Governo tenta conter inflação dos alimentos sem atacar causas do problema

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Os economistas ouvidos pelo UOL questionam a eficácia imediata ou duradoura das ações anunciadas ontem pelo governo federal para conter a inflação dos alimentos. Entre as principais medidas está a de zerar o imposto de produtos estratégicos.
O que aconteceu
Importar alimentos estratégicos fica mais fácil. Após reunião com empresários e produtores, o governo informou ontem que vai zerar a taxação de importação sobre carne, café, milho, massas, azeite e outros produtos, mais outras 15 iniciativas para estimular a produção e a queda dos preços.
Também será solicitado aos estados que deixem de cobrar impostos sobre itens da cesta básica. Os produtos da cesta são isentos de taxas federais desde a reforma tributária.
A proposta, anunciada pelo vice Geraldo Alckmin, que também é ministro da Indústria e Comércio, visa aliviar o bolso do consumidor e estimular o setor produtivo. "São medidas, desde regulatórias até tributárias, em que o governo está deixando de arrecadar, abrindo mão de imposto para favorecer a redução de preço", ressaltou Alckmin, em nota.
Quando a inflação vai cair?
Mudança nos preços deve demorar, diz especialista. O professor de economia Luciano Nakabashi, da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto, aponta que o efeito das medidas anunciadas não será imediato.
Medidas têm impacto limitado. Sobre a redução de tarifas de importação, Nakabashi pondera que a maioria dos produtos beneficiados são aqueles em que o Brasil é exportador, o que limita o impacto local. "O efeito é pequeno sobre os preços domésticos", diz.
O governo também deve direcionar incentivos do Plano Safra para aumentar a produção, o que só deve ocorrer no médio prazo. "Como são produtos agropecuários, leva algum tempo até que afete a produção e, consequentemente, a oferta", avalia Nakabashi.
O docente destaca que o controle sustentável da inflação exigiria uma política fiscal mais rigorosa. "O governo está tentando reduzir o problema da inflação sem atacar o que está causando isso. O melhor seria começar a reduzir os gastos para controlar a demanda agregada, reduzindo a inflação", aponta Nakabashi.
Governo está se arriscando ao abrir mão de receita. O economista Linconl Rocha, especialista do setor de pagamentos e fintechs e presidente da associação Pagos.org.br, diz que reduzir a taxação foi uma decisão corajosa e positiva, mas arriscada em um momento em que "o Brasil tem gastado tanto que precisa do recurso." "Isso vai trazer uma asfixia nas contas públicas e não vejo o governo abrir mão dessa receita em um futuro de longo prazo", diz Rocha.
Estoques reguladores e questões fiscais
Outra boa ideia que vai demorar para dar resultado. Edgard Monforte Merlo, professor da Área de Política de Negócios e Economia da USP (FEA-RP/USP), considera positiva a política de formação de estoques reguladores pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), mas a medida é outra sem resultado imediato. "Isso é fundamental para evitar especulações, mas só vai ter efeito no médio prazo", afirma.
Em 15 dias, alguns alimentos podem ficar mais baratos. Edgard Monforte calcula que as reduções no preço de produtos como o milho, importante para ração animal e produção de proteínas, comecem a surgir em cerca de dois meses.
Economista sugere outra medida. Merlo defende a adoção de ações mais robustas para garantir o abastecimento interno, especialmente em momentos de alta demanda internacional. "Se houver pressão inflacionária, como ocorreu recentemente com as carnes, o governo pode considerar limites de exportação para garantir a oferta no mercado interno."
Corte de gastos seria mais eficaz. Para Rocha, a reforma administrativa vem sendo adiada há tempo demais, mas terá que vir à tona para uma resolução mais assertiva da questão dos alimentos. "O gasto do governo continua sem ter o devido zelo. O governo continua buscando alternativas, dando analgésico para um problema que pode ser muito mais sério", pondera Rocha.
Nakabashi chama a atenção para o problema fiscal como um dos principais fatores por trás da inflação. "O governo não tem controlado os gastos de forma adequada, e a demanda está aquecida, com uma taxa de desemprego historicamente baixa", afirma.
Dúvidas no mercado. O cenário, somado à trajetória de elevação da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), tem causado incertezas e levado à depreciação do real frente ao dólar. "Isso elevou o preço dos produtos importados em reais e mesmo das commodities que são produzidas internamente, mas que têm sua cotação determinada no mercado internacional", diz Nakabashi .
Medidas regulatórias e selo de reputação
Composição dos combustíveis. Entre as medidas regulatórias anunciadas, o governo decidiu manter a mistura de 14% de biodiesel no diesel (B14) e de 27,5% de etanol na gasolina, o que deve ajudar a garantir preços competitivos na logística de transporte de alimentos.
Liberação de produtos fica mais fácil. O governo definiu que o SIM (Serviço de Inspeção Municipal) será estendido por um ano, permitindo a comercialização nacional de produtos como leite fluido, mel e ovos que já foram certificados no âmbito municipal.
Um presente aos varejistas. Outra iniciativa é a criação do Selo Empresa Amiga do Consumidor, que visa identificar e incentivar supermercados que praticam preços equilibrados na cesta básica. A medida é uma parceria entre o governo e a iniciativa privada para dar publicidade aos melhores preços praticados no mercado.
Setor privado
Indústrias sugerem baratear insumos. A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), que participou das reuniões com o governo federal para baixar os preços dos alimentos, ainda analisa as propostas do governo, mas defendeu em nota "a redução das alíquotas de importação de matérias-primas e insumos que afetam o custo de produção de alimentos no país". Segundo a entidade, isso afetaria o preço de itens que contenham óleo de palma, resinas plásticas, embalagens metálicas e glúten, por exemplo.
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