'Quer entender o comércio global? Vá a uma loja da Zara', diz economista

Basta fazer uma visita a uma loja da Zara para ver as inscrições "made in China", "made in Taiwan" e "made in Vietnã", frequentemente encontradas nas etiquetas de roupas e produtos diversos. Os dizeres evidenciam o atual poder da indústria asiática e a evolução do desenho geopolítico visto como ameaça pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que coloca os países do sudeste asiático como principais alvos do "tarifaço".

Quer entender o comércio internacional? Vá para uma loja da Zara. Primeiro é 'made in China', depois 'made in Vietnã' e, depois, 'made in Camboja'. Você troca, conforme [o exportador] vai barateando o custo da produção.
Vivian Vicente Almeida, professora de economia

O que aconteceu

"Tarifaço" de Trump mira produtos asiáticos. As taxas impostas pelo presidente dos EUA têm a China e os aliados de Pequim como principais alvos. A questão envolve a forte presença dos asiáticos na fabricação e distribuição de produtos para o mundo. Para Trump, a estratégia por trás das tarifas tem o objetivo de recompor os déficits comerciais e estimular a indústria norte-americana.

Países asiáticos receberam maiores alíquotas. Antes de suspender o "tarifaço" por 90 dias, Trump aplicou elevadas "tarifas recíprocas" sobre Camboja (49%), Vietnã (46%) e Taiwan (32%). "Ele aumentou as tarifas para a China, mas também para os países do sudeste asiático, que produzem em parceria com a China", afirma Vivian Vicente Almeida, professora de economia do Ibmec.

Alvos de Trump têm baixos custos de produção. O centro da mira tarifária está direcionado às nações que fabricam e exportam mundialmente com preços extremamente reduzidos. Tal cenário direciona o olhar das fabricantes de roupas, calçados e eletrônicos em busca de maior margem de lucro, tornando frequente o nome dos países em artigos comercializados por lojas e grifes de luxo.

Trump vê a China como rival comercial dos EUA. A questão é levantada pela manutenção das maiores tarifas ao país asiático. Diante das retaliações constantes, a taxação acumulada aos produtos chineses alcança 245%. O valor evidencia o plano de desenvolvimento da China, seguido pelos vizinhos asiáticos, como dor de cabeça para Trump. "O modelo [asiático] tem a ver com maior produtividade a partir de, entre outras coisas, mão de obra barata", diz José Maria de Souza Junior, professor de relações internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

Presidente dos EUA admite embate com chineses. Em entrevista à Fox News, Trump revelou que pode pedir para que os países que "escolham" entre a China e os Estados Unidos nas futuras negociações comerciais. Os asiáticos, por sua vez, reforçam os compromissos com os atuais parceiros e garantem que o país está "cada vez mais aberto" às relações internacionais. "A China continuará a estender a mão, e não a trocar socos", declarou Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China.

Atual contexto geopolítico foi ignorado por Trump. Os analistas avaliam que o protecionismo buscado com as taxas desconsidera a evolução das normas da OMC (Organização Mundial do Comércio) após o fim da Guerra Fria. "Estas não são estruturas facilmente passíveis de substituição", afirma Souza. "A reação dos demais países do mundo ao 'tarifaço' imposto por Trump poderia ser impensável há 20 anos", reforça Luciana Mello, professora de relações internacionais do Centro Universitário IBMR.

A economia mundial nunca esteve tão multipolar como agora e coloca o Tio Sam na berlinda devido à política adotada pelo presidente dos Estados Unidos no que se refere às relações comerciais.
Luciana Mello, professora de relações internacionais

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Novo desenho global

Casa Branca rompe com conjuntura comercial. Ao impor tarifas sobre dezenas de países, os Estados Unidos abandona a estrutura global estabelecida com a criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), em 1995. A idealização do organismo buscou reduzir as barreiras comerciais após o fim da Guerra Fria.

OMC foi criada após sete anos de negociações. A instituição teve o objetivo central de alterar o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na sigla, em inglês), assinado em 1947. "Foram oito rodadas de negociação durante 46 anos com vistas a liberalizar o comércio", recorda Souza.

Estados Unidos estimularam o comércio liberal. Os recentes acenos de Trump rompem com as propostas de livre comércio amplamente defendida pelos norte-americanos na segunda metade do século passado. "Parte do movimento do Trump é implodir e explodir a ordem econômica global do pós-Segunda Guerra", analisa Vivian.

Em 2001, a Rodada Doha tentou ampliar o tema. A iniciativa era voltada em aprofundar as reações comerciais. No entanto, as resistências dos Estados Unidos, Japão e da União Europeia travaram as negociações. As divergências inibiram o avanço da OMC e estimulou a assinatura de acordos fora das diretrizes da instituição.

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