Corte de impostos não vai reduzir preço de alimentos, dizem especialistas

A decisão do governo Lula (PT) de adotar seis medidas para tentar baixar os preços dos alimentos, anunciada ontem à noite pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), não deve provocar uma grande redução e não vai resolver o problema da inflação. Especialistas ouvidos pelo UOL sugerem que alternativas mais viáveis passam pelo apoio aos produtores, valorização do Real e aumento na capacidade de processamento de alimentos.

O que aconteceu

Dez produtos terão alíquota zerada para importação por tempo indeterminado. Café, carne, açúcar, milho, óleo de girassol, azeite de oliva, sardinha, biscoitos e massas alimentícias terão o imposto zero. O óleo de palma terá o limite aumentado de 65 mil para 150 mil toneladas.

Além dos impostos, governo anunciou também outras cinco medidas. Aumento no número de municípios com Sisbi (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal), que inspeciona abate de animais, de 1.500 para 3.000 cidades; estímulo e prioridade para alimentos no financiamento via Plano Safra; negociação com governadores para isenção do ICMS de produtos da cesta básica, que já são zerados nacionalmente; fortalecer os estoques da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) nos momentos de alta para depois vender os estoques ao mercado para conter os preços —como faz com dólares, por exemplo — e aumentar a publicidade geral de todas as medidas estão previstas.

Mudança nas alíquotas deve ocorrer "em alguns dias", sem tempo determinado de vigência. Os novos incentivos do Plano Safra só começam a valer em junho, quando se inicia o novo período de safra. Já a mudança de imposto estadual depende do diálogo do governo com os estados, e o programa de publicidade para indicar onde há os melhores preços não foi esmiuçado.

Em entrevista, Alckmin disse que as portarias não vão trazer prazos para o fim das medidas. "Não há necessidade na portaria de ter o prazo. O objetivo é redução de preço de alimentos para a população. Será o prazo necessário", disse.

As críticas

Só cortar impostos não vai acabar com inflação dos alimentos. Opinião é do economista do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV (Fundação Getúlio Vargas), André Braz. Ele acredita que as medidas tomadas pelo governo vão apenas reduzir o ritmo do aumento da inflação. "Isso porque a ideia é aumentar a concorrência. Se o imposto de importação cai, fica zerado, isso faz com que produtos importados entrem no Brasil concorrendo com os nacionais e essa concorrência pode limitar o aumento de preços", afirma.,

Zerar impostos pode ser um "tiro pela culatra". Juliana Inhasz, professora de Economia do Insper, se baseia no exemplo da carne para justificar a opinião sobre as medidas. Ela afirma que a redução da alíquota pode se reverter em redução da produção para os próximos períodos ou até, em um caso extremo, uma descontinuidade da produção. "Não consigo enxergar que a gente vai ter preços reduzindo da forma como o governo imagina", afirma. Ela acredita que as demais medidas são bem vindas, mas para "uma próxima crise".

Fato de o governo ainda não ter uma noção real do impacto da renúncia fiscal também levanta preocupação. "Falta clareza sobre a aplicabilidade da estratégia e absorção disso pelo mercado", afirma Sidney Lima, analista de CNPI (Certificado Nacional do Profissional de Investimento) da Ouro Preto Investimentos. Segundo o Ministério da Fazenda, notas técnicas devem ser divulgadas nos próximos dias explicando o impacto de cada um. O vice-presidente afirmou que parte dos produtos tem importação pequena "exatamente porque o produto tinha uma alíquota mais alta".

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Patamar ainda elevado do dólar tem favorecido as exportações, reduzindo a oferta no mercado interno, o que também contribui para a alta dos preços dos alimentos. "Dólar encarece tudo o que a gente importa, então, moeda desvalorizada faz produtos importados virem mais caros para cá, como é o azeite, por exemplo. Então, o real valorizado pode fazer com que a inflação se reduza de maneira mais abrangente", diz o economista do Ibre.

As sugestões

"Governo deveria adotar políticas mais robustas de suporte direto aos produtores nacionais para garantir uma produção consistente, independentemente das flutuações externas", diz Sidney Lima. Ele também acredita que são necessários investimentos em tecnologia e infraestrutura agrícola, que possam reduzir os efeitos das mudanças climáticas sobre as safras.

Investimentos em infraestrutura logística para reduzir custos de transporte, incentivo à produção agrícola sustentável e políticas de crédito direcionadas aos pequenos e médios produtores também devem ser pensadas. Esta é a sugestão de Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio, que acredita que um ambiente mais competitivo e eficiente no setor agrícola contribui para a redução dos preços ao consumidor. "Essas ações estruturais visam atacar as causas profundas da inflação alimentar", acrescenta.

Tentar valorizar o real é o que pode fazer a diferença nessa batalha, segundo André Braz, do Ibre. "Uma moeda valorizada também torna produtos importados mais baratos e não contamina preços de alimentos e de outros segmentos que importam a matéria-prima também", explica.

Governo também deve reduzir a desconfiança e as incertezas no cenário econômico para também permitir a redução da inflação de uma forma geral. "O governo precisa ser muito transparente, deixar claro o que está fazendo, como está fazendo e porque está fazendo para ter medidas bem alinhadas ao equilíbrio fiscal", conclui Juliana Inhasz, do Insper.