Com taxa de 10%, Brasil pode ocupar outros mercados apesar do 'tarifaço'
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Com o pacote de tarifas comerciais anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os produtos brasileiros foram taxados em ao menos 10%. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o índice foi "favorável" para o país. Mas o impacto para a economia mundial deve ser negativo.
Na média, a medida é relativamente neutra para o Brasil, é ruim para os outros, e, no médio prazo, igualmente negativa para os EUA. Haverá mais inflação e menos crescimento. Há quem até antecipe que uma recessão possa acontecer ainda neste primeiro semestre.
Roberto Troster, economista
O que aconteceu
O aumento das tarifas sobre produtos importados é parte da nova política comercial dos EUA. A medida adota a regra da reciprocidade entre os países, segundo o presidente americano. Trump disse que, para estabelecer as novas taxas, estava levando em consideração a maneira como os produtos norte-americanos são tarifados por seus parceiros comerciais para aplicar tarifas sobre as mercadorias que compra deles.
O Brasil foi taxado em 10%. As novas tarifas passam a valer a partir de 0h01 do próximo sábado. A China terá os produtos que exporta para os EUA taxados em 34%, enquanto a Europa terá uma tarifa de 20%. Outros países asiáticos que vendem bastante no mercado americano vão sofrer ainda mais: o Vietnã terá tarifas de 46%, e Taiwan, de 32%.
Apesar da justificativa de Trump sobre os cálculos, a porcentagem aplicada para cada país é resultado de uma conta simples. Para dar um número ao valor da barreira comercial que cada país impõe aos EUA, o USTR (Escritório do Agente Comercial dos EUA, na sigla em inglês) — uma agência do governo americano — tomou o déficit comercial dos EUA com esse país no ano passado e dividiu o número pelo valor das importações. O Brasil e outras nações com as quais os EUA têm um superávit receberam a alíquota de 10%.
Vantagens para o Brasil
A taxação mínima de 10% sobre os seus produtos deve dar vantagem às empresas brasileiras em relação a concorrentes de outras regiões do mundo. É uma oportunidade de ganhar mercado nos EUA, já que os produtos de outras nações vendidos no mercado americano ficarão mais caros com tarifas maiores. Também pode ser uma chance de substituir os produtos americanos nos países que vão retaliar Trump e impor tarifas mais altas para as mercadorias dos EUA que o Brasil também vende. No entanto, as tarifas tendem a reduzir o PIB (Produto Interno Bruto) global e gerar inflação e recessão.
Os EUA importam do mundo inteiro, as cadeias globais de valor estão formadas há décadas. Uma vez que os americanos passem a importar um pouco menos no médio prazo, podemos esperar que esses produtos irão para novos lugares. O Brasil pode se tornar um receptor desses itens e buscar novos mercados para as exportações.
Renan Pieri, professor de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas)
Real pode se valorizar. Pieri diz acreditar que a saída de investidores de ações de empresas negociadas nas Bolsas de Valores americanas para outros mercados, como Europa e países emergentes, vai se intensificar. Isso deve permitir que o real se valorize ainda mais contra o dólar, podendo chegar a R$ 5,50, e se mantenha em um patamar mais baixo por algum tempo. A Bolsa local deve continuar recebendo fluxo estrangeiro e pode ter maiores aportes dos próprios investidores brasileiros. As projeções para as taxas de juros no futuro devem cair, porque a queda do dólar vai aliviar a pressão inflacionária e a atividade econômica já está se desacelerando.
O lado ruim do 'tarifaço'
Tarifas devem gerar inflação e recessão. O aumento das taxas comerciais tende a ser repassado para os produtos importados pelos EUA, aumentando a inflação na economia americana.
A história já demonstrou que o caminho do protecionismo leva à recessão, como ocorreu nos anos 1930.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP
Comércio internacional, que gera riqueza, deve desacelerar. O comércio internacional promove o enriquecimento dos países, cada um produzindo o que faz melhor, desenvolvendo suas melhores competências, importando os demais produtos a um custo mais baixo. Isso representa menor custo de vida, mais produtividade e mais produção. Se o mundo estiver em um caminho mais protecionista, haverá menos oportunidades, e os países em desenvolvimento tendem a ser mais prejudicados.
Haverá aumento dos preços no curto prazo e uma atividade mais fraca, tanto nos países que vão exportar menos quanto nos EUA, no médio prazo. Outra preocupação é também como esses países vão reagir -- retaliar ou aumentar as tarifas.
Marilia Fontes, sócia e cofundadora da casa de análises Nord
"Dia da Libertação" pode virar "Dia da Escravidão"? Ao anunciar a sobretaxação de produtos importados, Trump disse que o 2 de abril será conhecido como o "Dia da Libertação" dos EUA do que ele vê como tirania dos seus parceiros comerciais. Mas os especialistas afirmam que, na realidade, essa data pode entrar para a história como o "Dia da Escravidão" para os próprios cidadãos americanos pelos impactos negativos da medida na economia.
O impacto mais imediato tende a ser o de gerar pressões inflacionárias dentro dos EUA. Acomodações de diversos tipos deverão necessariamente acontecer, tanto no mercado interno quanto na reação dos seus parceiros comerciais.
Ricardo Rodil, economista e líder de mercado de capitais na consultoria Crowe Macro Brasil