Vinda de gigante chinesa rival do iFood ao Brasil empolga setor

A Meituan, gigante chinesa no mercado de delivery de comida, confirmou hoje seus planos de entrar no Brasil nos próximos cinco anos. A operação será feita por meio da Keeta, marca internacional da companhia, que já atua em mercados como Hong Kong e Arábia Saudita. A chegada deve acontecer nos "próximos meses", disse a Meituan em comunicado à imprensa, e promete movimentar o setor de entregas no país.

A notícia foi recebida com entusiasmo por diferentes agentes do mercado — restaurantes, analistas, entregadores e entidades do setor. Para uns, o anúncio representa uma disrupção em um ambiente dominado há anos pelo iFood, com possibilidade de ampliar a concorrência e reduzir custos. Para outros, abre-se uma janela de oportunidade para reposicionar o modelo de negócios do delivery, hoje pressionado por margens estreitas, aumento de custos e queda no número de pedidos.

O que se sabe sobre a Meituan e sua marca Keeta

Fundada em 2010, a Meituan é considerada o maior superapp de serviços da China. A empresa é conhecida por ir além das entregas de refeições, atuando também nos ramos de farmácias, mercados e até agendamentos de beleza e outros serviços urbanos. Só em 2024, foram mais de 98 milhões de entregas por dia.

A operação brasileira deve começar ainda em 2025. O foco inicial será no delivery de comida. São estimados 100 mil postos de trabalho indiretos, além da instalação de uma central de atendimento no Nordeste, com até 4 mil vagas diretas, segundo dados do governo.

No Brasil, a Meituan estreará com a Keeta, marca internacional criada em 2022. O braço da gigante chinesa atualmente oferece serviços de entrega de alimentos em Hong Kong e na Arábia Saudita, onde vem se destacando por entregas rápidas e com preços acessíveis.

Ainda não está claro como a Meituan vai gastar os bilhões que pretende investir no Brasil. Segundo informações do jornal O Globo, a maior parte dos recursos tende a ser consumida com subsídios a consumidores e restaurantes, como taxa de entrega reduzida e marketing agressivo.
Estamos ansiosos para trazer o Keeta ao Brasil, com o objetivo de melhorar a experiência dos consumidores, impulsionar o crescimento dos restaurantes parceiros, e gerar mais oportunidades para entregadores em todo o país
Wang Xing, fundador e CEO da Meituan

Nova era para o delivery no Brasil

Para especialistas, a entrada da Meituan inaugura uma nova fase no mercado de delivery brasileiro. Segundo o Instituto Foodservice Brasil, o setor passa por um ponto de virada, após anos de retração pós-pandemia e queda de tráfego, de -3% em 2024 na comparação com o ano anterior. O crescimento atual se sustenta quase exclusivamente no aumento do ticket médio (+4%) devido à carestia dos alimentos. Em 2024, o grupo de alimentos e bebidas do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) fechou com alta de 7,60%.

Nesse contexto, a chegada de uma gigante como a Meituan é vista como um elemento "disruptivo", capaz de reaquecer a competição. "O delivery vive um reaquecimento mas com uma nova racionalidade, mais centrado em rentabilidade, diversificação e diferenciação", afirma a vice-presidente do Instituto Foodservice Brasil, Ingrid Devisate.

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A comparação com o iFood é inevitável. Mas a especialista destaca que a Meituan vem se consolidando como um superapp mais amplo e tecnologicamente avançado por não ter um receita dependente apenas das entregas no ramo alimentício. "Ela já nasce menos dependente do delivery. Isso permite que baixe taxas para restaurantes, o que é hoje a principal dor do setor", explica.

Essa estratégia ameaça o modelo atual do iFood, cuja receita ainda depende fortemente das taxas cobradas de restaurantes. A própria empresa tem tentado diversificar, apostando no conceito de "iFood é tudo", com carteiras digitais, mercado e até benefícios de assinatura. Mas, na avaliação do mercado, a Meituan chega alguns passos à frente.

A promessa de taxas mais baixas é o que mais atrai os restaurantes. Segundo relatos de operadores do setor, margens apertadas e preços inflacionados no delivery, necessários para cobrir os custos das plataformas, tornam o canal menos competitivo.

