Pedidos de ajuda e oportunidades: empresas lidam com tarifaço de Trump

Setores da economia nacional se mexem para driblar o tarifaço do Trump a produtos importados. Enquanto indústrias se juntam para negociar com empresas americanas, calçadistas pedem auxílio do governo para lidar com a invasão de produtos chineses ao mesmo tempo em que o agronegócio aproveita a onda para vender o que pode.

Indústria negocia tarifas

Para ganhar força nas negociações com os EUA, a indústria brasileira precisa unir forças. Os Estados Unidos tarifaram em 10% a maioria dos produtos exportados pelo Brasil. "As grandes empresas já têm escritórios nos EUA, mas é melhor quando se organizam nas associações industriais e negociam em conjunto", diz Frederico Malengo, superintendente de Relações Internacionais da CNI (Confederação Nacional da Indústria). "Não adianta ter um escritório de lobby nos EUA se for tratado como mais um."

Estamos montando uma missão empresarial no começo de maio com representantes do governo americano e empresários brasileiros para discutir uma agenda de negócios.
Frederico Malengo, da CNI

A CNI quer convencer os EUA de que a tarifa de 25% sobre o aço brasileiro é mau negócio. Derivados de ferro e aço são o segundo item brasileiro mais exportado para os EUA, atrás apenas do petróleo. "Parte da negociação é demonstrar que a inflação vai aumentar para o americano", diz o executivo ao prever que os itens feitos de aço, como automóveis, ficarão mais caros por lá e, depois, no Brasil, que importará o produto acabado.

Levará vantagem quem fabricar nos Estados Unidos. O ex-presidente Joe Biden já havia concedido benefícios às companhias que se instalam por lá, política reforçada por Trump. "Todos estão fazendo isso em razão do enfraquecimento dos organismos multilaterais de comércio", diz Malengo.

Com 11 plantas na América do Norte, a siderúrgica Gerdau é uma delas. Como as tarifas irão elevar os preços do aço, a empresa poderia incrementar em 12% seu resultado operacional em solo americano se a alta nos preços subir ao menos 5%, calcula o Itaú BBA.

Fábrica da Gerdau nos Estados Unidos
Fábrica da Gerdau nos Estados Unidos Imagem: Star Tribune via Getty Images

As perdas para a indústria nacional podem chegar a US$ 6,4 bilhões (R$ 36,2 bi) este ano. A estimativa é de economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Autopeças mais caras

Um dos setores mais afetados é o de autopeças, sobretaxado em 25%. A sobretaxa vai custar mais US$ 275 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) ao importador americano, estima o Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores).

Continua após a publicidade

Uma canetada de Trump na terça-feira (29) pode amenizar esse impacto. Ele cedeu à pressão das montadoras e concedeu um crédito de até 15% para compensar o aumento de preço da autopeça importada. "Estou dando um desconto. Eles recebem peças do mundo todo, mas eu quero que eles façam aqui", disse Trump.

Uma empresa que tenta driblar as tarifas fincando os pés nos EUA é a Forbal Automotive. Produtora de autopeças para caminhões, tratores e colheitadeiras, a empresa inaugurou em março um centro de distribuição na Flórida. A intenção é vender in loco para os fabricantes locais que já são clientes no Brasil. "A nova unidade possibilitará a oferta de produtos a pronta entrega, garantindo maior agilidade logística e atendimento mais eficiente", diz a empresa em nota.

O presidente do Sindipeças pede cuidado às empresas. "É melhor aguardar antes de tomar decisões importantes. Há muita instabilidade", alerta Cláudio Sahad, que cobra ação do governo. "Nossas empresas são competitivas do portão para dentro. Do portão para fora, surgem obstáculos sobre os quais elas não têm controle. Temos que eliminar essas barreiras de uma única vez através de uma política de Estado específica para esse fim."

A concorrência asiática também vai aumentar no mercado interno. "A invasão do mercado brasileiro por autopeças chinesas já vem ocorrendo há algum tempo. O risco é de que isso aumente", diz Sahad. Ele também pede ao governo brasileiro uma política de defesa da indústria "como fazem todos os outros países do mundo". "Temos que incluir o setor automotivo no Mercosul e estabelecer ou concluir acordos bilaterais com outros blocos e países, como Japão e Coreia do Sul", diz.

Fábrica de autopeças
Fábrica de autopeças Imagem: Caio Guatelli/Folhapress

Brasil vende mais calçados

Os Estados Unidos importaram 1 milhão de pares brasileiros em março. O aumento foi de 35% em relação a março do ano passado, diz a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). "A tendência é aumentar ao longo do ano."

Continua após a publicidade

A oportunidade é de ouro para a Kidy, empresa de calçados infantis. Mesmo exportando 11% de sua produção de 13 mil pares por dia, a empresa tem dificuldade para acessar os EUA em razão da alternativa chinesa. "Estamos investindo em posicionamento de marca, adaptando linhas de produtos às exigências técnicas e visuais do mercado americano e buscando parceiros para distribuição", diz o CEO da empresa, Riardo Gracia.

O foco inicial são estados ao sul dos EUA, como a Flórida, onde o perfil do nosso produto tem maior sinergia com o público.
Ricardo Gracia, da Kidy

Os calçados fabricados aqui ocupam apenas 0,5% do mercado americano, dominado por asiáticos. "Existe uma oportunidade de crescimento", diz Haroldo Ferreira, presidente executivo da Abicalçados. Mas, nos EUA, o setor terá de concorrer com asiáticos menos taxados que a China, como o Vietnã.

