tennessee e Carolina do Sul. A Alliance for Automotive Innovation, que representa o setor, pediu ao Congresso que não tocasse na lei.

A manutenção dessas disposições complementares (...) é fundamental para consolidar os EUA como líder global no futuro da tecnologia e da fabricação automotiva.
Alliance for Automotive Innovation

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