Pedra no sapato de Lula, inflação pode aumentar com MP do FGTS

Os R$ 12 bilhões do FGTS que o governo federal vai liberar aos trabalhadores que aderiram ao saque-aniversário têm o potencial de aquecer a economia e melhorar a avaliação do presidente Lula. A medida, por outro lado, vai pressionar a inflação, um dos principais responsáveis por sua baixa popularidade.

O que aconteceu

A Medida Provisória (MP) publicada por Lula nesta sexta-feira (28) libera R$ 12 bilhões. O dinheiro será entregue a 12,1 milhões de trabalhadores que aderiram ao saque-aniversário e foram demitidos entre janeiro de 2020 e esta sexta, data da publicação da MP.

A medida foi destravada pelo governo no momento em que Lula enfrenta seu mais baixo índice de popularidade. O anúncio se deu dez dias após pesquisa Datafolha mostrar que a popularidade de Lula caiu 11 pontos porcentuais: foi de 35% para 24% em dois meses, o pior índice dos seus três mandatos. A reprovação do governo saltou de 34% para 41%.

A aposta do governo é que o dinheiro impulsione o consumo e reduza o endividamento do brasileiro. "Isso ocorre porque os recursos, antes retidos, agora estarão disponíveis para as famílias, gerando aumento no consumo de bens e serviços, podendo até aumentar os investimentos", avalia Igor Gondim, professor de finanças do curso de administração da ESPM. "Essa liberação também pode reduzir o endividamento da população."

O problema é que mais dinheiro na praça pode significar aumento de preços. "Um efeito indesejável é um possível impacto inflacionário, já que espera-se um aumento no consumo", diz o especialista. A inflação preliminar de fevereiro foi de 1,23%, a mais alta para o mês desde 2016 (1,42%). Em 12 meses, a inflação já acumula 4,96%, acima do teto da meta, que é 4,5%.

"Essa liberação pode sim gerar mais inflação", concorda a economista Marisa Rossignoli. "E num momento em que a gente já está com perspectiva de alta na inflação", diz a professora da Universidade de Marília. "Esse dinheiro deve entrar na economia imediatamente: uma injeção de dinheiro para consumo, que não traz mudanças estruturais de investimento, como em industrialização."

Consumidor empacota suas compras em mercado do Rio de Janeiro; dinheiro na praça pode pressionar a inflação
Consumidor empacota suas compras em mercado do Rio de Janeiro; dinheiro na praça pode pressionar a inflação Imagem: SERGIO MORAES

Uma pesquisa de janeiro atribuiu à inflação dos alimentos parte da queda na popularidade do presidente. "É a terceira razão que explica a queda na avaliação do governo Lula", afirmou Guilherme Russo, diretor de Inteligência da Quaest. A inflação dos alimentos no acumulado de 12 meses está acima da inflação geral: foi de 7,12% até fevereiro, contra 4,96%.

A alta no preço dos alimentos, sem dúvida alguma, impacta diretamente na credibilidade do governo.
Marisa Rossignoli, economista

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A inflação provocada pelos R$ 12 bi é o menor dos problemas para o economista Ricardo Rodil. Como o valor representará 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto), ele acredita que "a pressão inflacionaria não será violenta". "O que preocupa mais é o sinal que o governo está dando aos agentes econômicos", diz. "O governo federal está disposto a fazer o diabo para que sua popularidade pare de derreter?", questiona o economista da consultoria Crowe Macro Brasil.

Rossignoli concorda. "Entendo que é uma medida política para tentar reverter a opinião de pelo menos uma parte da população que tinha uma visão mais otimista do governo e passou a ficar mais pessimista", afirma.

Rodil lembra de outras medidas do governo com potencial de melhorar a popularidade do presidente. Lula foi à rádio e à TV anunciar distribuição de bolsas para os estudantes e a oferta de mais remédios gratuitos. "A prometida isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais pode custar outros R$ 46 bilhões", diz. "A isso se soma à quase nula disposição do governo em cortar gastos."

Temo que a reação do mercado seja muito negativa a essas sinalizações.
Ricardo Rodil, economista

O que é saque-aniversário?

O saldo no FGTS não deverá ser liberado para quitar empréstimos contraídos usando o Fundo como garantia
O saldo no FGTS não deverá ser liberado para quitar empréstimos contraídos usando o Fundo como garantia Imagem: José Cruz/Agência Brasil
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Criado pelo governo Jair Bolsonaro, o saque-aniversário passou a valer em 2020. Com a mudança, o trabalhador com carteira assinada pôde optar por sacar uma parte do dinheiro do Fundo uma vez por ano no mês de seu aniversário.

Em compensação, esse funcionário ficou proibido de sacar o que restou no FGTS na hora da demissão. Embora ainda receba a multa de 40% sobre os depósitos do Fundo, o que sobrou na conta só poderá ser retirado na aposentadoria, na compra da casa própria, ou em outros casos previstos em lei. O saque integral só ficou assegurado aos trabalhadores que não aderiram ao saque-aniversário.

Esse saque autorizado pela Medida Provisória é extraordinário. Só terá direito a ele quem aderiu ao saque-aniversário e foi demitido até a publicação da MP. A regra não muda para os trabalhadores que permanecerem na modalidade e forem demitidos após a MP: o que sobrar no Fundo após a demissão ficará retido. Para que todos tivessem direito ao saque, o Congresso precisaria aprovar uma nova lei em substituição à aprovada no governo Bolsonaro.

Aproximadamente 37 milhões de brasileiros aderiram ao saque-aniversário desde 2020. Até agosto de 2024, R$ 125,4 bilhões foram sacados. Se mudarem de ideia e quiserem retirar todo o saldo na demissão, esses trabalhadores podem pedir para voltar à modalidade tradicional, o saque-rescisão, mas terão de esperar 25 meses de carência. Se forem demitidos antes disso, não poderão sacar o saldo do FGTS.

De quanto é o saque-aniversário?

O trabalhador pode sacar anualmente de 5% a 50% do saldo do FGTS. Depois, adiciona-se uma parcela a depender do saldo disponível. Saca mais quem tem menos na conta:

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  • Até R$ 500: 50%, sem parcela adicional
  • De R$ 500,01 até R$ 1.000: 40%, parcela adicional de R$ 50,00
  • De R$ 1.000,01 até R$ 5.000: 30%, parcela adicional de R$ 150,00
  • De R$ 5.000,01 até R$ 10.000: 20%, parcela adicional de R$ 650,00
  • De R$ 10.000,01 até R$ 15.000: 15%, parcela adicional de R$ 1.150,00
  • De R$ 15.000,01 até R$ 20.000: 10%, parcela adicional de R$ 1.900,00
  • Acima de R$ 20.000,01: 5%, parcela adicional de R$ 2.900,00