Como a presidente do México está conseguindo lidar com os ataques de Trump

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Com 62 anos, a primeira presidente eleita no México, Claudia Sheinbaum, tem demonstrado pragmatismo nas relações econômicas com os EUA. Elogiada por interlocutores, Sheinbaum é vista como exemplo pela América Latina de como lidar com os ditames de Donald Trump e na condução da economia. Claudia Sheinbaum foi a pessoa mais votada na história do México ao ser eleita com, aproximadamente, 60% dos votos válidos.
O que aconteceu
Ao longo do mês, o presidente dos Estados Unidos decretou tarifas de 25% sobre as importações de bens e matéria-prima do México e Canadá. Porém, após negociações entre as partes, foi estipulado um período de carência após os países terem se comprometido a aumentar a vigilância de suas fronteiras. O objetivo é evitar o comércio ilegal de armas e drogas, como o fentanil, além do controle migratório.
O narcotráfico gera pressões para sanções para pessoas e empresas mexicanas ligadas ao crime organizado, além de impulsionar medidas de segurança que impactam a fluidez do comércio. Já a imigração, com destaque aos imigrantes centro-americanos que passam pelo México, é frequentemente atrelada às ameaças tarifárias.
Laerte Apolinário, professor de relações internacionais da PUC-SP.
Como o México lida com ameaças dos EUA
No segundo mandato, Donald Trump tem sido mais duro com seus vizinhos. "Em seu primeiro governo, o Trump já se mostrava preocupado com a guerra comercial e de implementar taxas mais duras, mas a discussão, naquele contexto, era mais comercial. Hoje, o discurso tem uma outra dimensão ao dizer que estão roubando os EUA e enfraquecendo o país. Trump assumiu uma dinâmica mais dura que coloca os estados aliados em uma situação de desconfiança entre si", explica o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, Leonardo Paz.
Primeiro, Sheinbaum lidou com bom-humor, mas o jogo mudou. Segundo Paz, existem três reações ao Donald Trump na geopolítica. A primeira, é baseada no confronto e no protesto em relação as medidas impostas pelos EUA. Um exemplo disso foi a reação de Gustavo Petro, presidente da Colômbia, à deportação de imigrantes. Após bravatas trocadas e sanções econômicas sendo anunciadas, a Colômbia voltou a receber os deportados enviados pelos EUA.
Das piadas a atitudes mais enérgicas. "Tem uma segunda abordagem que aconteceu em determinados casos que é um pouco mais jocosa. Quando o Trump falou que iria tomar o canal do Panamá ou mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, o pessoal fez algumas brincadeiras", explica Paz. Nas redes sociais, a presidente do México respondia as provocações de Trump sugerindo que os EUA fossem renomeados como "América Mexicana".
O pragmatismo é a terceira via de negociação. "O tom mais jocoso foi em um primeiro momento, agora não vejo mais isso, porque estamos falando de taxação. Tem acontecido os casos de deportação de uma forma muito radical, com pessoas algemadas, o espaço para esse tom diminuiu. Agora vamos ver uma postura mais dura do México, mas isso não quer dizer que seja uma reação negativa na mídia. Isso vai acontecer pelas vias diplomáticas", comenta Paz.
Claudia Sheinbaum ameaça processar o Google por mudança de nome. Na semana passada, Google e Apple mudaram o nome do local em seus respectivos aplicativos de mapas. A alteração só é válida para os usuários nos EUA. À imprensa mexicana, Sheinbaum anunciou que, se necessário, o México tomará medidas legais contra a gigante de tecnologia.
As big techs estão influenciando a diplomacia tradicional. Para o professor da PUC, Laerte Apolinário, essas diretrizes podem ser interpretadas como declarações políticas. "Essa decisão pode parecer uma decisão interna, mas tem um peso simbólico marcante, porque alimenta aos discursos nacionalistas e tensionando a relação diplomática entre os países", explica.
Como é a relação econômica entre México e EUA?
O México é o principal fornecedor de bens para o mercado consumidor americano. Em 2024, o déficit comercial dos EUA com o México atingiu US$ 172 bilhões, aumentando em 13% em relação a 2023. Esse valor reflete a diferença entre as importações de bens mexicanos pelos EUA, que somaram US$ 475,6 bilhões, e as exportações de bens dos EUA para o México, que totalizaram US$ 303,6 bilhões. "É uma relação extremamente interdependente", sintetiza Laerte.
O Nafta (Tratado Norte-americano do livre comércio) vigorou por quase 30 anos até que Trump desse fim ao acordo. O Tratado, instaurado em 1994, tinha como objetivo integrar o comércio regional entre Canadá e México. Críticos, como Donald Trump, acusavam o acordo de aumentar a dependência regional e diminuir empregos. Em 2020, o NAFTA foi substituído pelo USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá). "O acordo não foi renegociado, mas as tarifas impostas pelo Donald Trump exercem pressão e podem impactar no que foi acordado", explica Paz.
O espaço de livre comércio fez com que o México se tornasse parte complementar da economia americana. O México produz a maior parte dos produtos que os EUA consomem a um preço mais barato. Para poder ficar mais perto do mercado americano, têm vários países que investem no México para poder vender para os Estados Unidos, como a Coreia do Sul.
Leonardo Paz, pesquisador da FGV.
"Nearshoring" é uma estratégia comum entre empresas multinacionais. Para reduzir os custos de produção, empresas transferem seu complexo industrial para um país vizinho mais vantajoso economicamente. O comércio bilateral de bens entre América Latina e Caribe com a Coreia do Sul foi de US$ 56,8 bilhões em 2023, cinco vezes mais que no ano 2000. Os dados são de um levantamento feito pelo BID (Banco Internacional de Desenvolvimento).
A Tesla avalia a criação de plantas industriais no México. Elon Musk tinha planos de levar a produção de componentes de bateria de seus carros elétricos para o vizinho. Porém, os planos foram adiados com a vitória de Donald Trump e com a nomeação de Musk para o recém-criado DOGE (Departamento de Eficiência Governamental).
É comum que componentes tecnológicos sejam desenhados nos EUA, montados no México, e voltem para o consumidor norte-americano. Na análise de mercado feita pelo Santander, as exportações do México são, principalmente, de automóveis (8%), máquinas de processamento de dados (7,4%), peças de veículos (6,6%), veículos para transporte de mercadorias (5,7%) e óleos derivados do petróleo (5,5%).
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