Produtores do RS sofrem com estiagem, e preços devem subir para consumidor
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Em alguns municípios brasileiros o campo literalmente ferve, com termômetros registrando temperaturas bem acima dos 40º C. Os impactos na qualidade de certos alimentos são visíveis e podem ser conferidos nas feiras e nas gôndolas dos supermercados. Verduras não tão verdes, frutas um pouco menos saborosas. Porém, as consequências de eventos climáticos, em especial no verão, podem ser bem mais graves do que parece, principalmente para produtores do Rio Grande do Sul.
O que aconteceu
Prejuízos somam bilhões nos últimos 4 anos. A Assessoria Econômica da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul) divulgou no dia 11 de fevereiro um levantamento dos prejuízos causados pelas estiagens dos últimos anos no estado. De 2020 a 2024, as perdas acumulam um total de R$ 106,5 bilhões que, aplicando o IPCA, chega a R$ 117,8 bilhões.
Considerando todo o agronegócio, incluindo a agropecuária, indústria, serviços e impostos indiretos, o total chega a R$ 319,1 bilhões. O valor é equivalente a 49% do PIB do estado tendo como referência a estimativa preliminar de 2023 (último dado do DEE) que é de R$ 645,3 bi. Para o cálculo foram utilizadas as culturas de arroz, soja, milho e trigo.
O Rio Grande do Sul perdeu quase metade de um PIB inteiro por conta do clima, considerando prejuízos nas cooperativas, indústrias, comércios e serviços. Para o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, a estiagem causa desemprego, redução na geração de impostos e perda de renda.
Qual a relação dos eventos climáticos extremos com os preços?
Clima extremo impactam na produção e nos preços. Na opinião do professor de economia da UFRGS, Henrique Morrone, eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, vão, sim, impactar cada vez mais no aumento dos preços. "Estamos com uma seca no Nordeste, maior produtor de cacau. Como consequência, teremos uma Páscoa bem salgada", cita como exemplo.
Produtividade cai devido a problemas com o solo. Em termos ambientais, as enchentes retiram os nutrientes do solo. Já na estiagem, o solo fica com dificuldades de absorver a água. Alguns alimentos não se desenvolvem tão bem em temperaturas extremas. Em geral, acrescenta Morrone, a produtividade cai de forma substancial. "A redução da oferta no mercado acaba causando o aumento nos preços", revela. Quando as águas invadiram as plantações no Rio Grande do Sul, para se ter uma ideia, o preço de um pé de alface saltou de R$ 2 para R$ 8.
O ano passado foi marcado por extremos climáticos. Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil), 2024 foi o mais quente desde 1961. Além disso, inundações severas foram registradas no Rio Grande do Sul, ondas de calor atingiram regiões brasileiras em pleno inverno, secas prolongadas e diversos focos de incêndios atingiram o Sudeste e o Centro-Oeste do país.
Altas temperaturas são registradas neste verão. Nos últimos meses, mais especificamente de dezembro até agora, em algumas cidades do interior do Rio Grande do Sul, como Santa Maria, os termômetros atingiram a marca de 45ºC, estão afetando em especial os grãos (como a soja). O quadro se agrava quando os hortifrutigranjeiros atingem baixa produtividade e elevação de preços em algumas regiões do país, caso do tomate e da cenoura.
Dificuldade em estocar produtos. Aniela Carrara, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) ressalta ainda que os preços também são influenciados pela distância do consumidor até o centro de produção. "No caso das frutas e das verduras, a restrição de oferta se explica pelo fato destes produtos serem bem mais sensíveis ao clima, sendo difíceis de serem estocados por muito tempo, pois acabam estragando", revela.
Quem mais sofre com o impacto do clima?
O produtor rural, que com uma safra menor, vende menos. Com menos dinheiro em mãos, seu poder de compra fica reduzido. Daí, os efeitos para a economia local são negativos. Ele deixa de comprar, consumir, vestir e investir na propriedade. Vários negócios, em especial nos municípios no interior dos Estados e dependem do faturamento da agricultura, sofrem queda de faturamento. Desde a loja de roupas, até o supermercado.
Endividamento dos agricultores. A Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul) destacou os efeitos das mudanças climáticas, com períodos de secas intensas e chuvas excessivas prejudicando a produção agrícola e elevando os níveis de endividamento dos agricultores.
Ajuda oferecida não é suficiente. De acordo com dados apresentados, as prorrogações de crédito rural oficial em 2024 chegaram a R$ 11,3 bilhões, enquanto o custeio contratado para a safra 2024/2025 somou R$ 14,8 bilhões, além dos R$ 2,3 bilhões de cooperativas, totalizando um endividamento superior a R$ 28 bilhões.
Criação de um fundo e investimento em tecnologia. Para tentar solucionar o problema, segundo a Fetag-RS, está em análise a criação de um fundo de catástrofes para emergências climáticas e a anistia de parcelas de programas de incentivo. Outra orientação dada pelos sindicatos regionais é para o produtor que tiver condição financeira, a sugestão é investir em tecnologia para tentar contornar esses eventos danosos.
