Tarifaço pode deixar mais café no Brasil, mas não vai baixar os preços
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O preço do café que você toma todos os dias ainda deve continuar alto nos próximos meses. Mesmo com a tarifa de 10% cobrada pelo presidente americano Donald Trump aos produtos brasileiros, o que poderia supor queda nas exportações, aumento da oferta interna e uma possível redução de preços, especialistas do setor ouvidos pelo UOL afirmam que o Brasil pode ser até mais beneficiado no comércio exterior do que antes, apesar de sugerirem "cautela" e a "observação" do cenário econômico mundial e alertarem para o risco de novos desastres climáticos.
O que aconteceu
Com tarifaço iniciado no sábado, todos os produtos brasileiros passaram a ser sobretaxados em 10%. Por consequência, produtos que já tinham tarifas de importação agora são cobrados em mais 10%. A tarifa do café não torrado, por exemplo, subiu de 9% para 19%.
Estados Unidos são os principais compradores do café brasileiro. Dados do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) apontam que, de 1º de janeiro a 28 de fevereiro, mais de 1,2 milhão de sacas de 60 kg foram comercializadas aos EUA. A Alemanha, que aparece em segundo lugar, comprou 878 mil sacas do Brasil no mesmo período.
Preço do produto no mercado internacional tem oscilado desde o início da política tarifária de Trump. Segundo Marcio Cândido Ferreira, presidente do Cecafé, a redução na cotação na Bolsa de Nova York (referência para o mundo todo) chega a 15% desde o anúncio do tarifaço. Só que a valorização do produto nos últimos meses foi extremamente elevada. "A matéria-prima chegou a ter um aumento de 150%, mas isso não foi repassado totalmente aos lojistas e consumidores mundiais", conta. Esse fenômeno pode ter sido causado pelo fundo especulativo, que compra várias commodities e "as estoca" para revender em um momento oportuno.
Por isso, Ferreira não acredita na redução de preços tão cedo. Fora essa própria estabilização do mercado, que precisa avaliar como será de fato a política tarifária de Trump, é também necessário observar a movimentação dos demais países. "Acredito que o Brasil vai manter a parcela de mercado que ocupa, podendo até ampliar, se as tarifas ao Vietnã, por exemplo, forem mantidas", afirma. O país asiático foi taxado em 46%, apesar de estudar zerar as tarifas cobradas a produtos americanos, em uma tentativa de sensibilizar Trump.
Argumento de que tarifas servem para aumentar a produção dos EUA não vale para o café. Afirmação é do diretor-executivo da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), Celírio Inácio. Ele conta que os EUA sempre dependerão dos países produtores de café para abastecer o mercado interno. "Diante de uma decisão tão generalizada, onde, aparentemente, o Brasil foi beneficiado, é necessário refletirmos com calma sobre produção, consumo e mercado global, uma vez que o café sofre uma pressão muito grande pela demanda, que está mais alta, e tem sofrido com os efeitos climáticos adversos", disse.
Então, quando o café deve baixar?
Isso não deve acontecer tão cedo. Há uma trinca de fatores que permite essa análise, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL: a atuação do fundo especulativo, a estabilização do cenário econômico pós-tarifaço e o equilíbrio da produção mundial.
Preços não estão elevados apenas aqui no Brasil. A ampliação do consumo do café na Ásia acabou por gerar uma "defasagem" em relação ao que é produzido no mundo. O diretor-executivo da Abic ainda levanta outra possibilidade, baseado no tarifaço: "Se não houver, por exemplo, motivação por parte da Indonésia e do Vietnã para seguir produzindo café devido à taxação, como fica o abastecimento mundial? Isso sem falar ainda na importância da economia do café para esses países", questiona.
Crise climática é o "fiel da balança" para a produção mundial de café. No Brasil, segundo o Cecafé, a safra 2025/2026, que inicia no fim de maio, deve ter um aumento de 20% na quantidade do café conilon, mas queda de 13% na produção do arábica. Para Marcio Cândido Ferreira, se não houver mais nenhum desastre climático, a produção do arábica pode voltar ao normal na safra do ano que vem. "O momento para o produtor brasileiro ainda é muito positivo. Há uma margem bastante significativa, e vale a pena continuar exportando para os EUA, mesmo com a tarifa", finaliza.
Brasil também exporta grãos de café verde, que, especificamente para os Estados Unidos, são transformados em outros produtos. Segundo o Escritório Carvalhaes, de Santos (SP), um dos corretores de café do país, e responsável por um boletim que é considerado como referência para o mercado, isso gera empregos e mais valor agregado na industrialização do país. Como a medida entrou em vigor há apenas alguns dias, é difícil saber qual será o comportamento dos importadores.
Valor do café não é estimado apenas pela movimentação do mercado, mas também pela qualidade do grão e quantidade de produção. O Escritório Carvalhaes, em boletim emitido na sexta-feira passada, lembra que as mudanças climáticas impactaram muito as lavouras nos últimos anos, em todo o mundo. "Em nossa opinião, com estoques baixos, tanto nos países produtores como nos consumidores, e os problemas climáticos se sucedendo em todo o mundo, os preços do café tendem a se sustentar", analisa.
Mesmo com o governo federal zerando a tarifa de importação, a quantidade de café que sai daqui para o exterior ainda será grande. Mesmo levando em consideração que os preços do mercado internacional estão caindo, ainda há uma margem positiva muito grande para o produtor brasileiro. Porém, efeitos práticos só devem ser realmente notados no fim do ano. "O que pode parecer benéfico para alguns países em detrimento de outros, na prática, pode não ser bem assim se tivermos um olhar macro", reflete o diretor-executivo da Abic.
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