Passageiros podem ser afetados por pedido de recuperação da Azul? Entenda

A Azul anunciou que deu início a um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, por meio do chamado Chapter 11 — mecanismo que permite a reorganização financeira de empresas sem interromper suas atividades. A medida acende dúvidas sobre o futuro dos voos, possíveis cortes e o impacto nos acordos em curso.

O que diz a Azul

Segundo a companhia, o pedido de recuperação judicial não altera suas operações diárias. Em comunicado à imprensa, a Azul afirmou que continuará voando normalmente e cumprindo todos os compromissos com clientes, incluindo passagens emitidas, programas de fidelidade e voos programados.

Até o momento, a Azul não anunciou cortes de voos ou de pessoal como parte do processo. A empresa sinalizou que a reestruturação é voltada à organização financeira e que deve negociar uma redução de 35% na sua frota de aeronaves. A companhia aérea também acrescentou que manterá os salários, benefícios e a rotina dos tripulantes durante o período de reestruturação.

Clientes, tripulantes e parceiros continuam sendo a prioridade da Azul. A Companhia seguirá voando, operando normalmente e mantendo seus compromissos durante todo o período de reestruturação
Azul Linhas Aéreas, em comunicado à imprensa nesta terça-feira (27)

O que muda para os passageiros

A linha aérea continua voando e operando, diz especialista. Na visão do advogado Fabio Komatsu Falkenburger, sócio da área de infraestrutura e head da área de aviação do escritório Machado e Meyer, a princípio, nada muda para os consumidores. "O que a Azul falou é um corte de frota de 35%, mas com otimização de operações. Então, em um primeiro momento, não está previsto impactos diretos para os consumidores, a companhia continua voando e operando".

A medida é necessária, considerando o nível de endividamento que a companhia tem, inclusive no próprio plano, a premissa número um é a diminuição disso.
Fabio Komatsu Falkenburger, advogado especialista no setor de aviação

Outro especialista observa, porém, que os ajustes na operação podem afetar a experiência do passageiro. O advogado Vitor Antony Ferrari, sócio do escritório Mazzucco & Mello, reforça que o procedimento é essencial para a continuidade da prestação de serviços, mas observa o risco de que eventuais ajustes operacionais ou decisões de mercado reflitam em mudanças de horários, frequências ou aeronaves. "Esses impactos, no entanto, não decorrem do procedimento legal, mas sim de medidas estratégicas associadas ao processo de reorganização", avalia.

A redução na quantidade de aeronaves também pode causar efeitos práticos para os consumidores e no quadro de funcionários. No comunicado ao mercado, a Azul não divulgou cortes de voos de forma imediata, mas o redesenho das operações da aérea pode levar a um foco maior em eficiência, rotas mais rentáveis e possível concentração em hubs estratégicos.

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Esse movimento, embora compreensível do ponto de vista da reestruturação financeira, pode afetar especialmente consumidores de cidades menores ou menos lucrativas. Quanto aos funcionários, a redução de frota inevitavelmente impõe um risco de reestruturação de pessoal. Embora nenhuma demissão em massa tenha sido oficialmente anunciada, é juridicamente previsível que haja redimensionamento de quadro, especialmente entre equipes diretamente ligadas à operação de aeronaves, como tripulação técnica e manutenção.
Vitor Antony Ferrari, sócio do escritório Mazzucco & Mello

Até então, a Azul era a única a não ter pedido RJ. As outras duas aéreas de grande porte do segmento no Brasil buscaram o pedido de recuperação judicial nos EUA após a pandemia. Além da Gol, 2020, o grupo Latam buscou a proteção da corte norte-americana contra os credores e concluiu seu processo em 2022. Nos dois casos, o advogado Vitor Antony Ferrari detalha que houve impactos para os passageiros.

