Globalização à brasileira: BRF mira o Oriente Médio para ampliar mercado

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Especialistas avaliam que o novo investimento da BRF na Arábia Saudita, de US$ 160 milhões para a construção de uma fábrica de alimentos processados, reforça uma estratégia de internacionalização. Para especialista, é um movimento relevante diante do atual cenário macroeconômico brasileiro.
A internacionalização é uma estratégia crucial para a economia brasileira, que ocupa o nono lugar no ranking de PIB global (2023), mas apenas a vigésima terceira posição entre os países exportadores. Isso mostra que há uma diferença significativa entre o dinheiro que o Brasil investe em outros países e o dinheiro que outros países investem no Brasil.
Adriana Murasaki, analista de pesquisa na Euromonitor International
Foco na produção local
Os planos de expansão da BRF. A construção de uma fábrica de alimentos processados em Jeddah, segunda maior cidade do reino saudita, foi anunciada na última semana pela dona das marcas Sadia, Perdigão, Qualy e Banvit como um novo passo da estratégia de internacionalização. Será a terceira unidade produtiva da companhia no país e a sétima no Oriente Médio.
Produção local em mercados estratégicos. O movimento integra uma ofensiva da empresa para consolidar sua atuação em mercados considerados estratégicos, como o halal e o asiático, via produção local, com foco na adaptação a exigências regulatórias e culturais dos mercados muçulmanos.
Três vezes mais produção. O projeto, que será operado pela BRF Arabia Holding Company — subsidiária da empresa e veículo da joint venture com a Halal Products Development Company, ligada ao fundo soberano saudita (PIF) —, mais que triplicará a capacidade de produção local da BRF, saltando de 17 mil para 57 mil toneladas por ano. A planta da fábrica, dedicada exclusivamente a produtos processados de frango e bovino, deve entrar em operação em meados de 2026.
"Somos líderes com a marca Sadia há mais de cinco décadas na região. Nossos investimentos na produção local cresceram nos últimos anos e acompanham os planos do Reino Saudita em se tornar a Arábia Saudita autossuficiente em carnes de frango até 2030. A demanda por alimentos processados também tem crescido rapidamente na região", disse o grupo em nota à reportagem.
O que está por trás da estratégia. Na avaliação da Euromonitor International, o investimento está alinhado às mudanças demográficas no Oriente Médio, como o crescimento populacional e a maior demanda por alimentos práticos e certificados halal. Até 2030, a população da Arábia Saudita deve chegar a 50 milhões de habitantes. Hoje são cerca de 30 milhões.
O contexto para investimentos na Arábia Saudita. Os investimentos estrangeiros também se mostram eficientes diante do plano Visão 2030, liderado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que tem como objetivo reduzir a dependência do petróleo, criar uma economia diversificada e garantir a segurança alimentar.
O cronograma de investimento tem execução planejada para 2025 e 2026. Com desembolso de aproximadamente US$ 63 milhões em 2025 e US$ 98 milhões em 2026. "Estamos falando de uma expansão e consolidação de estratégia, e não desbravamento de um mercado novo", destaca Murasaki. A operação contará inicialmente com matéria-prima proveniente do Brasil.
As expectativas de aumento de vendas. Hoje, a BRF já conta com uma fábrica de alimentos processados em Dammam, além de um ecossistema próprio de distribuição. A companhia não divulgou o guidance sobre volumes, mas afirmou ter a expectativa de aumento significativo nas vendas locais e na região em produtos processados. O grupo acrescentou que avalia futuros investimentos e expansão que contribuam para consolidar as vantagens competitivas da BRF não apenas no Oriente Médio.
"Estrategicamente, estamos trabalhando para aumentar a participação de processados nas vendas, dado que historicamente as margens são maiores que in natura e apoio para menor volatilidade da rentabilidade também. Os investimentos em novas unidades produtivas fortalecem a nossa presença e diferenciais competitivos na região, nos permitindo ampliar nossa oferta de produtos de valor agregado para atender à crescente demanda dos consumidores do mercado halal", afirma a BRF.
Os sinais que a BRF dá ao mercado
Movimentação importante para o mercado. Do ponto de vista financeiro, analistas do Bradesco BBI estimam uma contribuição de cerca de US$ 19 milhões ao resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA) consolidado da BRF, caso a fábrica entregue resultados em linha com outras unidades internacionais.
Planos de expansão podem se confirmar. O potencial de dobrar a capacidade produtiva futura e o alinhamento com a agenda do governo saudita tornam o investimento estratégico. "Nossa percepção é de que os futuros projetos de expansão podem se mostrar mais produtivos", afirma o banco.
Movimento sinaliza uma nova fase de crescimento da BRF. Já para Murasaki, da Euromonitor, a iniciativa consolida a atuação da BRF em regiões com exigências culturais e regulatórias específicas, como o mercado halal no Oriente Médio.
A expansão no Oriente Médio é acompanhada de movimentos semelhantes na Ásia. Em 2022, a BRF habilitou uma planta de suínos para exportar ao Vietnã, com a promessa de dobrar os volumes enviados ao país. Já em 2024, durante visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, foi revelada a aquisição de uma fábrica chinesa pela companhia — sinal de que a estratégia global mira também os mercados asiáticos, de forte crescimento e relevância geopolítica.
Impacto na concorrência, nas ações e no Brasil
A BRF diante da concorrência. Dados mensurados pela Euromonitor indicam que a Sadia está hoje em sexto lugar em market share na Arábia Saudita e em décimo sexto na região de Oriente Médio e África, considerando o mercado total de carnes processadas.
Ações da JBS dispararam. Segundo Murasaki, isso mostra que "há bastante espaço para crescimento em um mercado em expansão" para as companhias de alimento. Nesta semana, a JBS — dona das marcas Friboi, Seara, Swift, Pilgrim's Pride — disparam no pregão após a companhia comunicar ao que obteve aval positivo da SEC, órgão dos Estados Unidos correspondente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira, para o registro de suas ações na dupla listagem. A empresa também anunciou investimento de US$ 100 milhões na construção de duas fábricas no Vietnã.
BRF tem preço-alvo de R$ 23 e recomendação de compra neutra. Apesar da análise mais cautelosa do Bradesco BBI, a analista da Euromonitor avalia que os investimentos da BRF devem refletir positivamente na imagem da empresa, que ganha força no mercado global. As alterações em projeção, no entanto, vão depender da estratégia de implementação desse volume adicional no mercado, e serão sentidas com mais precisão mais para frente.
Vantagem nacional. Murasaki também não vê impactos negativos sobre o Brasil com o novo investimento da BRF, já que a matéria-prima será cultivada internamente e enviada para processamento na nova planta.
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