Federação apresentou uma pauta de reivindicações para mitigar os impactos sobre a agricultura familiar. A instituição pede a prorrogação automática de créditos rurais vinculados ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural) por 120 dias e a criação do programa "Desenrola Rural" para renegociação de créditos.
Mais recursos e programas de incentivo estão na pauta da Federação. A lista de reivindicações também inclui a securitização de dívidas do Pronaf e Pronamp com prazo de até 12 anos, a liberação de recursos do BNDES para cooperativas e cerealistas, a criação de um fundo de catástrofes para emergências climáticas e a anistia de parcelas de programas de incentivo, como o Troca-Troca de Milho.
Custos são repassados ao consumidor. Aniela Carrara explica que, além dos custos naturais, como os insumos, os agricultores precisam arcar com as altas nos preços da gasolina e do diesel. Para tentar manter a qualidade e produção maior é preciso apelar para os seguros agrícolas, novas técnicas e outras tecnologias. "Isto tudo é necessário, pois com o clima adverso, vão surgindo novas doenças e pragas. Tudo isto gera custo de produção, posteriormente repassados para o consumidor", revela a pesquisadora.
Produtos mais afetados
Café caro. A análise do CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil), de janeiro de 2025, confirma que a falta de chuvas vem trazendo danos, alguns irreparáveis, sim, para algumas culturas. Uma delas é o café. A estiagem no 1º semestre de 2024 comprometeu a florada e causou desfolha. A menor produtividade em 2025, devido à baixa taxa fotossíntética (condição em que as plantas não conseguem converter a luz solar e os nutrientes em energia suficiente para produzir flores, frutos e grãos, neste caso, devido ao calor) é irreparável. Conforme o relatório, a safra é menor e estimativas frustradas no Brasil.
Ano deve ser ruim para a produção de café. Para 2025, ano de bienalidade negativa, o longo período de abril a setembro, com escassez hídrica e temperaturas acima da média, comprometem ainda mais o potencial produtivo das lavouras. Baseados em dados da Conab, a redução total será de 2,4 milhões de sacas com grande atenção para a espécie arábica, que deve ter uma queda de 12,5% na produção.
Soja também sofre com a estiagem em alguns estados. A escassez de chuvas está afetando o desenvolvimento das lavouras no Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul. Além disso, os volumes de chuva abaixo da média esperado em abril no Centro-Oeste também tem levantado preocupações para a 2ª safra.
Cana-de-açúcar. No Nordeste, o clima seco contribui com a colheita. No entanto, a produtividade deverá ser menor devido ao atraso das chuvas em 2024.
Estados problemáticos
No caso da soja, os Estados mais impactados são Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, que registraram restrição hídrica a partir de meados de dezembro. Maior produtor de arroz do país, as altas temperaturas e a redução hídrica dos reservatórios em terras gaúchas, em algumas regiões do estado, embora não indiquem redução de produtividade média, causam preocupações aos produtores.
Safra de grãos cresce em outras regiões
Crescimento na produção de grãos. Segundo dados do Levantamento da Safra de Grãos 2024/25, divulgado no dia 13 de fevereiro pela Conab, os produtores e produtoras brasileiros devem colher 325,7 milhões de toneladas de grãos na safra 2024/25, um crescimento de 9,4% em relação à temporada anterior. O resultado é reflexo tanto de um aumento de 2,1% na área cultivada, estimada em 81,6 milhões de hectares, como na recuperação de 7,1% na produtividade média das lavouras, prevista para 3.990 quilos por hectare.
Milho, soja, arroz, feijão e trigo
A Conab aponta para um aumento na produção total de milho. A expectativa de produção deve chegar a 122 milhões de toneladas, alta de 5,5% sobre a colheita no ciclo anterior. O plantio do milho acompanha a velocidade de colheita da soja. Com 14,8% da área já colhida, a expectativa é que a produção da oleaginosa está estimada em 166 milhões de toneladas, 18,3 milhões de toneladas acima do total produzido na safra anterior. O resultado reflete o aumento na área destinada para a cultura combinada com a recuperação da produtividade média nas lavouras do país.
As condições climáticas foram favoráveis, principalmente no Paraná, em Santa Catarina e na maioria dos estados do Centro-Oeste. Com a semeadura praticamente concluída, a área destinada para o arroz deve atingir 1,7 milhão de hectares, 6,4% superior à área cultivada na safra anterior.
Para o feijão, a Companhia também espera um maior volume colhido em 2024/25, com as três safras da leguminosa chegando a 3,3 milhões de toneladas. A produção de trigo, principal produto cultivado, ficou em 9,1 milhões de toneladas. O início do plantio no Paraná tem início a partir de meados de abril e no Rio Grande do Sul em maio. Os estados representam 80% da produção tritícola do país.
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