Tarifaço de Trump: guerra comercial e seu possível desdobramento

A semana de folia de Carnaval no Brasil abriu alas para mais uma rodada de tarifas e disputas econômicas impostas pelos Estados Unidos em produtos de países parceiros, como Canadá e México. Porém, o principal alvo das medidas do presidente Donald Trump na última segunda-feira foi a China.

O que aconteceu

O governo americano elevou em 10 pontos percentuais as taxas de importação de eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, roupas e equipamentos de maquinário. Com esse aumento, alguns produtos chineses passam a circular no mercado interno com impostos de 45%. Em resposta, o governo chinês retalhou com tarifas de até 15% na produção agrícola estadunidense. Sobretudo, em commodities agrícolas, como soja, milho, trigo, carne bovina, suína e frango.

Por outro lado, a China é o maior mercado para produtos agrícolas americanos. O Departamento de Agricultura dos EUA destaca que 17% do total das exportações agrícolas dos EUA em 2023 foi para a China. No ano passado, a China importou quase US$ 20 bilhões em soja, milho e algodão, de acordo com dados do USDA. Esses produtos representaram cerca de 80% de todas as exportações agrícolas dos EUA para a China.

Os países precisam se mostrar fortes em um cenário de guerra comercial. Segundo o doutor em relações internacionais pela Universidade de Liverpool e livre docente na USP, Kai Enno Lehmann, neste momento é quase impossível que países não tentem retaliar de alguma forma os EUA. "Existem três atores comerciais que podem agir, mais ou menos, livremente no mercado internacional pelo seu tamanho: EUA, China e União Europeia", explica. Ao impor essas tarifas para México e Canadá, Trump força com que os países em desvantagem entrem na mesa de negociação.

A guerra comercial é o uso do comércio para obtenção de vantagens. Leonardo Paz Neves, pesquisador do núcleo de inteligência internacional da Fundação Getúlio Vargas, explica que a guerra comercial ocorre quando um país produtor tenta se beneficiar politicamente da dependência de algumas nações em relação a seus produtos.

As tarifas contra Canadá e México entraram em vigor. Após adiar por um mês, as taxas de 25% sobre as importações mexicana e canadenses estão vigentes. Os novos impostos também podem aumentar o preço da tequila, cerveja e abacates mexicanos, assim como do petróleo e madeira canadenses. Em seu primeiro mandato, Donald Trump usou do tarifaço para renegociar o acordo de livre comércio entre Canadá e México. Porém, segundo Neves, agora essas tarifas acontecem de forma unilateral, forçando que os países retalhem.

Reações

O presidente do Canadá, Justin Trudeau, chamou a tarifas de "estúpidas". Além disso, ele ampliou o tarifaço contra os EUA em US$ 21 bilhões. Ele também garantiu que, caso os países não fechem um acordo, esses impostos podem chegar à US$ 107 bilhões em produtos dos EUA, como laranjas, motocicletas e eletrodomésticos.

O México vai trabalhar com o Canadá. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum afirmou ontem que ambos os países iriam trabalhar em medidas conjuntas para evitar o agravamento do conflito tarifário.

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Não dá para se afastar simplesmente dos Estados Unidos, eles são a maior economia do mundo. É um país que tem muito dinheiro, que consome muita coisa ao mesmo tempo que produz muita coisa, e com alta tecnologia. Então não é possível substituí-lo completamente.

Leonardo Paz Neves, professor na FGV.

Quais os efeitos do tarifaço?

A população é a mais afetada pelos impostos. "A inflação é o pior imposto sobre o pobre", comenta Neves. Em um levantamento do Peterson Institute of Internacional Economics, uma família americana vai desembolsar adicionalmente US$ 1.200 por ano em cenário de inflação pelas tarifas. No caso de México e Canadá, por causa dos acordos de livre comércio e a economia interligada no norte do continente americano, é a população vai acabar pagando um preço mais alto.

Em resposta, os países mais atingidos tentarão influenciar politicamente a opinião pública. Segundo Lehmann, países como China e Canadá podem focar em taxar produtos de estados pêndulos dos EUA, para atrapalhar politicamente Donald Trump. Assim, é provável aumento de taxas em cima de laranjas da Flórida, motocicletas da Pensilvânia e eletrodomésticos de Ohio.

Os estados de outros países também entram no jogo. Algumas províncias canadenses se posicionaram e alegaram que também adotarão medidas de retaliação, como retirar produtos dos EUA das prateleiras, limitar as licitações públicas em que empresas estadunidenses possam participar e, até mesmo, impedir o abastecimento de energia na fronteira.

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E o Brasil?

Outros efeitos no mercado global são o aumento dos preços internacionais das commodities agrícolas e o deslocamento do comércio a outros países, como o Brasil, no curto prazo. O governo brasileiro tenta barganhar a isenção de tarifas. "O Brasil pode tentar roubar esse mercado que era dos EUA, porque não vamos ter tarifas que eles vão ter", avalia Neves.

Durante o primeiro mandato de Trump, o Brasil ultrapassou os EUA na exportação de produtos do agro para a China em US$ 36,7 bilhões, destaca o levantamento do Insper Agro Global. Em novembro, Brasil e China estipularam 37 acordos bilaterais, dos quais seis estavam diretamente ligados ao Ministério da Agricultura e Pecuária.

Pressão interna

Associações de agricultores dos EUA se mobilizam para evitar uma suposta vantagem brasileira. Em entrevista aJamil Chade, o presidente da Associação Americana de Soja afirmou que os agricultores norte-americanos ainda não conseguiram se recuperar do primeiro conflito comercial e temem um agravamento desta situação. De fato, em 2020, a perda dos agricultores norte-americanos foi de US$ 27 bilhões.

O lobby das montadoras conseguiu adiar as tarifas em automóveis. Em razão da pressão exercida pela Ford, Stellantis e General Motors, Trump, após conversar com representantes das montadores, decidiu adiar em um mês a entrada das sobretaxas aos carros de Canadá e México.

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