Ele lucra vendendo suco com receita misteriosa: 'Dois anos pra aperfeiçoar'

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Um ambulante lucra até R$ 11 mil em dois meses da alta temporada com um carrinho que vende apenas um sabor do suco-sensação no Pelourinho em Salvador. A receita "misteriosa" já conquistou famosos como Sabrina Sato, Spike Lee, Regina Casé, Diogo Defante, Astrid Fontenelle, o ministro Flávio Dino, entre outros.
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Quem é o homem por trás do suco de limão com coco?
Aos 59 anos, o pernambucano Milton Cavalcante é vendedor desde a adolescência. Aos 16 anos, ele chegou a Salvador para viver com uma tia e começou a vender cigarros. "Aquela ideia de vender cigarro e acender na boca do povo veio me trazendo lucros. E aí eu comecei a fazer outro novo investimento, [vendendo] água de saquinho", contou ao UOL.
"Seu" Milton nunca sonhou trabalhar em empresa. "Sempre foi a minha meta, sempre foquei no [trabalho de] vendedor ambulante". E, percebendo as demandas do seu público, ele aprendeu a improvisar para fazer renda até no inverno —quando não tem praia— vendendo sacos de salgadinhos e cafezinho na calçada de locais movimentados.
Os sucos foram a sua independência. Ainda quando vivia com a tia, Milton começou a preparar também sucos de maracujá e limão com leite, que foram bem recebidos pela clientela que passava perto da casa da família. Com o dinheiro, Milton deixou a tia e foi morar sozinho. "Fui morar só em um quartinho em que [eu] mal cabia com a boca de fogão e minhas garrafas de café", lembra.
Milton levou o seu café e seus sucos à Baixa dos Sapateiros, região comercial movimentada da capital baiana. Com as vendas aumentando, seu cardápio só se diversificava: ele acrescentou tortas, salgados, caldo de cana, pipoca e até geladinho às ofertas do dia. Foi então que ele decidiu expandir seu alcance ao Pelourinho, o coração cultural de Salvador.
Nem sempre o ambulante só ofereceu o suco misterioso na ladeira. Mas sua marca registrada sempre foram os sabores de frutas menos óbvias como lima e cajá, ou combinações inéditas como o suco de limão com água de coco, uma espécie de "spoiler" do sucesso que estaria por vir. Foi nesta época que "seu" Milton também começou a inovar com a apresentação do produto.
Eu peguei um carrinho de bebê, comecei a botar minhas garrafas ali em cima e a circular pelo Pelourinho. Milton Cavalcante
Há mais de 20 anos, Milton investe mesmo na criação que mudaria a sua vida: o suco de limão com coco. "Levei quase dois anos para me aperfeiçoar no meu suco. Uma hora amargava e eu fui [trabalhando] até que consegui me estabilizar com propriedade." A receita, no entanto, ele não entrega —o segredo é a chave do negócio.
Aos poucos, seu carrinho, que hoje é mais sofisticado do que aquele primeiro de bebê, virou tradição da região e ganhou até um fã ilustre: o diretor de cinema americano Spike Lee. Mas outras visitas também foram memoráveis para ele, como Regina Casé, Sabrina Sato, além do Mestre Memeu e do falecido irmão Lázaro, ambos da banda Olodum.
O Spike Lee gostou muito do meu suco. Ele até esteve me procurando de novo para tomar o meu suco, mas não me encontrou porque nesse dia estava chovendo e eu não vim trabalhar. Milton Cavalcante
Com tanta procura pelo famoso suco, o carrinho já ganhou uma filial, no Farol da Barra. A segunda unidade é tocada pelo genro Gerson Danilo.
A popularidade do suco não tornou o seu criador rico e os rendimentos variam muito de acordo com a temporada turística na cidade, quando Milton chega a vender até 100 litros por dia. "O que a gente ganha no verão já é para segurar o inverno", explica. Durante os dois meses mais movimentados, chega a ganhar R$ 11 mil.
Com pouca folga no bolso, o processo ainda é artesanal —e desgastante para Milton. "No meu sonho, eu gostaria de ter um maquinário que viesse me ajudar na produção do suco, porque para fazer isso manualmente não é fácil. Às vezes, a pessoa pensa que é fácil, mas não é, porque tem de manter também a qualidade do suco. Um maquinário [seria] muito importante, eu iria me desgastar menos", diz.
Já o sonho de sua filha, Ábia Lima de França, é ver o pai reconhecido pelas lideranças políticas regionais pelas suas contribuições ao turismo de Salvador. Apesar de pernambucano, o vendedor acabou se tornando uma força comercial que movimenta o centro histórico.
O que eu desejo, enquanto filha, é que meu pai fosse homenageado, reconhecido como cidadão soteropolitano e baiano pela história dele aqui em Salvador e no estado da Bahia. Espero que um dia eu consiga presenciar esse reconhecimento por tudo o que ele representa para Salvador, o que ele faz, porque ele é realmente um grande pai e um ser humano maravilhoso, trabalhador, exemplar —esse é o sinônimo da história dele e representa muito a história de Salvador. Muita gente veio para Salvador para provar o suco, para conhecer. Ábia Lima de França, professora de educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia)
Empreendedor de visão, "seu" Milton não tem planos para uma nova filial do carrinho atualmente. "No momento, eu não estou pensando nisso porque eu me preocupo com a qualidade do meu produto e, para você expandir para outro local, tem de ter a responsabilidade para não cair também a sua qualidade", ensina. No entanto, ele já aceita encomendas por meio dos contatos em suas redes.
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