Brasil quer surfar na 'pistache mania', mas produção é viável?

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Pistache se tornou uma sensação no Brasil e no mundo. Hoje é servido não só como petisco, há opções de sorvetes, recheios de bolos e doces, ovos de Páscoa, panetones com sabor pistache e, recentemente, ganhou as redes sociais com o 'chocolate de Dubai'. A 'pistache mania' tem uma explicação: produtores americanos ampliaram a exportação de pistache e um dos alvos é o mercado brasileiro.
No Brasil, toda a noz utilizada vem de fora: 86% são importados só dos Estados Unidos. De olho nesse mercado, uma associação decidiu plantar pistache no Ceará, mas não conseguiu, ainda, alavancar a produção. A Faec (Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará) divulgou em 2022 a intenção de transformar o Ceará no primeiro produtor de pistache do Brasil. O projeto, porém, parece não ter saído da primeira fase após quase três anos. Entenda os motivos.
Importação dobra a cada ano
Os maiores produtores de pistache no mundo são o Irã e os Estados Unidos. Ambos disputam o mercado há alguns anos. O Irã é o responsável por uma safra de 269,3 mil toneladas, enquanto os EUA ocupam a segunda posição, com 199,4 mil toneladas.
A febre do pistache no Brasil é sintoma da expansão agrícola americana, apontam especialistas. A produção excedente para o abastecimento nacional fez os EUA traçarem estratégias mais agressivas para exportar para outros mercados, apontou um relatório do analista David Maganã, do Rabobank.
"Terreno fértil para exportadores", escreveu o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sobre o Brasil em 2024. No mesmo relatório, o USDA descreve ações de promoção do pistache, que vão desde participação em feiras internacionais de alimentos, projetos com chefs influentes no Brasil e aulas de culinária para influencers.
O consumo de pistache no Brasil teve um aumento notável nos últimos cinco anos, impulsionado por sua crescente popularidade na gastronomia e em produtos como sorvetes. A versatilidade culinária da noz despertou o interesse dos consumidores, levando a um crescimento consistente no consumo.
USDA Brazil
As importações de pistache para o Brasil triplicaram nos últimos anos. Os brasileiros estão consumindo cada vez mais pistache. Entre 2018 e 2021, a importação de pistache caía ano a ano, chegando a 311 toneladas (2021). Depois, só cresceu, quase duplicando a cada ano: 352 toneladas em 2022; 601 toneladas em 2023; e 1,1 mil toneladas em 2024, mostra o ComexStat, plataforma do governo federal com dados sobre o comércio exterior. Dados de 2025 até o mês de março.
Estados Unidos abocanham cada vez mais o mercado brasileiro, passando por cima do Irã, principalmente. Desde 2021, a participação do pistache americano nas importações brasileiras só aumenta, enquanto a de outros países, como Irã, perdem espaço. Em 2024, pico das importações, 86% do pistache consumido no Brasil veio dos EUA.
Com o pistache cotado a dólar, a variação cambial impacta o preço final ao consumidor. Com o dólar mais alto, itens com pistache ficam mais caros. Plantar no Brasil seria uma forma de escapar disso.
Plantação de pistache no Brasil é viável?
O plantio de uma nova cultura precisa seguir algumas etapas burocráticas no Brasil.
Importação de material genético: Primeiro, é preciso importar material genético (germoplasma e cultivares) adequado da planta, com a autorização do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) — processo que pode levar um ano;
Quarentena: Depois, chegando no Brasil, o material precisa ficar em quarentena para garantir a segurança fitossanitária, evitando a entrada de doenças e pragas no país.
Acompanhamento: Todo o processo deve ser acompanhado por uma instituição que faz a introdução de germoplasma no país, como a Embrapa ou o Instituto Agronômico de Campinas.
Parceria ainda não foi oficializada. A Faec, que divulgou a intenção de plantar pistache no Ceará, chegou a procurar a Embrapa com interesse em testar o cultivo em 2022. Porém, até agora, nenhuma parceria foi formalizada para o início das pesquisas, afirmou a Embrapa.
Os estudos não são baratos. Para viabilizar a plantação de pistache, a Embrapa ofertou, primeiro, um estudo preditivo de viabilidade com duração de seis meses para a Faec, no custo de R$ 60 mil. "Este serve apenas para entender a cadeia de produção que será preciso ter para não gerar prejuízo ao produtor. É o primeiro diagnóstico, para dizer se é minimamente viável ou não", resume Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical.
Depois do preditivo, vem o projeto-piloto de fato. Saavedra explica que, nele, são dez anos de análises e acompanhamentos do desenvolvimento da cultura, com custo total entre R$ 2 milhões e R$ 4 milhões. "A Faec está para decidir se vai custear ou não o primeiro, ainda", diz.
A Faec foi procurada, mas não retornou às tentativas de contato por e-mail e telefone até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Pistache gosta de frio
Outro problema, além da importação burocrática e do custo, é o frio. "Trata-se de uma planta de clima frio, que em sua região de origem necessita de períodos de neve ou, pelo menos, entre 60 e 90 dias consecutivos com temperaturas abaixo de 10ºC", explicou a Embrapa.
O clima quente do Ceará é um desafio a ser superado por pesquisadores. O lugar anunciado como escolhido pela Faec, Serra da Ibiapaba, fica próxima à divisa com o Piauí. Com altitude de 900 metros, as temperaturas são mais amenas, mas não costumam ficar abaixo dos 13ºC nos meses de inverno. O projeto apostaria na "tropicalização" do fruto, mas ainda faltam estudos para avaliar a possibilidade de sucesso na plantação no Brasil.
Seria preferível estudar de plantar em serras frias, como Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, onde já há plantio de maçã, que também gosta de frio.
Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical
'Pistache mania'

Importado ou não, pistache é um sucesso não só nos paladares, mas também nas redes sociais. Recentemente, uma nova iguaria envolvendo o creme verde ganhou as redes sociais: o "chocolate de Dubai", uma generosa barra de chocolate recheada com creme de pistache. A receita original é da Fix Dessert Chocolatier e leva também kataifi, fios de massa folhada típicos da região.
Vídeo bombou no TikTok. O vídeo em que a influenciadora gastronômica Maria Vehera experimenta a iguaria já alcançou 100 milhões de visualizações no TikTok. Com o sucesso, o doce de 200 g, que custa cerca de R$ 115, esgota poucos minutos após ter unidades colocadas à venda.
O sucesso no Brasil vem também da criatividade do brasileiro, que pegou gosto pela noz. A rede de sorveterias Bacio di Latte, por exemplo, desenvolveu cerca de 30 produtos envolvendo o pistache Em todas as 200 lojas, o sorvete da noz é o preferido. Já a Ofner tem pão de queijo de pistache no menu. O Habib 's incluiu no menu esfiha folhada de pistache doce. A Kopenhagen vende ovo de Páscoa recheado com pistache. A Cacau Show fez panetone com creme de pistache no Natal passado.
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