Setor financeiro pede que BC mude dados de juros no rotativo do cartão
Ler resumo da notícia

Associações que reúnem as maiores instituições financeiras e empresas de meios eletrônicos de pagamento brasileiras estão pedindo para o Banco Central mudar a maneira como divulga as estatísticas sobre os juros vigentes no rotativo do cartão de crédito a fim de aumentar a transparência das discussões acerca das taxas.
Essa demanda vem ganhando força enquanto o setor faz um balanço do primeiro ano em vigor da lei que limitou em 100% o montante de juros que pode ser cobrado do cliente que entra no rotativo. O formato das informações que o BC publica acaba atrapalhando a avaliação aprofundada dos efeitos da nova legislação.
O que aconteceu
Em janeiro do ano passado, começou a valer a lei 14.690/2023 (Desenrola Brasil), a qual diz que uma fatura atrasada do cartão de crédito só pode acumular juros no rotativo até dobrar o valor da dívida inicial. Não significa que existe um teto para os juros nominais em si: cada banco cobra quanto quiser, mas, no momento em que os encargos da dívida, em reais, chegam a 100% do montante inicial, não podem aumentar mais. O que a lei limita, então, é o tanto de tempo pelo qual o banco vai poder cobrar os juros que deseja do cliente.
Por causa dos juros compostos (juros calculados sobre juros acumulados de períodos anteriores), quanto mais alta a taxa praticada pela instituição financeira, mais cedo a fatura vai acumular os 100% em reais. Por exemplo, se o banco A cobra juros de 10% ao mês, a dívida do seu cliente dobra em cerca de seis meses e meio. Se o banco B cobra 15% ao mês, a dívida dobra mais cedo, em cerca de quatro meses. No caso do banco A, que cobra 10% ao mês, a taxa anual é de 213,8% — mas o cliente jamais veria a sua dívida multiplicada por 213,8% porque a fatura dobraria em seis meses e meio, ou seja, antes de chegar a um ano seria atingido o limite de evolução estabelecido pela nova lei.
Embora não estabelecesse um limite para os juros nominalmente, a lei tinha como objetivo responder às reclamações da sociedade de que as taxas no rotativo são pesadas demais. Para discutir outras ideias de melhorias no sistema que levem à queda dos juros, em setembro de 2024, um fórum foi criado por cinco associações do setor: Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos), Abranet (Associação Brasileira de Internet), Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e Zetta, de fintechs.
Esse grupo entregou ao BC, no final do ano passado, um conjunto de sugestões que inclui uma mudança na maneira como a autoridade monetária divulga periodicamente os dados referentes às operações de crédito no país. Atualmente, as estatísticas apresentam os juros cobrados de maneira anualizada. O UOL conversou com representantes dessas associações para entender qual é a reclamação; alguns deram entrevista, outros preferiram comentar reservadamente. A crítica que os membros do fórum fazem é que, na prática, como as dívidas no rotativo dobram — e, assim, param de crescer — muito antes de fazerem aniversário de um ano, a média publicada pelo BC dá a impressão de que os encargos que os clientes dos cartões pagam são maiores do que na realidade.
Existe um consenso por parte de todo o mercado de que precisamos de indicadores melhores para poder acompanhar se o juro é um problema ou não. O indicador atual do BC traz uma taxa anualizada, mas o cliente permanece menos de um mês nessa modalidade. Acaba tendo uma distorção daquilo que é comunicado para a realidade. A gente levou isso no ano passado para o Banco Central, que estava avaliando se soltava uma resolução normativa para garantir esses avanços. Estamos na expectativa de que esse dado também saia para ajudar, para que os clientes tenham uma maior visibilidade e possam escolher a instituição de uma forma mais adequada, de acordo com os juros reais cobrados.
Ivo Mósca, diretor-executivo de inovação, produtos e serviços bancários da Febraban
Números que confundem
O site do BC informa que o juro médio no rotativo do cartão de crédito ficou em 450,5% ao ano em dezembro. A taxa mensal equivalente é de 15,27%. Se um hipotético banco C cobra exatamente esses juros, o seu cliente vai ver a fatura dobrar antes de quatro meses e jamais chegará a pagar 450,5% sobre a dívida inicial.
O BC diz que usa a taxa anualizada para deixar claro que não existe um limite para os juros em si. Defende que o mercado é livre para cobrar quanto quiser, e a forma de apresentação das estatísticas é uma questão matemática. Além disso, o valor anual é o padrão internacional para dados de juros, o que permite a comparação com outros países e com séries históricas antigas do Brasil.
Os críticos a esse formato reforçam a reclamação lembrando que, mesmo antes da lei do Desenrola, já havia outra norma que impedia que o cliente ficasse no rotativo por muito tempo. Uma lei de 2017 limita a apenas um mês o intervalo pelo qual se pode usar essa modalidade. Quando o atraso da fatura chega a 30 dias, o banco é obrigado a oferecer ao cliente um parcelamento da dívida a taxas mais baratas.
Transparência na divulgação das informações é super importante. Aproximar mais da realidade das pessoas é fundamental. A lei dos 100% pode não ter tido o efeito esperado, porque o cliente já não ficava tempo suficiente para dobrar a dívida, mesmo que fosse 400% ao ano. Vai ser um mês, vai ser bem menos. Essa questão, diria mais, é também de retórica. Talvez para tentar vender o peixe mais bonito do que ele é. Falar assim: 'Olha, era 400%, agora é 100%, diminuiu 300 pontos'.
Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas)
Segundo membros do fórum das associações, a autoridade monetária recebeu com muitas ressalvas a sugestão da mudança nas estatísticas. Mesmo assim, esperam ter alguma resposta oficial do BC sobre o assunto no primeiro trimestre deste ano.
A gente entende que essas taxas de fato não levam uma informação boa para o público em geral. Mas também compreende por que o Banco Central continua divulgando. Tem uma série histórica que tem que ser preservada. Levamos sugestões ao regulador para criar outra análise. Respeitar a série histórica, mas criar outra análise que demonstrasse efetivamente qual é a taxa de juros que está sendo cobrada no rotativo. Aí, os números cairiam vertiginosamente.
Ricardo Vieira, vice-presidente executivo da Abecs
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.