Tarifaço: Exportadores querem acordo, mas cogitam produzir em outros países

Empresas brasileiras que exportam para os Estados Unidos esperam que o governo brasileiro avance nas negociações com o governo Trump para reduzir tarifas, mas já começam a buscar caminhos para contornar obstáculos impostos pelas mudanças.

O que está acontecendo

Pequenas, médias e grandes empresas brasileiras que exportam produtos para os EUA já estão sofrendo os impactos da mudança tarifária imposta por Donald Trump. Novas taxas passaram a valer desde a última segunda-feira a qualquer produto brasileiro que passe na aduana dos EUA —com exceção do petróleo e derivados — que já tenha firmado contrato com o país. "A mudança valerá também para todos os contratos assinados a partir de agora", explica o professor da Escola de Relações Internacionais da FGV Pedro Brites.

Empresas buscam algum mecanismo para postergar o pagamento das tarifas, afirma Welber Barral, ex- secretário de Comércio Exterior. "Os Estados Unidos têm áreas de zonas francas onde é possível postergar o pagamento da tarifa", diz ele. Nessas regiões, costumam existir regras mais flexíveis e algumas isenções de impostos. "Algumas empresas também estão tentando transferir a produção para outros mercados, outras estão estudando enviar peças para os Estados Unidos e fazer a montagem final por lá, o que também diminui o impacto da tarifa."

Uma alternativa que passará a ser considerada por grandes empresas, diz Pedro Brites, é abrir novos escritórios regionais pelo mundo. "É interessante para empresas exportadoras de carne, por exemplo, aproveitar o momento para se instalar em novos mercados", diz ele. O professor acrescenta que momentos como esse mostram que é essencial mapear países, ter representantes e investir na construção de plantas fora do Brasil para se produzir futuramente. "A necessidade de diversificação deixa a empresa menos vulnerável a mudanças futuras, inclusive novos possíveis anúncios por parte do governo Trump", diz Brites.

Pequenas e médias empresas exportadoras, que não têm mais dificuldade em achar novos compradores, serão as mais impactadas com a mudança tarifária. Segundo Brites, essas companhias devem se articular com ajuda de associações de classe e agências de fomento como a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações) para conseguir se internacionalizar. Além disso, ele afirma ainda essas empresas podem aproveitar para redirecionar exportações para outros países com a ajuda de agências de fomento.

Brasil tem tentado se dedicar a consolidar acordos comerciais com outros países. Exemplo disso é a viagem do presidente Lula (PT) ao Japão e Vietnã em março para ampliar relações comerciais em meio ao cenário espinhoso com os Estados Unidos. Segundo o especialista, o governo tem tentado incluir empresas e médias empresas para fazer parte dessas novas cadeias de comércio que o Brasil tenta se encaixar.

Empresas vivem momento de certa estagnação. "Muitas estão esperando ver o que vai acontecer. Há uma expectativa de que o governo Trump crie algumas exceções, de que possa reduzir a tarifa para alguns produtos específicos que não são fabricados nos Estados Unidos. Estou vendo certa imobilidade, esperando ver o que vai acontecer", afirma Barral.

Associações, empresas e governo têm se dedicado a negociações. O presidente-executivo da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), José Velloso, disse que tem ocorrido uma boa interlocução entre setores, associações e governo federal. "O governo está correto em negociar à exaustão antes de tomar qualquer medida de retaliações, estamos em um período de observação", disse.

Muitas incertezas

Momento é considerado de incertezas e imprevisibilidade, avaliam economistas ouvidos pelo UOL. "Todo o processo de exportação está vinculado a uma cadeia logística com responsáveis por receber os produtos naquele país. É difícil construir uma cadeia logística com quem ainda não se construiu uma relação. Não há muita previsibilidade sobre o que ainda pode acontecer", diz. O vice-presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Ingo Plöger, afirma que a maior preocupação do setor é que o efeito se alastre mundo afora e "outros países repliquem essa fórmula."

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"Cenário não é bom, mas também não é desastroso", avalia Plöger. Na avaliação do vice-presidente da Abag, o aumento das tarifas sobre produtos brasileiros não será tão prejudicial já que também recairá sobre produtos exportados por outros países. Alguns com taxas muito superiores às praticadas sobre produtos brasileiros. "OS EUA deram uma chacoalhada no comércio mundial. A maior potência do mundo fazendo isso é evidente que assusta, o estilo de Trump dificulta previsões e cria um mundo de instabilidade."

Contratos de exportação de produtos podem sofrer mudanças. Segundo Brites, da FGV, os contratos entre importadoras e exportadoras possuem cláusulas de proteção que oferecem respaldos por problemas no frete, variações cambiais e eventualmente tarifas. "As garantias variam de contrato para contrato", diz ele. "Mas quem absorve o custo são os importadores, por isso o impacto é a inflação no mercado doméstico americano." O que vai acontecer, explica ele, é que os novos contratos formulados incluam o valor das tarifas praticadas — o que impacta no preço e na competitividade.

Setores e produtos afetados

Agronegócio, indústria e produtos são os setores mais afetados pelas mudanças tarifárias. Produtos como café, suco de laranja, carne bovina e frango, papel e celulose, calçados e máquinas, cosméticos, alimentos processados e têxteis são os que mais devem sofrer os impactos dos novos valores aplicados. Brites afirma que importadores norte-americanos devem levar de três a seis meses para avaliar como vão aplicar as tarifas e administrar os efeitos colaterais.

Setor de indústria e equipamentos afirma que alterações abruptas nas tarifas tendem a resultar em insegurança comercial e econômica. "Essa elevação de tarifa pode gerar impactos negativos significativos para nossa economia e para a indústria brasileira de máquinas e equipamentos", afirmou a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), por meio de nota. "Com a medida anunciada o Brasil será impactado negativamente em suas exportações para os Estados Unidos pois seremos menos competitivos em relação à indústria local de máquinas e equipamentos."

Aumento da tarifa significará perda de competitividade em relação aos produtos norte-americanos para o setor de máquinas. "Podemos citar como exemplo as máquinas agrícolas, rodoviárias e máquinas para a indústria de transformação. Esses produtos, entre outros, são produzidos tanto pelo Brasil como pelos Estados Unidos".

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Setor de soja deve ser afetado indiretamente, segundo Maurício Buffon, presidente Aprosoja Brasil. Embora a maior parte das exportações de soja não sejam direcionadas aos EUA, o presidente da entidade afirma que caso as exportações de carnes sejam afetadas, o setor de soja poderá sofrer consequências indiretas, já que o insumo é utilizado como ração para suíno, aves e bovinos. "Ainda não existe um plano estratégico do setor porque toda a cadeia mundial será reorganizada", afirma Buffon. "O que existe hoje é um movimento especulativo e de observação do mercado".

No agronegócio, há uma preocupação com o aumento do preço dos produtos brasileiros no mercado norte-americano. "Há um impacto de reduzir o poder de compra do consumidor que vai deixar de pagar ou de comprar produtos brasileiros em maior quantidade", diz Plöger.

Vice-presidente da Apag defende que, apesar das mudanças e do impacto no mercado, é o momento de exportadores brasileiros do setor manterem "a cabeça fria". Para ele, o agronegócio brasileiro tem como diferencial a biocompetitividade. "Nossa recomendação é cuidar da biocompetitividade brasileira nas cadeias. É aí que temos uma grande força competitiva. Ao mesmo tempo, queremos trazer alianças, falar com América do Sul, Índia e Indonésia".

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