A entidade espera que um programa em parceria com a ApexBrasil ajude as empresas. "O programa Brazilian Footwear subsidia marcas brasileiras em feiras internacionais, realiza missões comerciais, ações de marketing e traz compradores ao Brasil", diz Ferreira. Ele recomenda que marcas nacionais participem de eventos internacionais. A maior feira calçadista da América Latina, no Anhembi (SP), terá mais de 1.200 importadores, grande parte norte-americanos. "É um lugar que a empresa interessada no mercado estadunidense deve estar."

Linha de produção de calçados no interior de São Paulo
Linha de produção de calçados no interior de São Paulo Imagem: Edson Silva/Folhapress

No mercado interno, as calçadistas terão de lidar com o produto asiático. "A Abicalçados vem alertando o governo sobre a invasão de calçados chineses com custos muito abaixo dos praticados no Brasil. É preservar não somente as empresas, mas quase 300 mil empregos", alerta Ferreira.

Continua após a publicidade

A solução para encarar essa concorrência é inovar. "O Brasil não deve entrar na guerra de preços, mas oferecer valor em design, conforto, sustentabilidade e originalidade", diz o CEO da Kidy.

Exportadores se voltam para a China

Exportadores brasileiros se movimentam para ocupar a lacuna deixada pelos EUA na China. "Mais empresas brasileiras estão buscando entender o que pode ser feito para exportar e importar de lá, diz Rafael Rosseto, gestor operacional da China Connect, empresa especializada em aproximar exportadores e importadores brasileiros e chineses.

O Brasil pode ganhar mercado exportando produtos com valor agregado. "Alimentos processados, cosméticos naturais e itens com apelo sustentável têm potencial", diz Rosseto. No caminho inverso, os chineses intensificam as vendas de itens de alta tecnologia, como "mobilidade elétrica e automação residencial, como robôs aspiradores e lâmpadas inteligentes."

As tarifas impostas à China podem beneficiar exportadores brasileiros que se posicionem com agilidade e qualidade.
Rafael Rosseto

Phenom 100EX, jato executivo da Embraer
Phenom 100EX, jato executivo da Embraer Imagem: Embraer
Continua após a publicidade

Um deles é a Embraer. Taxada em 145%, a China proibiu que suas companhias aéreas recebam entregas de jatos da americana Boeing. A medida valorizou em mais de 3% as ações da Embraer no dia do anúncio, em 15 de abril.

Nem o mercado americano preocupa a empresa. A tarifa de 10% terá pouco impacto porque a Embraer é uma das fornecedoras preferidas de companhias aéreas norte-americana, sem concorrentes para alguns segmentos.

Relatório do BTG Pactual classificou de "limitado" o impacto das tarifas sobre a Embraer. A empresa espera entregar este ano até 85 aeronaves comerciais (aumento de 10%) e até 155 jatos executivos (15% mais). Uma vantagem é a lista de pedidos com mais três anos de duração, indicando que "os volumes podem atravessar os riscos de recessão nos EUA", diz o documento.

A Embraer vai achar a forma de resolver isso, como resolveu outros problemas tão e até mais graves.
Francisco Neto, presidente da Embraer em evento do Bradesco BBI

Agro vai crescer

Quem já aproveita o tarifaço é o agronegócio. A mesma pesquisa da UFMG estima que o setor terá ganho de US$ 5,5 bilhões (R$ 31 bilhões) com a substituição, pela China, dos grãos americanos.

Continua após a publicidade

Parte da soja que a China importava dos EUA agora vem do Brasil. A expectativa é que as exportações do grão brasileiro tenham crescido 32% em abril na comparação com o mesmo período do ano passado. Cerca de 700 mil toneladas de soja nacional desembarcaram na China no mês passado.

Esta semana o governo chinês admitiu pela primeira vez que a soja brasileira é opção. "Contratos foram fechados antecipadamente para garantir suprimentos da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai)", diz relatório do Ministério da Agricultura chinês. "Grãos americanos como soja, milho e sorgo [um cereal] podem ser facilmente substituídos", completou Zhao Chenxin, da Comissão de Desenvolvimento da China.

Agronegócio deve aproveitar o tarifaço e exportar mais para a China
Agronegócio deve aproveitar o tarifaço e exportar mais para a China Imagem: Agência Brasil

Hora de novos mercados

A CNI recomenda diversificar a clientela. "O Brasil precisa intensificar o comércio com mercados sem relação histórica de parceria", diz Malengo ao elogiar a viagem do presidente Lula ao Vietnã, "porta de entrada da Ásia". "Se tivermos uma agenda para esse mercado, haverá potencial de reduzir riscos."

América Latina precisa entrar no radar. "A gente tem de revisitar nossas relações não só com o Mercosul, mas com Peru, Colômbia, Equador, México", diz o executivo ao celebrar o recente acordo do Mercosul com a União Europeia, "mercado gigante que estava estagnado".

Continua após a publicidade

O "papel de bastidor do governo brasileiro" ajudou a evitar estrago maior. "A tarifa foi suavizada no Brasil, e isso não é pouca coisa", diz Malengo sobre como o governo explicitou aos EUA o déficit brasileiro na balança comercial. "Essa estratégia funcionou."

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.