No caso da Latam, houve pontuais atrasos e alterações de voos, mas não se registrou um aumento expressivo de queixas generalizadas junto aos órgãos de defesa do consumidor. O mesmo ocorreu com a Gol. O que esses casos demonstram é que, embora o consumidor deva estar atento — especialmente quanto a reembolsos, remarcações e atendimento. Em ambos os casos anteriores, a Anac e os Procons seguiram fiscalizando as práticas e assegurando o cumprimento dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

Crise já levou ao cancelamento de voos no início do ano. Em janeiro, a Azul suspendeu operações em 12 cidades do país, a maioria delas no Nordeste. A empresa atribuiu a suspensão a "uma série de fatores que vão desde o aumento nos custos operacionais da aviação, impactados pela crise global na cadeia de suprimentos e a alta do dólar, somadas às questões de disponibilidade de frota e de ajustes de oferta e demanda".

Como deve ser a recuperação

O Chapter 11 ou Capítulo 11 da Lei de Falências dos EUA é um processo de reorganização financeira supervisionado por um tribunal do país. Segundo os advogados, o mecanismo permite às empresas reestruturarem seu balanço patrimonial enquanto continuam operando normalmente.

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A medida permite que a empresa ajuste seus contratos, principalmente os de leasing (aluguel de aviões) que representam parcela significativa dos passivos do setor aéreo. Com esse instrumento legal norte-americano, a companhia pretende eliminar cerca de US$ 2 bilhões em dívidas, reduzir custos com contratos de arrendamento de aeronaves e reorganizar sua frota.

A expectativa é sair do processo com uma "estrutura de negócios e de capital mais sustentável". A empresa também protocolou, junto ao tribunal dos EUA, pedidos para garantir a continuidade das operações e evitar interrupções, o que inclui a manutenção de pagamentos a fornecedores considerados críticos para o funcionamento da companhia.

Comunicado enviado ao mercado diz que a aérea tem o apoio dos seus parceiros estratégicos e principais credores. A Azul tem hoje como maior arrendador de aeronaves, a AerCap, que representa a maior parte do passivo de arrendamento de aviões da companhia. Ela também conta como parceiros estratégicos a United Airlines e American Airlines.

Em relação à parceria com a Gol, firmada no ano passado em um acordo de cooperação comercial (codeshare), a Azul não detalhou impactos diretos. O acordo não envolve fusão ou integração societária, apenas a venda cruzada de voos e conexão entre malhas, mas segundo reportagem do Valor Econômico, a união deve ficar em segundo plano. O acordo foi anunciado em maio de 2024, poucos meses após a Gol também entrar em processo de recuperação judicial nos EUA, com dívidas estimadas em R$ 20 bilhões.

Ações da Azul abrem o pregão em baixa. Por volta das 10h49, a ação preferencial da Azul (AZUL4) cedia 8,41%, a R$ 0,98. No mesmo horário, o Ibovespa caía 0,26%, aos 139.177,94 pontos. Os recibos de ações (ADRs) em Nova York da companhia também chegaram a afundar 40%, antes da abertura das negociações à vista.

O que levou a Azul a pedir recuperação judicial

Os problemas financeiros da Azul pioraram durante a pandemia. Apesar da paralisação do setor na época, as empresas de aviação tiveram de continuar pagando leasing (o aluguel de aviões), reserva de manutenção das aeronaves, entre outros gastos. A dívida da Azul no primeiro trimestre ficou em R$ 31,35 bilhões, alta de 50,3% na comparação com igual período do ano anterior. O caixa também caiu.

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A empresa também sofre com a falta de aviões e peças de manutenção, como motores. Ela teve de buscar na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) a liberação para contratação do serviço de uma empresa para fornecimento de aviação.

Com o pedido de recuperação, a companhia aérea a prevê a reestruturação de US$ 1,6 bilhão em financiamento. Outros US$ 950 milhões serão alocados em novos aportes de capital no momento da saída do processo. O CEO da Azul, John Rodgerson, que sempre foi muito crítico ao processo de Chapter 11, disse que "esses Acordos marcam um passo significativo na transformação do nosso negócio, pois nos permitirá emergir como líderes do setor nos principais aspectos da nossa atividade".

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