Com câncer, idosa luta na Justiça e consegue reembolso por viagem cancelada

A viagem foi comprada no final de 2023, com a intenção de comemorar, na França, o aniversário de 84 anos da matriarca da família. No entanto, um imprevisto deu fim ao roteiro que duraria três semanas e seria feito no ano seguinte.

"Seria eu, meu irmão, minha cunhada, minha sobrinha e meus pais. Fazia muito sentido irmos nós todos, porque a minha mãe tem 84 anos e uma neta de um ano, e ela quer estar muito próxima dela. Mas, no final de maio, minha mãe fez exames de rotina, porque já tinha tido um câncer de ovário, com recidiva, e foi diagnosticado nódulos no fígado", conta a fonoaudióloga Andrea Baldi.

O diagnóstico de câncer no fígado foi confirmado em julho de 2024. Diante da necessidade de a idosa iniciar imediatamente o tratamento da doença, a família, que mora em São Paulo, decidiu solicitar às empresas o cancelamento e reembolso da viagem, que seria realizada entre os dias 29 de agosto e 20 de setembro de 2024.

Não fazia mais sentido viajarmos. Eu e meu irmão teríamos de estar aqui por conta do tratamento, que é muito pesado. Ela é uma pessoa idosa e meu padrasto também. Então, a gente começou o caminho para reaver o dinheiro das passagens.
Andrea Baldi

Andrea disse que a família entrou em contato com as companhias aéreas que fariam o transporte, British Airways, na ida, e Iberia, na volta, e com a empresa que comercializou as passagens, a Decolar, mas alegaram que, por questões contratuais, fariam apenas a devolução de 10% do valor pago como reembolso.

Mesmo a gente enviando atestado, informando que ela deveria estar aqui para o tratamento, que não era possível a viagem, sempre houve a negativa. Tentamos o site Consumidor.gov e as respostas foram as mesmas. Então entramos com a ação.

Segundo a fonoaudióloga, o processo para reaver o valor investido na viagem, quase R$ 47 mil, causou impactos negativos na vida da família, especialmente à mãe.

Essa situação impactou a todos de uma forma muito ruim, principalmente à minha mãe. Tinha uma questão emocional, porque ela entendia que estava doente e que a gente não poderia fazer a viagem, mas se sentia culpada. Além disso, tem as custas, os gastos, pois tivemos que mover a ação para o que achamos que é nosso direito. Avisamos com 60 dias de antecedência.

Sentença favorável à família

A ação movida em agosto de 2024 teve sentença favorável à família de Andrea em fevereiro deste ano. A justiça determinou que as empresas devolvessem solidariamente o valor integral das passagens, R$ 46.915,00, corrigido a partir do pedido de cancelamento.

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"Ainda que a solicitação tenha partido dos consumidores, é certo que se tratou de evento imprevisível caso fortuito, o qual autoriza a restituição integral dos valores, sem incidência de multa, e tendo em vista que o passageiro foi impedido de viajar por fato alheio à sua vontade, com recomendação médica para início de tratamento. No mais, é certo que os autores comunicaram às rés a impossibilidade da viagem com mais de 30 dias de antecedência, período plenamente suficiente para cancelamento dos bilhetes aéreos e nova comercialização, sem prejuízo material a elas", diz a sentença assinada pela juíza Marian Najjar Abdo, da 4ª Vara Cível de Santo Amaro, na capital paulista.

A família encarou a decisão com o sentimento de "justiça feita".

"Recebemos a decisão da justiça como um direito que todo mundo tem. A gente não cancelaria uma viagem se não fosse por um motivo tão sério como esse, de saúde, e a postura da empresa nos incomodou demais. As passagens estão cada vez mais caras e inacessíveis e o tratamento que a gente recebe das empresas é péssimo. Para nós, ter ganho é ter a possibilidade que outras pessoas se beneficiem também", ressalta Andrea.

A ação também incluía pedido por danos morais, mas foi negado pela justiça, que entendeu que a situação se limitou a uma lesão patrimonial reparada pelo reembolso.

A matriarca segue em tratamento e a viagem à França não está mais nos planos da família, ao menos por enquanto. "A minha mãe está com a saúde fragilizada", disse a fonoaudióloga.

Comprovação

Segundo a advogada responsável pela defesa da família, Renata Abalém, decisões que favorecem o reembolso para toda a família são raras, já que, em geral, a devolução fica restrita apenas ao passageiro e ao cônjuge.

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As evidências e provas foram tão óbvias, que seria impossível analisar o caso e decidir somente por um ou outro reembolso. O fato que levou essa família a comprar as passagens foi a comemoração do aniversário de 84 anos da matriarca. Uma vez que seria impossível para ela a viagem, inviabilizou o lazer dos demais.
Renata Abalém

A advogada, que é diretora Jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP, explica que a junção de documentos comprobatórios em casos como esse é fundamental.

"Instrui que fizessem e reunissem todas as provas, desde a comunicação com as empresas até os protocolos em órgãos de defesa do consumidor. Argumentando que o fato fortuito vem de uma doença grave, os documentos têm que ser claros e sem qualquer dúvida", afirma.

De acordo com a especialista, o que ocorreu com a família abre precedente para outros casos.

Quantas pessoas ficam no prejuízo e se conformam com a negativa das aéreas? Quantas vezes, na pandemia, as pessoas voaram com Covid porque a companhia aérea se recusou a devolver o dinheiro? Então, o precedente faz com que os consumidores aéreos conheçam os seus direitos, mesmo que tenham que provocar o poder judiciário.

Após a decisão judicial, o reembolso à família foi feito imediatamente pelas empresas British Airways e Decolar. "Falta a Iberia, que já protocolamos pedido de penhora de numerário depositado nas contas da empresa", afirma a advogada.

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Sobre cancelamentos e desistências

Caso o voo seja cancelado pela companhia, o passageiro tem direito ao reembolso integral do valor pago pelo bilhete, sem multas. Se o passageiro desistir da viagem em até 24 horas após a compra, é reservado o direito à devolução total, desde que a aquisição tenha sido feita com antecedência mínima de sete dias em relação à data do embarque.

O UOL entrou em contato com as empresas British Airways, Iberia, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

Em nota, a Decolar disse que "se solidariza com a cliente e informa que buscou, como intermediadora do serviço, obter a melhor solução para ela junto às companhias aéreas, que determinam as políticas de reembolso das passagens que emitem".

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