Pessoas acima dos 50 anos estão se divorciando mais; como ficam os bens?

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Maria* já era aposentada quando decidiu se divorciar do marido com quem estava casada há quatro décadas. O processo de separação terminou em um acordo recentemente, aos 69 anos. Ela tomou a decisão após ambos se aposentarem e terem mais tempo livre em casa, o que a fez perceber que não queria passar toda a sua vida ao lado do homem com quem se casou.
E não está sozinha: Maria é uma entre milhares de brasileiros e brasileiras que se divorciaram já na terceira idade, no que foi apelidado de "divórcio cinza". "São pessoas que esperaram os filhos crescerem para tomar essa decisão; há outras que aposentaram e descobriram, com mais tempo de convivência em casa, que não combinavam mais; pessoas que a vida financeira não permitia que levassem uma vida de qualidade separados antes", aponta a advogada Mérces da Silva Nunes, do escritório Silva & Nunes, que viu o número de casos de divórcio de pessoas com mais de 50 anos crescer em seu trabalho.
O que aconteceu
A Pesquisa Estatística do Registro Civil do IBGE mostra esse aumento de dados. Somente em 2022, dados mais recentes disponíveis, foram no total 420 mil divórcios concluídos (entre judiciais e extrajudiciais) — destes, 23% envolviam homens com mais de 50 anos e 31% com mulheres acima dessa idade.
Veja a evolução de divórcios de pessoas acima dos 50 anos:
2018: 21,05% homens; 28,68% mulheres;
2019: 21,47% homens; 29,03% mulheres;
2020: 21,02% homens; 28,66% mulheres;
2021: 21,99% homens; 28,85% mulheres;
2022: 23,27% homens; 31,12% mulheres.
Expectativa de vida mais longa. A busca pelo divórcio, segundo Maria conta, começou quando ela se deu conta de que poderia aproveitar a vida sozinha por muitos anos. "Hoje, as pessoas morrem com 80, 90 anos. Eu tenho mais vinte anos de qualidade de vida, muito a viver, e ele também. Não tem nada que me impeça de buscar o meu canto", defende.
Brasileiro está vivendo cada vez mais. O IBGE calculou que, em 2023, a expectativa de vida chegou aos 76,4 anos, superando patamar pré-pandemia. Dos homens, é de 73,1 anos, enquanto das mulheres é de 79,7 anos. Porém, não há pesquisas que comprovem que a maior expectativa de vida impacte na decisão de casais mais velhos se separarem.
Separando os bens de cada um
Os procedimentos para o divórcio de pessoas acima dos 50 anos são os mesmos de processos de separação de pessoas mais jovens. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem, inclusive, que são até mais "simples", já que normalmente não envolvem filhos pequenos.
Talvez isso mude no futuro, mas hoje a gente pode dizer que todos os pedidos de divórcio de pessoas acima dessa idade que chegam no escritório não têm filhos menores de idade. Isso é uma burocracia que a gente se livra, pois assim é possível até fazer um acordo em cartório.
Patricia Valle Razuk, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões do escritório PHR Advogados.
Regime de bens deve ser considerado na separação. A divisão pode seguir o regime de separação total de bens, em que os bens são propriedade individual de cada cônjuge; comunhão parcial, em que apenas os bens adquiridos durante o casamento são compartilhados ou comunhão universal, onde tudo é dividido — mesmo heranças recebidas e bens anteriores ao casamento.
Maria e o ex-marido tinham comunhão parcial. Eles compraram, ao longo da vida juntos, uma residência e dois carros. Também tinham investimentos, previdência privada e uma herança recebida pela morte da sogra dela.
Na hora de dividir, o homem pagou pela sua parte da casa e ela comprou um apartamento para viver sozinha pela primeira vez em décadas. Cada um ficou com um automóvel. "Só quis o que era meu por direito, nada a mais do que isso. Também tive que deixar muitas coisas antigas para trás, pois não vão caber no novo apartamento", diz a aposentada.
Segurança financeira deve prevalecer
Uma das principais preocupações nessas situações é com a vida financeira dos envolvidos. "Eu tenho 69 anos e não consigo mais trabalhar, ter um bom salário. As coisas mudaram em relação a anos atrás. Precisei sair segura com a minha parte", diz Maria.
Pensão vitalícia para quem recebe menos. Segundo a advogada Patricia Valle Razuk, é comum que, caso não haja equivalência entre as aposentadorias de ambos, por exemplo, seja fixada uma pensão vitalícia para quem recebe menos. "Se ele tem uma aposentadoria três vezes maior que a dela, ela não vai conseguir bancar a própria subsistência. Aí, vamos fixar uma pensão alimentícia para ela", exemplifica a advogada. Essa pensão se extingue com o falecimento de uma das partes.
Sem direito a herança do outro. Outros detalhes, como herança de bens em caso de falecimento de uma das partes, seguem o mesmo padrão dos divórcios de pessoas mais jovens. "Assim que separa, um não tem mais direito a nada do outro. É um divórcio comum como os outros", explica Razuk.
*O nome foi alterado para preservar a identidade da aposentada.
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