Assessor de Trump inventa especialista -- e tarifas também

Extravagante, impulsivo, intransigente, rotulado por alguns como "imbecil" e com limitada influência entre os círculos acadêmicos de economia nos Estados Unidos. Esses são apenas alguns dos adjetivos associados a Peter Navarro, conselheiro econômico da Casa Branca. Embora seu perfil possa ser impopular, isso não impediu que suas ideias ganhassem força e, sobretudo, forma. Navarro tornou-se a principal voz por trás da política tarifária agressiva (vulgo tarifaço) que tem impactado mercados ao redor do mundo. Economista formado em Harvard, ele encarna o arquétipo do nacionalismo econômico que marca o segundo mandato de Donald Trump.

Nascido em Cambridge, estado de Massachusetts, Navarro, 75, é PhD em economia por Harvard e no início da carreira era um grande defensor do livre comércio. E, em paralelo à academia, também colocou um pé na política. O início se deu pelo Partido Democrata, por onde chegou a concorrer a prefeito de San Diego (Califórnia), em 1996, e a outros cargos públicos, mas sem obter sucesso.

Essa fase contrasta com o que se viu a seguir. Já no início dos anos 2000, o economista já direcionava o seu arsenal contra a China. Em 2006, lançou o livro "Coming China Wars" ("As próximas guerras da China", em uma tradução livre), em que via como perigoso o processo de industrialização da China. A obra mais famosa, no entanto, foi lançada em 2011: "Death by China" (Morte pela China", que em coautoria com Greg Autry, classifica como "perverso" o capitalismo praticado pelo gigante chinês.

Foi a sua visão em relação à China e uma política mais protecionista que o aproximou dos republicanos e Donald Trump. Foi Jared Kushner, genro do presidente americano, quem fez a ponte entre o professor e o empresário que concorria à presidência americana, em 2016. Navarro participou da campanha e depois ocupou na Casa Branca o cargo de conselheiro para o Comércio.

Essa proximidade entre os dois não foi abalada nem quando foi exposto que um dos especialistas citados em seu livro, Ron Vara, nada mais era do que um personagem criado pelo próprio Navarro (Ron Vara é um anagrama para Navarro).

E se Trump não se incomodou com um personagem inventado em um livro que não era de ficção, Navarro também se manteve fiel ao republicano. O economista ficou quatro meses preso por se recusar a cooperar com a investigação em relação à invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.

Dualidade na administração

A presença de Navarro contrasta com a de Scott Bessent, secretário do Tesouro dos Estados Unidos. As visões que os dois possuem em relação às tarifas aplicadas aos parceiros comerciais são contrastantes.

Bessent encara a política tarifária como transacional, ou seja, pode servir para fazer negociações com outros países, usando o poder do mercado americano para impor condições. Por isso, novas taxações deveriam ser aplicadas caso a caso.

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Já Navarro tem uma visão mais protecionista e, por isso, defende uma taxação abrangente para todos os países e anda mais intensa em relação à China.

Para Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e pesquisador sênior do "Policy Center for the New South", essa dualidade entre os dois integrantes da equipe de Trump está mais acentuada.

"O anúncio de um tarifaço geral soou como um predomínio de Peter Navarro, com a definição do tamanho das tarifas recíprocas de uma forma que não deixava claro os estudos para justificá-las. Foi só quando o tarifaço afetou de forma forte os títulos do Tesouro é que Bessent passou a aparecer ao lado de Trump, e as tarifas foram suspensas por 90 dias", explicou.

Para Canuto, a visão de Navarro é radical e mercantilista, algo que já não cabe na economia global atual.

A proximidade entre Navarro e Trump levanta outra discussão que também precisa ser levada em conta na hora de avaliar qual das duas visões deve prevalecer em meio a essa guerra tarifária. Paulo Bentes, sócio do escritório de direito internacional Baker McKenzie, lembra que não foi o economista quem influenciou Trump, mas sim que ele foi convidado a fazer parte da primeira campanha, em 2016, por ter uma visão protecionista que se assemelhava ao do então candidato.

"Não eram ideias que permeavam o establishment americano. Trump estava procurando alguém com as ideias que ele já tinha", diz.

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O perigo, segundo ele, é que a premissa está errada. Para Navarro, as tarifas podem reverter o processo de desindustrialização dos Estados Unidos, mas a forma errática e imprevisível dessa política provavelmente fará com que o objetivo não seja alcançado.

Além da política industrial da China, o avanço tecnológico, a presença de grandes compradores globais (como um WalMart) e os Estados Unidos como destino final dos investimentos são fatores que influenciaram a desindustrialização americana e não apenas as importações da China.

Para Bentes, o principal legado dessa política tarifária não será o seu resultado, mas sim a mudança de consenso nos Estados Unidos. "Um dos principais efeitos políticos do Trump causou é que ele rompeu realmente com o consenso de livre comércio que existia nos Estados Unidos. Existe hoje uma percepção de que o livre comercio é um problema. Esse é um dos principais legados", explica.

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