Se a Meituan conseguir reduzir isso, muda o jogo para todo mundo
Ingrid Devisate, vice-presidente do Instituto Foodservice Brasil

Entregadores também esperam mais concorrência

Para os entregadores, o cenário atual de monopólio é visto como um dos principais problemas. Júnior Freitas, uma das lideranças nacionais da categoria, avalia que é a chegada de novos players e os recentes anúncios de outras empresas, que prometem também acirrar a concorrência contra o iFood, pode valorizar a mão de obra e forçar melhorias nas condições de trabalho.

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Não estamos satisfeitos com o que o iFood apresenta no mercado hoje. Houve a paralisação e os nossos pedidos foram negados. Espero que a Meituan chegue e consiga melhorar esse cenário. A 99 também está anunciando uma isenção para os comerciantes, taxa zero durante dois anos. Se tivermos essa disputa, esperamos que a valorização chegue para o trabalhador e que as nossas expectativas sejam atendidas. Então, sim, do jeito que está hoje, a concorrência é muito bem-vinda
Júnior Freitas, uma das lideranças nacionais da categoria

A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) também vê com otimismo o novo momento. Paulo Solmucci, presidente da entidade, lembra que, em 2020, a Rappi abriu um pedido de investigação no Cade sobre supostas praticas anticompetitivas. A empresa argumentou que o iFood estaria sujeitando os restaurantes da plataforma a um regime de exclusividade, e que o monopólio impedia a concorrência.

Dentro deste contexto, em 2022 o Uber Eats, divisão de delivery da Uber, encerrou suas operações no Brasil. A empresa alegou que seria a segunda maior do setor, com 10% a 15%, mas ainda distante do iFood que detinha uma fatia estimada em 80%. Um ano depois a 99Food também encerrou seu serviço no país.

Ainda em 2023 o iFood teve de assinar um acordo limitando os contratos de exclusividade com restaurantes. Hoje, a maior empresa de delivery do Brasil é a companhia, que realiza cerca de 120 milhões de entregas por mês. A plataforma tem mais de 60 milhões de brasileiros ativos e cerca de 400 mil comerciantes. "A Meituan faz 77 milhões de entregas por dia e o iFood pouco mais de 100 milhões por mês. É uma empresa muito grande que deve acirrar a concorrência", diz Solmucci.

Questionando pelo UOL, o iFood disse que a entrada de novas empresas "apenas reforça o potencial do setor de delivery e conveniência no Brasil". A empresa disse em nota que o país tem dimensão continental e oportunidades relevantes de crescimento.

A plataforma também negou a expansão de verticais como uma resposta aos anúncios das concorrentes. "É uma frente estratégica em desenvolvimento desde 2019 e foi consolidada com o novo posicionamento de marca lançado no início de 2025. A campanha 'iFood é Tudo Pra Mim' reforça o papel da empresa como uma plataforma completa de conveniência, alinhada às necessidades dos consumidores", afirmou em nota.

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Avançamos na remoção de barreiras, e agora vemos grandes investimentos sendo anunciados. É um novo ciclo. O mercado deve se beneficiar em todas as pontas: consumidor, restaurante e entregador
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel

O que foi anunciado no mercado de delivery

Em paralelo, outras empresas também voltaram a se movimentar. No dia 29 de abril, a 99Food, controlada pela chinesa Didi, relançou sua vertical de delivery e promete dois anos sem cobrança de tarifas dos restaurantes. O Rappi, por sua vez, anunciou isenção de taxas por três anos no dia 5 de maio.

Já o iFood quer crescer nas outras verticais do aplicativo de entregas e se tornar o "faz-tudo" do brasileiro. Na semana passada, na sequência do anúncio do Rappi, a companhia divulgou que vai popularizar a entrega de itens de farmácias, pet shop, conveniência, bebidas e shopping à porta do cliente.

O iFood quer ampliar a representatividade dessas outras categorias. Segundo a empresa, o segmento de restaurantes representa 85% do faturamento da empresa, enquanto todas as outras categorias somam apenas 15%. A meta para os próximos três anos é alterar a participação desses segmentos, presentes desde 2019, para uma proporção de 60% e 40%.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado em versão anterior deste texto, as taxas do iFood só existem para os estabelecimentos. Os entregadores recebem uma taxa mínima por entrega. A informação foi corrigida.

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